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Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha
As lições do Partido dos Panteras Negras no Dia Internacional da Mulher Latino Americana e Caribenha
Miguel Gonçalves

Esse texto faz parte de uma série de artigos que viemos elaborando sobre o Dia Internacional da Mulher Latino Americana e Caribenha. Nele vamos trazer o debate sobre as mulheres do Partido dos Panteras Negras e a importância dessa luta para os dias de hoje.

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Esse texto faz parte de uma série de artigos que viemos elaborando sobre o Dia Internacional da Mulher Latino Americana e Caribenha. Nele vamos trazer o debate sobre as mulheres do Partido dos Panteras Negras e a importância dessa luta para os dias de hoje.

Em 1992, ocorreu o 1º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, e nesse 25 de Julho, mais um encontro vai ocorrer. Por isso o tema do último podcast “Feminismo e Marxismo” é sobre As Panteras Negras. A luta do Partido dos Panteras Negras está muito conectada à luta do povo negro no nosso subcontinente e isso estava explicito no programa do partido. Mas em particular as mulheres, as “Panteras Negras”, são grandes exemplos para a luta das mulheres negras no Brasil, na Colômbia, e em qualquer país da América Latina e do Caribe.

A tradição de luta negra nos Estados Unidos

A luta negra nos Estados Unidos não nasceu, nem morreu com o Partido dos Panteras Negras (PPN). Existe um fio de continuidade, desde a resistência dos escravizados na luta por liberdade até a luta por Justiça para George Floyd, com as mulheres negras em particular sendo linha de frente dessas lutas. Nos protestos do ano passado, cerca de 70% dos manifestantes eram mulheres, não haveria o fenômeno do “Black Lives Matter”sem as mulheres.

Como Angela Davis escreveu no livro Mulheres, raça e classe durante a escravidão, as mulheres negras não eram diferenciadas em relação aos homens do ponto de vista do trabalho, essa diferenciação só era feita no momento dos castigos, onde para além de sofrer os mesmos que os homens escravizados, ainda eram submetidas à estupros e abusos sexuais. Nessas condições, era impossível que as mulheres negras não participassem da vanguarda na luta contra a escravidão, Angela Davis em referência às mulheres escravizadas escreveu: “A sua consciência da sua capacidade sem fim para o trabalho duro pode-lhes ter comunicado a confiança na sua capacidade para lutar por si mesmas, pelas suas famílias e pelo seu povo”. Harriet Tubman é provavelmente o exemplo mais conhecido, uma mulher negra que colocou sua vida à disposição da luta abolicionista, sendo responsável pela liberdade de centenas de escravizados.

Em qual contexto histórico surge o Partido

O Partido dos Panteras Negras é criado em 1966 em um contexto bem particular: num sentido mais geral, o mundo vivia a tensão da Guerra Fria, onde se chocavam por um lado o capitalismo dos Estados Unidos, e por outro a União Soviética, um Estado Operário que, ainda que já burocratizado pelo estalinismo que avançava contra a auto-organização, mantinha uma base econômica oposta aos Estados Unidos. Por mais que se chocassem constantemente, a burocracia soviética cumpria um papel que permitia aos Estados Unidos aumentar sua hegemonia mundial.

Olhando mais atentamente para os Estados Unidos o contexto era outro: os negros tinham conseguido impor o fim da segregação racial em 1964 depois da luta de gerações e gerações de negros e negras, que boicotaram o transporte segregado como fez Rosa Parks, articularam marchas pelo fim da segregação como fez Martin Luther King, foram à viagens para estados explicitamente racista em defesa dos direitos civis como fizeram os freedom riders (em português “viajantes da liberdade”).

Toda essa luta que, apesar de muita repressão, resultou no fim da segregação racial, não foi suficiente para que acabassem as prisões ilegais e atentados à pessoas negras em diversos estados e regiões dos Estados Unidos, muitas vezes por policiais. Esses assassinatos e prisões arbitrárias levaram a rebeliões urbanas, que durante todos os verões de 1965 à 1970, apavoraram os supremacistas brancos. Este processo iniciado em 1965 ficou conhecido como “verões quentes”. Em 1966, inspirados pela rebelião que ocorreu em Watts na Califórnia em 1965, Huey P. Newton e Bobby Seale, passam a se organizar em Oakland, também na Califórnia, para lutar pela auto-defesa do povo negro. A pouca importância que organizações e partidos de esquerda davam para a luta antirracista leva a necessidade de fundação de um novo partido.

