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CAFÉ COM BOULOS NA UNIFESP
Boulos na Unifesp: qual estratégia pode derrotar o bolsonarismo?
Mateus Castor
Cientista Social (USP), professor e estudante de História
Victoria Santello

É um fato, como afirmou Boulos durante sua fala, que “quem tem fome, não espera”. Neste momento, a mensagem que procurou passar foi de uma maior combatividade, de que não podemos esperar até as eleições de 2022, é preciso disputar 2021 para combater o bolsonarismo. Mas com quais ferramentas e quais meios combater?

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No dia 07, o Café com Boulos na Unifesp reuniu aproximadamente 800 pessoas, em sua maioria estudantes. Essa grande plateia pode ser vista como consequência das manifestações do dia 29 de maio, as maiores desde que eclodiu a pandemia e as mais de 470 mil mortes. Os estudantes da Unifesp, que correm o risco de ver sua universidade fechar as portas devido aos cortes orçamentários do governo, e a juventude em geral, que não vê perspectiva de vida agora ou no futuro regido pelo capitalismo em crise, demonstram um grande ímpeto de combate contra o governo Bolsonaro.

Nessa perspectiva, nós da Juventude Faísca consideramos que uma atividade de uma importante figura política da esquerda de São Paulo com centenas de estudantes e jovens, em meio ao processo de luta aberto no dia 29, deveria ter como objetivo aportar na organização da luta concreta, e os próximos passos que devemos tomar para combater Bolsonaro, como questiona o próprio tema da atividade.

Participe: Mesa Unifesp: Lições do Movimento Estudantil de Maio de 1968 para o pós 29M

“Disputar 2021” visando o Impeachment ou as eleições de 2022 não combaterá Bolsonaro

É um fato, como afirmou Boulos durante sua fala, que “quem tem fome, não espera”. Neste momento, a mensagem que procurou passar foi de uma maior combatividade, de que não podemos esperar até as eleições de 2022, é preciso disputar 2021 para combater o bolsonarismo. Mas com quais ferramentas e quais meios combater?

Bolsonaro, Mourão e os militares foram levados ao poder por aqueles que protagonizaram o impeachment de Dilma em 2016 e a prisão de Lula em 2018, atores do regime como o STF, o Congresso, a Lava Jato, Globo e companhia - os que hoje se colocam como liberais opositores ao governo e se dizem preocupados com a “democracia” - deram à luz a Bolsonaro. Qual o sentido, portanto, de apostar que o combate a Bolsonaro virá por um impeachment que deve ser aprovado por esta Câmara comandada pelo centrão, que, pior, levará Mourão no poder? O impeachment, da mesma forma que apostou na estratégia eleitoreira de Lula em 2022, mantém-se sob o domínio das instituições e poderes capitalistas que aplicaram e continuam a aplicar um programa político autoritário. Essas são as mesmas forças que controlam a CPI da Covid, que a utilizam para desgastar o governo visando 2022 e garantem um pacote de privatizações, como da Eletrobrás, dos Correios, ataques pelos quais os adversários se unem.

É preciso mobilizar-se agora para combater Bolsonaro. Mas as instituições podres deste regime desejam apenas continuar passando na carne dos estudantes, trabalhadores, indígenas, negros, mulheres e LGBTs, a conta da crise capitalista; estes golpistas não valem nenhum pingo de confiança e qualquer aproximação “tática” será cobrada em dobro no futuro. É necessário combater Bolsonaro visando sua derrota junto a todo regime do golpe e os militares que o sustentam, e só há um método para isso: a luta de classes que abra caminho a uma luta radicalizada e de ruptura com o capitalismo, para que não seja usada como massa de manobra eleitoral petista ou da CPI.

