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Contra a imposição do autoritário Código de Conduta na Unicamp
Juninho Caetano

Nos últimos meses, instâncias da Unicamp elaboraram um código de conduta para a comunidade universitária. Ele contêm artigos que avançam no cerceamento da liberdade de organização política e livre expressão de todos os estudantes e do conjunto do movimento estudantil.

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No final do mês de março foi levado ao Consu um código de conduta e regras elaborado pela Diretoria de Direitos Humanos da Unicamp. Esse código está de acordo com a Política Institucional de Direitos Humanos aprovada pelo Consu em novembro de 2020. Ironicamente, a elaboração deste código contêm artigos que avançam no cerceamento da liberdade de organização política e livre expressão de todos os estudantes e do conjunto do movimento estudantil.

Uma das medidas previstas, como está descrito no 4° artigo é a de “não apresentar atitudes que resultem no transtorno à comunidade universitária”. Porém, o amplo arco de atitudes que podem ser enquadradas nestes critérios é de diversidade tamanha que pode incluir desde festas até greves massivas de estudantes e trabalhadores. Uma paralisação de dependências da universidade, como é o caso do Restaurante Universitário, a fim de assegurar o fim das demissões das trabalhadoras terceirizadas dificilmente não provocaria um “transtorno à comunidade universitária”, e ainda maior transtorno para reitoria de Tom Zé que defende as parcerias público privadas na Unicamp e é conivente ao aumento precarização do trabalho dentro da universidade. Neste mesmo artigo encontra-se que deveremos “não acobertar qualquer conduta inadequada ou contrária a este Código”, ou seja, busca impor uma política de policiamento entre os próprios estudantes e categorias.

No artigo 15° podemos verificar a proibição de "desrespeitar, por ato ou palavras, algum conselheiro ou membro que representar comportamento desrespeitoso” quanto à Conduta nos Órgãos. Porém esse mesmos espaços, como o Consu, podem ser utilizados para punir ou cercear a fala de estudantes reivindicando por exemplo o direito de reforma e ampliação da moradia e responsabilizando a reitoria pelo descaso com a permanência estudantil, o que pode ser compreendido com um comportamento desrespeitoso aos olhos da burocracia acadêmica. Esta mesma burocracia, por sua vez, dispõe de plenos direitos para proclamar ofensas e agressões verbais contra representantes discentes em sessões do Consu, que já é totalmente antidemocrática (estudantes, que são maioria na universidade, têm peso mínimo nas decisões).

Sobre as disposições finais que estão contidas no 17° artigo há escancaradamente um discurso que amplia a aplicação de medidas autoritárias contra a manifestação do movimento estudantil, buscando controlar a organização política dos estudantes. Observemos que “Ficam autorizadas às autoridades competentes, quando verificada a violação das condutas preconizadas neste código, a adotarem as medidas cabíveis para a cessação dos atos impróprios (...)”. Tomando como exemplo a forte greve de 2016, na qual, por meio de longa luta, contou com ocupação da reitoria e duras punições contra militantes do movimento estudantil que assim o fizeram para arrancar as cotas étnico raciais, ficaria evidente que o métodos organizativos tomados pelos estudantes seriam facilmente considerados como impróprios e violadores das condutas previstas neste código.

Em larga medida, estes artigos servem para apertar os laços herdados da ditadura militar que a própria universidade carrega. A própria estrutura de poder da Unicamp é um exemplo de herança autoritária, conservando até hoje o mesmo estatuto erigido em 1969, submetido apenas a edições parciais em 2019. A manutenção do artigo 143°, que prevê punição em casos de “cometer ato de desrespeito, indisciplina ou insubordinação”, definições que são completamente genéricas e possibilitariam regular qualquer manifestação política estudantil, é outra conservação intacta do regime militar. Outro exemplo dessas heranças é o fato absurdo da universidade ter até hoje uma homenagem a Jarbas Passarinho, ministro que perseguiu estudantes e professores durante a ditadura.

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Outra aguda contradição deste código é que, excepcionalmente, nele os e as trabalhadoras terceirizadas são consideradas como parte da comunidade universitária. Porém, na realidade, a reitoria sempre se esquivou das responsabilidades com a manutenção dos direitos destas e destes trabalhadores. Todos terceirizados são parte da comunidade universitária e devem ser melhor remunerados, com benefícios e direitos na mesma medida que um trabalhador efetivo, não que sejam somente lembrados quando for para submetê-los às regras de conduta elaborada e aplicada por órgãos dos quais são excluídos.

Um outro debate que é indispensável sobre este código se localiza nas duras exigências de cumprimento dos prazos acadêmicos e excelência para estudantes e docentes. Para tal rigor de aplicação seria fundamental combater a corrente falta de infraestrutura da universidade em si que corresponda às necessidades de amparo psicossocial de uma parcela grande de estudantes, majoritariamente os mais pobres que não têm como pagar pelos serviços, para além de considerar a precarização do trabalho docente que ocorre em meio a salas lotadas, insuficiente contratação de professores, corte de investimentos e desamparo das instituições de fomento às pesquisas. Não é nenhuma novidade que ainda predominam prédios inacessíveis para estudantes com deficiência de locomoção nos institutos e um número ínfimo de professores intérpretes e tradutores de Libras, que viabilizem a inclusão de fato na universidade, entre outras problemáticas.

Sob essa breve análise é possível depreender que o caráter demagógico das condutas admitidas neste código tem profundas contradições que combinam medidas mais autoritárias, anti democráticas, uma moralidade cerceadora, com elementos de produtivismo acadêmico e uma séria de exigência discutidas por fora dos estudantes e trabalhadores, verdadeira maioria da universidade. O aumento do controle sobre o comportamento e conduta políticas beneficia tão somente os órgãos da burocracia acadêmica e todo esse aparato pode ser um meio “legal” para fortalecer seus poderes repressivos, ao contrário de abrir espaço para espaços mais democráticos e livres.

Por fim, para agravar o caráter punitivo e cerceador deste código, sua implementação justamente sob a égide do governo Bolsonaro o qualifica como dispositivo que promove o avanço do autoritarismo para dentro da universidade pública, que pode derivar em perseguições políticas e controle da organização dos estudantes e trabalhadores.

O regime estatutário da Unicamp, embora tenha sido superficialmente editado em 2019, é tão devedor da Ditadura Militar como é a Lei de Segurança Nacional que a polícia, junto com o poder judiciário, em jurisdições variadas, usaram para prender diversos militantes de esquerda, como é o caso de Rodrigo Pilha (PT-Ce) preso e torturado por dias, após estender a faixa “Bolsonaro Genocida”, entre outros casos. Há quem reivindique que a LSN tenha sido também suprimida pela edição feita pelo STF (que também usa medidas autoritárias, como vimos com o golpe institucional de 2016), no entanto, o cerne dela não foi alterado, isto é, continua sendo uma lei para combater todo tipo de levantamento popular, operário, estudantil “subversivo” e legitimar a repressão do regime.

É papel das entidades estudantis levarem à frente e aprofundar tal debate com a base estudantes e rechaçar por completo esse código de conduta e suas contradições. Apenas buscando fortalecer nossa auto organização e independência de instâncias anti democráticas, burocráticas, como é o caso do Consu, é que poderemos combater esse código e avançar com nossas demandas.

 
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