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LSN 2.0
PL 6764/02 aprovado na Câmara não revoga, mas sim atualiza a Lei de Segurança Nacional
Mateus Castor
Cientista Social (USP), professor e estudante de História

Não é por acaso que nas semanas de abril, período mais grave da crise sanitária brasileira até então, a Câmara dos Deputados tenha aprovado o requerimento de urgência da “Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito”. Seu objetivo é ser a nova geração de uma árvore genealógica da Lei de Segurança Nacional, cuja raiz se finca no golpe militar em 1964.

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Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O nome mudou, já o conteúdo, nem um pouco. Na última terça-feira (04),a atualização da LSN foi aprovada, com votos do PT, PCdoB e apoio também de figuras como Freixo. Não podemos deixar de notar que sua aprovação se deu, também, em um contexto bem específico: o temor compartilhado na classe dominante brasileira que a explosão da luta de classes na Colômbia, contra o presidente Duque e a repressão policial, chegue ao país. Talvez por isso a extrema pressa e a votação sob regime de urgência, que legitima o pisoteamento das próprias regras do processo legislativo da casa, tornando-a ainda mais antipopular, como denunciaram diversas organizações sociais.

Lira cinicamente comemora a decisão parlamentar que, caso saia vitoriosa no Senado, será uma LSN a là regime do golpe de 2016, também decidiu, no mesmo dia, extinguir a comissão da reforma tributária, motivo pelo qual, na Colômbia, levou as massas às ruas contra o governo. Lira não é estupido, planeja atrasar um pouco uma reforma que no país vizinho fez explodir a raiva em revolta. Mas, na mesma medida, busca preparar a repressão com maior coesão estatal, com ares renovados, sem as intrigas e pancadas entre os próprios golpistas que usaram a LSN um contra o outro.

A situação é semelhante à quando, diante de um desgaste da imagem ou por desatualização, empresas decidem mudar seu nome ou logo, mas o produto se mantém exatamente o mesmo. A oligarquia golpista, que infesta o parlamento baixo, procura preservar na Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito os principais pontos da progenitora LSN: crime de “Abolição violenta do Estado Democrático de Direito”, com redação similar aos artigos 15 e 19 da LSN; “Espionagem”, que reedita o artigo 13 da atual lei; os “crimes contra honra” e os “crimes de opinião”, presentes nos artigos 22, 23 e 26; o crime de “Sabotagem”, similar aos artigos 15 e 19 da Lei de Segurança Nacional e também de "Insurreição" e "Conspiração".

Portanto, a arbitrariedade e autoritarismo da nova versão preservam os objetivos centrais de repressão, silenciamento e perseguição a quem se opõe ao regime do golpe, contidos na antiga lei.

A velha e a nova lei: uma continuidade do caráter histórico autoritário e repressivo do Estado

Decretada pelo último ditador militar, João Batista Figueiredo, em 1983, a LSN foi mantida pela transição democrática “lenta, gradual e segura”, e em 1988, sob tutela dos militares, foi integrada à Constituição. Portanto, a PL aprovada pela Câmara mantém o fio de continuidade de uma série de decretos ditatoriais impostos pelo golpe imperialista e empresarial, liderado pelos militares em 64, cuja última versão foi decretada por Figueiredo.

A Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito seria, então, a quinta geração de leis deste tipo. A primeira foi decretada pelos militares em 1967, depois 1969, 1978, 1983 e agora, pela primeira vez, mudaria de nome. A LSN se inspirou especialmente na noção de “segurança nacional” desenvolvida pelo Estado norte-americano, e adaptada pelos militares em toda América Latina para perseguir opositores internos dos regimes, no contexto da Guerra Fria. Todas suas versões, em nome da “constitucionalidade” da Ditadura Militar, tinham por objetivo a perseguição e repressão de opositores do regime, em especial de organizações sociais, movimentos por terra, a classe trabalhadora e a esquerda.

A PL 6764/2002 encaminhada para o Senado preserva este legado histórico. Ela depende da interpretação “pessoal” do juiz, seus artigos sobre “honra” e “opinião” abrem toda e qualquer possível leitura sobre o que são crimes do tipo. Mas não só:

"apoderar-se ou exercer o controle, total ou parcialmente, definitiva ou temporariamente, de meios de comunicação ao público ou de transporte, portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, instalações públicas ou estabelecimentos destinados ao abastecimento de água, luz, combustíveis ou alimentos;", agora é considerado terrorismo.

