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TRIBUNA ABERTA
Comunidade Jacutinga em Porto Nacional – Tocantins sofre despejo em plena pandemia
Redação

Publicamos a nota de Fabiana Scoleso, sobre o despejo da Comunidade Jacutinga e a violação dos direitos humanos em plena pandemia. Fabiana é professora adjunta do curso de Relações Internacionais da UFT e coordenadora do Obseva-TO - Observatório dos Movimentos Sociais do Tocantins.

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Foto: MST Tocantins

O dia 18 de maio pode ser considerado pelos moradores da Comunidade Jacutinga um dia de horror e desespero. Vivendo há mais de 30 anos naquelas terras e em plena pandemia de COVID-19, as famílias receberam a visita de oficiais de justiça cumprindo ordem de despejo com forte aparato policial tanto da Polícia Civil quanto Militar, utilizando, inclusive, de helicóptero com o evidente intuito de amedrontar as moradoras e moradores. Chegaram também máquinas e rapidamente começaram a destruir as moradias e a escola da comunidade.

Santilene, Presidente da Associação de Moradores da Comunidade Jacutinga, em entrevista ao Observa-TO destacou,

“A Comunidade Jacutinga ela existe há quase 32 anos e o começo dela foi que a pessoa que é dona de lá na época ela colocou garimpeiros, pessoas para explorar o garimpo. E a partir daí, como ela não mora aqui em Porto, ela mora em Brasília, as terras ficaram lá praticamente largadas, 164 alqueires e ai essas pessoas continuaram lá né, no local, e ali eles foram construindo famílias e como estão hoje com filhos, né, netos e muitos ali até bisnetos já conseguiram, já tem ali né. E ai essa ordem de despejo veio né porque eles não quiseram a negociação, nunca tentaram fazer a negociação com nós (sic), nós tentamos, mas eles não quiseram acordo, então perdemos tudo, né. A questão de judicial agora veio pra tirar. Estamos saindo né, sem direito a nada. Tudo que construímos, casas, estão ali. Quanto a escola a escola foi feita é... foi criada pelos moradores de lá, na época foi através de casinha de palha mesmo, né, era uma salinha só, com a secretaria, mas era tudo muito simples e ai a prefeitura, na época foi Antoniel (sic), Antoniel Andrade (sic) que fundou essa escola. Nessa escola nós atendemos é, a escola atende as crianças da comunidade e crianças também vizinhas dessa comunidade, que se eu não me engano, se eu não me falhe são 6 comunidades aos redores, né (sic), que são os assentamentos e ali estudavam. E na escola também eles é... nós tínhamos atendimento do postinho de saúde né e alí nós tínhamos todo o respaldo social, a questão social ali, nós tínhamos o ensino né que é a educação, tínhamos a questão da saúde e também tínhamos energia elétrica, né, que é um órgão federal e temos também a questão das estradas né, que passa a TO 255 dentro dela, né, e as estradas também que nós tínhamos acesso que eram feitas pelo município e que tinham acesso a nossas casas. Então assim, é questão social nós tínhamos tudo, mas a gente fica triste porque nossos direitos foram violados, saímos sem direito a nada. Por que não há 32 anos não nos tiraram de lá, não deram assistência e tiraram logo esse povo logo de uma vez? Então deixaram criar seus filhos, fazer suas casas, tudo, pra hoje se acabar tudo em questão de minutos, né. Foi o que aconteceu lá. Então assim, é uma coisa a se pensar e lutar porque o ser humano precisa, principalmente o pobre, está sofrendo nesse país. Que esse país está sem lei. O país tá pra corruptos, os políticos, né, que os políticos roubando muito, eles fazem o que fazem e não tem justiça para eles, mas para nós que queremos só ter uma terrinha pra sobreviver, pra tirar nosso sustento estamos sofrendo.”