Foto da rebelião de Watts, 12 de agosto de 1965. Os manifestantes empurram carro da polícia.

Bettmann Archive/Getty Images. Foto aérea da rebelião de Watts, 16 agosto de 1965. No quarto dia da rebelião, a imagem aérea mostra fortes focos de fumaça.

O Partido Democrata e a luta negra

O Partido Democrata (PD) consegue até hoje transmitir, inclusive para setores da Esquerda, uma imagem de que seria menos pior que o Partido Republicano, e que frente a este último, seria uma alternativa na luta contra o racismo. Muito da imagem que o PD expressa foi construída justamente na década de 60 quando a segregação racial foi proibida enquanto Lyndon Johnson, um democrata, era presidente.

Mas se nos atentarmos aos fatos, veremos como o PD cumpriu o papel de ser o maior entrave possível a uma radicalização da luta negra e socialista em geral, honrando seu “apelido” de Coveiro dos movimentos sociais. Antes de tudo, é necessário dizer: quem eram os governadores de Estados do Sul dos Estados Unidos que mantinham a segregação racial? Grande parte era de um setor conhecido como Dixiecrat, um setor dos Democratas que por grande parte foi a base do partido, assentado nos latifúndios do Sul (conhecido pelos democratas como “solid south”, em português o sul sólido porque dali os democratas tiravam grande parte dos seus votos, contando com uma base “sólida”) que herdava às tradições da fundação do Partido Democrata, ou seja, a luta por uma sociedade segregada e pela submissão dos negros aos brancos.

Desiludidos com as pequenas migalhas que o Partido Democrata dava ao mesmo tempo em que mantinham o apoio aos Dixiecrats, uma geração de negros se radicalizou e se revoltou contra o partido, expresso em consignas como o “Black Power”. O PD nesse momento precisa fazer uma escolha: tentar amansar e cooptar uma geração de negros radicalizados ou manter em sua ala os Dixiecrats. Por uma espécie de “terceira via”, o PD criminaliza o PPN, transforma em maior ameaça interna dos Estados Unidos ao mesmo tempo em que se afasta dos Dixiecrats, exercendo uma política que nos Estados Unidos se chama de “Carrot and Stick”: ao mesmo tempo que dão concessões e fazem reformas com objetivo de aproximar a população negra, reprime brutalmente os militantes negros do PPN, chegando ao ápice no assassinato de Fred Hampton em 1969.

O Partido dos Panteras Negras e seu programa

Apesar das contradições do PPN, sobretudo por conta da estratégia maoísta que os levaram a conceber que o sujeito revolucionário não era o proletariado, se perdendo em tentativas de organizar lumpen proletariado e a não se construir nos sindicatos, há um legado muito importante e muito avançado para época sobre seu programa. Em seu programa definido em 10 pontos, 2 em específico podem servir de inspiração para a luta das mulheres no dia 27 de julho.

“8. Queremos liberdade para os Negros presos nas cadeias federais, estaduais, municipais ou citadinas.
9. Queremos que todas as pessoas Negras que sejam levadas a tribunal sejam julgadas por um júri de seus pares, ou seja composto por pessoas da comunidade Negra, como define a Constituição Americana.”

Esses dois pontos estão profundamente conectados com a realidade dos negros hoje em dia, e devem ser usados como pontos de apoio na luta contra o racismo. Um dos legados que o Partido dos Panteras Negras nos deixou foi o de não confiar em nenhum instante na justiça burguesa. Não se pode esperar que a justiça que é a mesma que encarcera em massa juventude negra e deixa impune seus assassinos, tome decisões que favoreçam a população negra e pobre. A expressão disso nos EUA é que tem vários militantes dos Panteras Negras na prisão ou exilados.

As mulheres negras no Brasil, além de estarem expostas a violência policial, são as que mais sofrem com a prisão de seus filhos. Nosso pais tem a terceira maior população carcerária no mundo todo, mais de 40% dos presos não foi condenado, sendo a maioria negros e negras. Além disso, grande parte das condenações é por suposto tráfico de drogas, muitas vezes usuários e dependentes químicos que acabam sendo enquadrados como traficantes pelo racismo judicial.

A atualidade do racismo e da contínua exploração capitalista, leva a necessidade do estudo do Partido dos Panteras Negras e do papel que as mulheres negras cumpriram dentro deste. O racismo só pode ser superado através do fim do capitalismo, este sistema podre que precisa da opressão racial para manter os níveis altos de exploração.

