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DÍVIDA GRÉCIA
Estará a Grécia alinhando-se com o Oriente na crise mundial?
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy

Nas últimas semanas aumentaram os desencontros e tensões entre os credores e a Grécia ao redor das reformas que o governo do primeiro ministro Alexis Tsipras deve levar adiante em troca de financiamento.

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A Grécia necessita desesperadamente de dinheiro para fazer frente às suas dívidas. Teve grandes dificuldades em pagar os salários do funcionalismo público e as pensões depois de devolver uma parcela de 1.4 bilhões de euros que devia ao FMI em março. Em 9 de abril termina o prazo para que os gregos devolvam mais 450 milhões de euros ao FMI. A devolução de outros 700 milhões de euros a serem pagos a investidores estrangeiros até 14 de abril deixaria os cofres do governo sem fundos para pagar salários e pensões neste mês segundo o Banco Central grego.

Nem mesmo toda a moderação no discurso do governo do Syriza, que o levou a se afastar profundamente de suas promessas eleitorais nas sucessivas listas de reformas propostas na economia grega para apaziguar a União Europeia, convenceu a Alemanha a permitir o desembolso do restante do programa de "resgate" de 7.2 bilhões de euros.

Diante da impossibilidade em assegurar qualquer tipo de acordo com os países da Europa ocidental, que causasse alguma fissura entre os governos europeus e sua conduta para com a Grécia, a busca por novas fontes de apoio financeiro obrigou o Syriza a olhar para o Oriente.

Rússia e China: "giro para o oriente", ou apenas uma carta para negociação?

Não é casual que a primeira visita oficial de Tsipras ao Kremlin seja na semana em que termina o prazo de pagamento ao FMI. Primeiramente, Tsipras está interessado em objetivos comerciais: pretende discutir a possibilidade de suspender o veto russo à exportação de frutas europeias (que afeta os exportadores gregos) como parte da retaliação de Putin às sanções ocidentais. Mas é outra coisa que desperta o alarme de Berlim: é a aproximação diplomática entre Grécia e Rússia como resultado da busca por novas fontes de financiamento, o que se configuraria no maior realinhamento estratégico da Grécia desde que o Plano Marshall dos Estados Unidos em 1947 separou Atenas da influência soviética.

Não é o primeiro sinal favorável à Rússia enviado por Atenas. Panagiotis Lafazanis, ministro da Energia do Syriza, visitou Moscou em março, onde se reuniu com executivos da Gazprom convidando empresas russas a investir na exploração de petróleo e gás no mar grego (além de iniciar as discussões sobre o "Canal Turco", um gasoduto russo que entraria na Europa através da Grécia, e não da Ucrânia). Na semana passada, Tsipras contou à agência russa Itar-Tass que as sanções europeias à Rússia "não levam a lugar algum" (que Nikos Kotzias, ministro de Relações Exteriores grego, defendeu abertamente na reunião do Eurogrupo) e que uma nova rede de segurança na Europa "deve incluir a Rússia".

A esperança do Syriza está fundada no auxílio que a Rússia prestou ao Chipre em 2013, com um empréstimo de 2.5 bilhões de euros durante os piores momentos de sua crise financeira.

Diversos analistas, entretanto, acreditam que a Rússia não poderia financiar a Grécia no montante que necessita, já que a escala dos problemas do Chipre não se compara com o rombo econômico grego (que já recebeu 172 bilhões de euros do segundo resgate). "Os gregos utilizam a Rússia para irritar Berlim, mas não tem intenção de converter a Grécia em um satélite russo," diz Theocharis Grigoriadis, especialista em relações Grécia-Rússia na Universidade de Berlim. "E os russos sabem disso," conclui.

De todo modo, a sinalização clara de que o Syriza não apoia a política alemã contra a Rússia na guerra da Ucrânia e as declarações sobre um "novo capítulo" nas relações entre a Grécia e a Rússia baseadas na construção de um novo gasoduto (do qual depende a economia alemã para obter gás e petróleo da Rússia) e a "notificação" da dívida por reparações de guerra durante a ocupação nazista azeda profundamente as relações entre Atenas e Berlim.