Em fevereiro de 2021 o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) indicou que ações de reintegração de posse agravariam riscos de contaminação pela COVID-19 em populações vulneráveise aprovou uma recomendação aos juízes para que analisassem com cautela ações de desocupação coletiva de imóveis urbanos e rurais, especialmente quando envolvem populações vulneráveis. Assim, os juízes deveriam respeitar as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que recomendou, também, a suspensão dos despejos como forma de evitar o agravamento da disseminação da covid-19. A decisão foi proferida em sessão extraordinária do conselho realizada no dia 23 de fevereiro deste ano.

Leandro Scalabrin, integrante do CNDH, ressaltou “que os presidentes dos tribunais de Justiça e dos tribunais regionais federais sensibilizem os magistrados para que não haja o cumprimento desses despejos durante a pandemia”.

O ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux, presidente do CNJ, também se manifestou afirmando que a “sensibilidade em relação às minorias vulneráveis” tem pautado a atuação do órgão e classificou como “flagelo” a situação das pessoas que não têm acesso à moradia digna.

Violação de Direitos Humanos

O Direito à moradia está assegurado pela Constituição Federal Brasileira de 1988 e é competência comum da União, dos estados e dos municípios. Conforme aponta o texto constitucional, cabe aos entes cabe “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico.
Durante a pandemia a ONU (Organização das Nações Unidas) também se posicionou construindo documento de orientação sobre o assunto. Na nota de orientação ao COVID-19 da RELATORIA ESPECIAL DA ONU PARA MORADIA ADEQUADA, a qual dispôs que a “HABITAÇÃO TORNOU-SE LINHA DE FRENTE DA DEFESA CONTRA O CORONAVÍRUS”, ressaltou que a moradia raramente esteve tão vinculada ao direito à vida das pessoas como no momento atual.

O documento da ONU ainda estabelece que os Estados devem cumprir suas obrigações internacionais em relação à defesa dos direitos humanos e, portanto, garantir que os residentes de assentamentos informais possam, de fato, “ficar em casa” e serem adequadamente protegidos contra o vírus que ameaça a vida. O relator especial Balakrishnan Rajagopal declarou que “a pandemia requer medidas de emergência, incluindo a moratória absoluta de todas as ordens de despejo no Brasil” e que “DESPEJAR AS PESSOAS DE SUAS CASAS NESSA SITUAÇÃO, INDEPENDENTEMENTE DOS STATUS LEGAL DE SUA MORADIA, É UMA VIOLAÇÃO DE SEUS DIREITOS HUMANOS”.

O que ocorreu na Comunidade Jacutinga assim como tem aconteceu em diversas partes do território nacional, é expressão da total rejeição aos direitos das pessoas mais vulneráveis agravada pela situação de crise sanitária que o Brasil vive nos últimos 14 meses. A truculência e a demolição da escola e das residências são provas de que a violência continua sendo a marca que está acima de qualquer lei, direitos e garantias. É expressão de que a população pobre do país não tem quem resguarde ou lhes assegure o mínimo de respeito e dignidade. Nem mesmo as recomendações vindas de órgãos competentes foram capazes de impedir tamanha atrocidade.

Embora os juízes tenham autonomia em decidir se realizam ou não a medida de despejo é evidente que o cenário e a situação de vulnerabilidade deveriam ser observados e preservados, especialmente porque homens, mulheres, idosos e idosas, crianças e adolescentes passam a estar em um nível de insegurança, incertezas e ainda mais vulneráveis ao vírus da COVID-19.
O Observatório dos Movimentos Sociais da UFT juntamente com outras entidades, órgãos e movimentos cobram os poderes públicos por meio da nota de solidariedade e repúdio ao despejo da Comunidade Jacutinga/Porto Nacional publicada no dia 19 de maio.

Somente no dia 3 de junho é que a ação movida pelo Psol que tem o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) como amicus curiae chegou ao STF e foi aceita pelo Ministro Luís Roberto Barroso suspendendo todos os despejos de famílias vulneráveis no Brasil durante a pandemia. Infelizmente a Comunidade Jacutinga e tantas outras não terão a oportunidade de se reestabelecer suas histórias onde moravam.

 
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