Mas, para além, da luta contra o racismo, do fim da brutalidade policial, júri independente para julgar a população negra e a luta pelo direito democrático de autodefesa, o legado do PPN é muito mais profundo: mostra a necessidade de formar partido, participar das eleições não como um fim mas como um espaço de expansão das ideias revolucionárias, defender as ideias marxistas, defender o fim do capitalismo como única forma de acabar com o racismo.

As “Panteras Negras”

No dia Internacional Da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha é fundamental retomar o legado das mulheres que foram linha de frente e importantes dirigentes do PPN. Angela Davis, Ericka Huggins, Assata Shakur são alguns dentre milhares de exemplos de mulheres negras revolucionárias de muita força.

Nas academias, há uma tentativa de transformar a figura e a obra de Angela Davis, talvez a mais conhecida dentre as Panteras no Brasil, numa intelectual que era ativista contra o racismo. Apesar de grande intelectual e de lutar contra o racismo, Angela foi muito mais que isso, foi uma militante comunista. Não é atoa que só este último traço de sua vida política é apagado, o legado do PPN e da luta contra o capitalismo apavora a burguesia até hoje. Em seus tempos no Partido, ainda como uma jovem dirigente, foi duas vezes candidata a vice-presidente na chapa do PPN e do Partido Comunista dos EUA. Influenciada pelas ideias da interseccionalidade, que foi uma forma de se contrapor ao feminismo liberal, aparece uma contradição no pensamento de Davis. Mesmo que a Interseccionalidade leve em conta as fronteiras de classes, ela é vista como mais uma opressão dente outras, o que levou-a a apoiar Hilary Clinton por ser uma mulher e compartilhar a fronteira de gênero, Obama por ser negro e compartilhar a fronteira de cor, mas sem se atentar que na questão da classe, os dois deviam ser vistos como inimigos.

Ericka Huggins foi uma importante militante, dirigindo o programa de educação do Partido. Além de já ter tido lugar na lista dos mais procurados pelo FBI, até hoje ela batalha pela libertação de membros do PPN que seguem presos até hoje. Para além da coragem e a bravura, Ericka Huggins cumpriu um papel fundamental que não consistia exatamente na estratégia dos Panteras. Um dos grandes problemas do Partido, é que eles abrem mão da disputa de sindicatos e movimentos estudantis, de tentar impor Frente Únicas operárias, muitas vezes fazendo política mas distante da luta por auto organizar a classe operária. Na regional onde dirigia, Ericka buscou disputar o sindicato dos professor e batalhar pela unidade do povo negro com a classe trabalhadora branca.

Assata Shakur não foi militante do PPN por muito tempo, mas marcou seu nome na história. Ela rompeu com o Partido por acreditar na luta armada, influenciada pelas ideias de guerrilha, movimento semelhante ao que acontece no Brasil no mesmo momento. Assata foi a primeira mulher a ser incluída na lista dos 10 mais procurados do FBI e conseguiu o impressionante feito de fugir da prisão e se exilar em Cuba.

Mary Ann Carlton, Delores Henderson, Joyce Lee, Joyce Means, Paula Hill, Kathleen Cleaver e inúmeras outras são mulheres revolucionárias que fizeram parte do PPN e tem um grande legado de luta socialista e antirracista para que as mulheres de nosso subcontinente possam se inspirar.

As Panteras Negras, 1969. Mulheres do Partido dos Panteras Negras responsáveis pela auto-defesa.

Muito se discute também, corretamente, sobre o Machismo dentro do PPN, mas muitas vezes de maneira descontextualizada e com intuito de atacar uma organização de esquerda, e não de avançar em direção a um feminismo socialista. É verdade que alguns membros e dirigentes do Partido eram explicitamente machistas e isso deveria e deve ser combatido com toda força dentro das organizações socialistas. Mas a questão do machismo era muito mais profunda e pairava sobre a esquerda como um todo: a tradição Stalinista foi muito prejudicial às conquistas das mulheres e dos LGBT´s na União Soviética.

Para além de proibir o aborto e muitas vezes reforças o papel da mulher como dona de casa, Stalin ainda pregava que a homossexualidade era degeneração burguesa. Os Panteras Negras seguiam o Maoísmo que faz referência a Mao Tse-Tung, que por sua vez foi profundamente influenciado pela tradição Stalinista, e apesar de Mao não ter uma retórica explicitamente machista, após a Revolução Chinesa pouco faz para avançar contra o machismo e o patriarcado.

 
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