Até mesmo as pautas do momento, que se expressaram nas ruas no dia 29M, como o auxílio emergencial, a vacina para todos, o combate ao genocídio negro e indígena, acabar com o corte orçamentário nas federais, só serão conquistadas pela disputa, de fato, mas através da luta. Mas não através da disputa em abstrato da sociedade, onde no chamado “campo progressista” tudo é valido contra Bolsonaro, nessa mesma lógica vimos Boulos no segundo turno das eleições municipais de São Paulo chamar uma Frente Ampla que reuniu, além dos partidos da esquerda que já compunham a frente eleitoral de Boulos no primeiro turno (PSOL, UP, PCB), os seguintes partidos: PT, PCdoB, PDT, REDE e PSB. No evento, Boulos disse: "Nosso time recebeu um reforço sem tamanho, é outro time. Não é mais a campanha minha e da Erundina, do PSOL com a UP e o PCB. Hoje é um marco de que a gente inicia outra campanha, a campanha da frente democrática e por justiça social na cidade de São Paulo”.

Assim, Boulos rifou qualquer política de independência de classes da esquerda, se aliando com partidos como a Rede de Marina Silva, como o PSB de Márcio França que foram defensores do golpe institucional que colocou Temer na presidência, e da operação Lava-Jato, pivô do autoritarismo judicial conduzida pelo reacionário ex-ministro de Bolsonaro, o então juiz Sérgio Moro. Nos ataques que são frutos do golpe, como a reforma trabalhista, da previdência, a MP da morte de Bolsonaro, tanto Rede e PSB como PDT tiveram participação ativa, todos contando com parlamentares votando pela sua aprovação. Na campanha presidencial de 2018, a candidata do Itaú, Marina Silva, afirmou que a reforma da previdência seria prioridade se fosse eleita.

Nessa política de “frentes amplas” e “democráticas” Boulos e o PSOL não podem dar uma resposta independente que se coloque como alternativa a este regime e seu governo, que busque trazê-los ao chão, acabam assim primando pela via eleitoral, em 2022, para a satisfação deste regime político autoritário e ajustador. Contudo nessa lógica, vemos o próprio PSOL quando se torna governo, como em Belém, acabar sendo o próprio sujeito dos ataques. Estamos vendo Edmilson Rodrigues, que foi aclamado por todas as figuras do PSOL quando ganhou a prefeitura de Belém, tentar dar início a uma reforma da previdência municipal (assim como o falecido prefeito Bruno Covas do PSDB fez em São Paulo com a ajuda de João Doria). Em Belém, só foi barrado esse ataque devido a luta dos trabalhadores contra os ataques da prefeitura pesolista. Esse é o exemplo prático do que significa essa política que acha que é possível governar junto aos partidos “menos piores” do regime.

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Não será assim que o bolsonarismo será combatido, muito menos derrotado. Os militares não voltarão para as casernas de mãos abanando após uma hipotética vitória da “democracia”. Boulos chega a comentar que Bolsonaro fará todo o possível para questionar uma derrota e aumentará sua verborragia golpista. O sujeito central para combater Bolsonaro, Mourão e os militares é a juventude aliada à classe trabalhadora, os negros, indígenas, mulheres e LGBTs unificados. O caminho se dá através da luta, seja nas ruas, em greves, paralisações e ações coordenadas nacionalmente a partir da democracia de base das assembleias dos locais de trabalho e estudo.

O silêncio de Lula sobre o 29M é um tanto explicativo. Ele sabe que, se o movimento estiver controlado, será ele que conquistará capital político e, consequentemente, sua estratégia de perdão dos golpistas, de acordos com Sarney e FHC, além da preservação de todos os ataques que se iniciaram no golpe de 2016. É com este objetivo, de apostar pela via institucional - seja o impeachment ou as eleições de 2022 - que a CUT e a CTB articulam não a luta, mas a paralisia complacente com as privatizações, reformas e ataques, da mesma maneira que a UNE abafa as centenas de milhares de estudantes pelo Brasil.

O exemplo do povo colombiano que se revolta, a resistência heroica dos palestinos contra a ocupação de Israel, a batalha das trabalhadoras e LGBTs contra o golpe militar em Myanmar, as experiências do povo chileno que saíram às ruas contra seu regime e constituição pinochetista, a juventude norte-americana que foi às ruas contra a violência racial e o genocídio negro, estes são os exemplos que a Faísca defende como inspiração para combater o bolsonarismo e o regime golpista que o fez nascer.