No caso de uma hipotética greve geral de massas pela revogação das reformas da previdência, trabalhista, e por vacina para todos, que paralise a produção nacional, não há mínima dúvida que a proposta da Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito servirá ao regime do golpe para reprimir, perseguir e adotar o terror contra a revolta social dos explorados e oprimidos, que estão acumulando ódio e indignação por anos a fio.

Não há como, através de uma simples canetada de Arthur Lira, desfazer os métodos autoritários que dão base ao novo pacto social de forças foi imposto pelo golpe em 2016. No contexto de ebulição e articulação das forças golpistas, entre 2015 e o ano seguinte, ocorreram 20 inquéritos com base na LSN. Com Bolsonaro no poder, entre 2019 e 2020, ocorreu um salto para 77 inquéritos, já os procedimentos abertos pela Polícia Federal para, supostamente, apurar crimes contra a “segurança nacional” aumentaram 285%.

Seja a disputas entre os autores do regime, como em janeiro quando o STF recorreu à lei para prender o deputado bolsonarista Daniel Silveira, ou no ano anterior, quando o ex-ministro da Justiça Azevedo e Silva acionou a mesma lei contra Gilmar Mendes; seja nas perseguições bolsonaristas contra o estudante de Uberlândia, o youtuber e empresário Felipe Neto, Boulos, Sônia Guajajara e Pilha e outrs que criticaram o governo e o chamaram de genocida; a proposta Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito não servirá como ferramenta de dominação de classes pelo novo regime, que têm o autoritarismo e arbitrariedade em sua essência.

Possíveis descontinuidades entre a nova e a velha lei

Contudo, há possíveis diferenças devido à nova correlação de forças entre os atores do regime. A nova lei mantém toda a atenção em torno da “segurança nacional", mas agora, como a própria nomenclatura indica, as ferramentas de repressão jurídica ganham destaque, com as ferramentas de repressão militar menos evidentes. A proposta, não por acaso, foi produzida em condições diferentes do regime militar, estamos no regime do golpe institucional.

Foi o bonapartismo judiciário que cumpriu um papel central na transição do regime de 88 para o atual, com o Impeachment de Dilma, a prisão de Lula e medidas de manipulação eleitoral em 2018 e toda a Lava-Jato, processos que trouxeram consigo a imposição do programa econômico que já vemos hoje os resultados.

A proposta foca na “proteção do Estado Democrático de Direito” - nada mais hipócrita - e menos para a “segurança nacional”, consequentemente uma valorização do peso autoritário do judiciário e menos para o peso autoritário das Forças Armadas, que na LSN detém um maior protagonismo. Há também a incorporação do crime de "Golpe de Estado" de funcionários públicos e militares, além da adesão demagógica sobre crimes contra a cidadania.

Se os decretos de 64 e adiante serviram para massacrar as Ligas Camponesas que colocavam em perigo a propriedade latifundiárias dos descentes dos escravagistas, assim como perseguir e assassinar o movimento operário e a esquerda, a PL 6764/2002 atual busca preparar e atualizar as ferramentas e condições de repressão estatal. Os motivos de preocupação, do ponto de vista internacional, não faltam, como provam os fenômenos de luta de classes aguda nos últimos anos pelo mundo todo e, agora, na Colômbia.

A classe dominante teme a revolta dos explorados, porque tem toda consciência de que esse é o meio pelo qual o seu poder é mais ameaçado. Por esse motivo, busca preparar mecanismos de contenção e repressão. Contra este regime podre e suas atualizações de leis ditatoriais, a explosão da luta de classes é a saída, que tanto o regime quanto os capitalistas temem.

Ao contrário do que PT e PCdoB fizeram, ao votar pela nova versão da LSN junto aos golpistas, um claro aceno de sua submissão ao regime golpista, é necessário a mais ampla unidade entre explorados e oprimidos em torno de um plano anticapitalista de combate à crise econômica e sanitária, de forma independente dos capitalistas. É preciso fazer o pesadelo de Arthur Lira, Bolsonaro, Doria, STF e afins se tornar realidade, através de uma poderosa mobilização e demonstração de forças nas ruas e locais de trabalho, é possível revogar a LSN em seu conjunto e impedir que novas versões surjam, da mesma maneira que enterrar todos os resquícios da ditadura militar.

 
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