A sombra chinesa sobre as ilhas helênicas

Mas não só de russos vivem as ameaças do Syriza: a China também é um grande investidor potencial. As preocupações do governo de Pequim frente às declarações do Syriza de que revisaria as privatizações (inclusive a do maior porto do país, o Pireu, cuja terça parte pertence à empresa chinesa Cosco desde 2009) foram tranquilizadas depois da última lista de reformas proposta: a privatização de 14 aeroportos regionais, e a garantia das ações da Cosco, abrindo a possibilidade de que assuma o controle total do porto. Diante desta "segurança", Pequim respondeu favoravelmente, investindo 100 milhões de euros em títulos gregos e se dispondo a debater a compra do Pireu.

Embora não seja uma quantia demasiado alta, significa um gesto de boas relações com a Grécia, desde que esta mantenha a decisão de vender-se à China. O êxito do lançamento do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura por parte da China, que busca ser alternativa às fontes de financiamento tradicionalmente controladas pelos Estados Unidos como o FMI, também deixam abertas as possibilidades de aproximações diplomáticas entre Atenas e Pequim.

Manobras entre estados e luta de classes

Estas manobras diplomáticas de Tsipras, que se servem dos receios europeus para conseguir eventualmente melhores condições de negociação da dívida, não eliminam o problema fundamental: o governo do Syriza aceitou pagar a totalidade da dívida grega, que enriqueceu banqueiros gregos e europeus, sob as ordens da Alemanha. Nem as melhores recordações do "auxílio prestado" pela Rússia czarista à Grécia contra o Império Otomano no século XIX, ou a proximidade entre a burocracia stalinista e o governo do PASOK nos anos 80 contra a ofensiva da OTAN, convertem hoje a Rússia de Putin num aliado com condições financeiras suficientes para sustentar a dívida grega e substituir a Alemanha como "negociador-chefe" de sua permanência no euro e na UE.

A possibilidade de um calote da dívida afasta tanto a Rússia como a China de arriscar grandes somas de dinheiro na Grécia, sem entretanto impedir que deem mostras de apoio. Definitivamente, nem mesmo o Syriza se coloca numa situação de afastamento substancial da influência de Berlim e da OTAN (Tsipras modificou a data de sua visita a Moscou para que não coincidisse com a comemoração da vitória russa na Segunda Guerra Mundial). Isto não significa que as duas potências orientais não tratarão de tirar vantagens das contradições entre os estados europeus (particularmente a Rússia, cuja economia está debilitada pelas sanções impostas por Berlim).

Para além de como continuem as negociações com a Rússia e a China, é um fato que a crise da zona do euro e a questão grega abrem o jogo para a ação de novos atores mundiais, com consequências imprevisíveis a longo prazo, inclusive a saída da Grécia da eurozona por um “acidente de negociações”.

Esta possibilidade, contra a qual alguns analistas da burguesia como Martin Wolf alertam, modificaria grandemente o tabuleiro geopolítico da região (no mesmo momento em que ocorre uma mudança semelhante no Oriente Médio), provando como a crise capitalista mundial em curso modifica lentamente a ordem do pós-Guerra Fria. Ainda que a maioria da juventude e dos trabalhadores depositem confiança nas saídas reformistas propostas pelo Syriza, é evidente que Tsipras sente muito mais afinidade por regimes reacionários como o de Pequim e de Moscou do que por apoiar-se nas manifestações de massas pela anulação da dívida grega e por medidas que ataquem os direitos de propriedade de banqueiros e grandes empresários. Desde já, é necessário fortalecer uma perspectiva anticapitalista e da classe trabalhadora para que a estratégia de conciliação de classes do Syriza não fortaleça a direita no país.

 
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