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Qual política e qual estratégia pode combater e derrotar o bolsonarismo?

Para Boulos, o modelo de governabilidade de Lula, chamado de lulismo, entrou em crise irreversível. O golpe de 2016 foi um sintoma dessa crise irreversível. O “ganha ganha”, a conciliação de classes, portanto, não seria mais possível, e será necessário combater privilégios para que o povo não continue a pagar pela crise. Porém, seu recente histórico eleitoral e de seu partido entra em contradição com essa mesma afirmação, pois continuam a apostar na conciliação de classes, mesmo durante crise mais longa da história republicana.

Alguns pontos programáticos apresentados por Boulos, embora tenha dito não se tratar ainda de disputar 2022, pareciam já apresentar seu projeto de governo, talvez, pensando mais nas eleições para governador de SP e menos no fortalecimento das mobilizações no dia 19. Os pontos são, por exemplo, a revogação do teto de gastos e a taxação de fortunas, o primeiro essencial para o estado permanente de austeridade capitalista, o outro, um grande incômodo para os bilionários. As duas medidas não seriam conquistadas confiando na via institucional de chegada ao poder, que têm por consequência os mesmos métodos de conciliação aberta que vimos na sua campanha eleitoral em 2018.

Caso vitorioso, Boulos acabaria chegando no mesmo dilema que ele analisa em sua fala: "não tem espaço econômico para fazer políticas conciliatórias. Eu acredito nisso, parto desse diagnóstico". Em sua gestão da capital valeria mais o peso, então, das reuniões com os proprietários do comércio paulista e a carta de apoio de setores da Faria Lima? Olhando para experiências internacionais semelhantes às que Boulos propõe, o resultado foi claro. Na Espanha, o partido neoreformista, Podemos, com o qual o ex-candidato tem afinidade, acabou sendo parte da gestão do Estado Espanhol, junto do PS, foi conivente com a repressão contra o povo catalão e têm responsabilidade da gestão da pandemia que preservou os lucros e custou milhares de vidas dos trabalhadores. Da mesma maneira, na Grécia, o partido Syriza que foi eleito com um discurso anti neoliberal, acabou por se sujeitar ao programa da Troika e descarregou a crise nas costas da classe trabalhadora.

Portanto, apresentar um “projeto” que dispute a classe trabalhadora e a juventude, os oprimidos em seu conjunto, parece estar distante dos caminhos recentes adotados por Boulos e o PSOL. Acabar com o latifúndio e o império dos donos de terra no Brasil que realizam invasões e genocídios em territórios indígenas, garantir renda e salário digno para a classe trabalhadora brasileira para reverter a reprimarização econômica, somente nos confrontando contra Bolsonaro, Mourão, os militares e o conjunto deste regime político golpista. A unidade é mais do que necessária para combater o bolsonarismo, mas é a unidade da juventude e da classe trabalhadora, que tanto a CUT e a CTB quanto a UNE fazem o possível para não concretizar, não unidades entre lideranças para alianças eleitorais.

A Faísca defende que a partir do potencial expresso no dia 29M seja organizada uma paralisação nacional, articulada pelas entidades estudantis, sindicatos e suas centrais. Unificando o conjunto dos explorados e oprimidos para de fato não esperar ou alimentar o eleitoralismo. As direções da CUT, CTB e UNE deveriam construir assembleias nos locais de trabalho e estudo, e uma coordenação nacional com delegados eleitos, para pensar os próximos passos para os próximos dias de luta. É chamativo Boulos não falar sobre os passos concretos para construir essa luta.

Boulos coloca questões importantes, como a extrema desigualdade social e o domínio dos bancos, mas não apresenta a estratégia que pode derrotar Bolsonaro, Mourão e todos os golpistas, uma batalha de classe, e não de uma abstrata sociedade e valores, mas sim pela hegemonia da classe trabalhadora e sua completa independência política da classe dominante e suas instituições de dominação, destruindo o capitalismo através de uma revolução.

 
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