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POLÊMICA
Notas para uma polêmica com o PSTU na atual conjuntura
Edison Urbano
São Paulo

Não é difícil encontrar, nos sites e jornais governistas e de seus satélites (CartaMaior, etc, PCO, etc), a acusação ao PSTU de que "faz o jogo da direita", pelo simples fato de criticar e combater o governo Dilma. Essa posição é a armadilha que viemos denunciando no Esquerda Diário, e por isso não perderemos tempo com ela aqui. A questão decisiva é entender como a política do PSTU, apesar das boas intenções, reais ou supostas, termina sendo errática, ou de ziguezagues, pela falta de uma estratégia independente.

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Vivemos uma situação nacional marcada pela polarização política entre o impeachment e o “Fica Dilma”, com o PT administrando sua crise e atacando os trabalhadores, e em meio de uma resistência difusa mas bastante ampla a esses ataques (como podemos ver na vitória recente dos secundaristas contra Alckmin; ou na força da greve dos petroleiros, etc). Por mais complexo que seja o quadro, fica claro que existe objetivamente um espaço novo para que uma alternativa de esquerda, classista e revolucionária, possa ganhar peso de massas. No entanto, vemos que a esquerda aparece ainda muito debilmente. O partido de maior visibilidade nesse espectro, o PSOL, renunciou a toda política independente, considerando mais confortável o calor de sob as asas do petismo, assumindo agora inclusive a defesa direta do governo contra o suposto “golpe”, como criticamos em diversos artigos.

Cabe então uma análise mais detida da política daquele outro partido que, com o mérito relativo de ter se separado do PT já nos anos 90 (ainda que não em momento mais favorável, durante o próprio ascenso dos 1980), foi durante anos uma pequena alternativa à esquerda do PT, e hoje existe praticamente apenas como corrente do movimento sindical e, com menos peso, no movimento estudantil. Estamos nos referindo, é claro, ao PSTU.

O PSTU "flerta" ou não com a oposição de direita?

Não é difícil encontrar, nos sites e jornais governistas e de seus satélites (CartaMaior, etc, PCO, etc), a acusação ao PSTU de que "faz o jogo da direita", pelo simples fato de criticar e combater o governo Dilma.

Essa posição, pra lá de interessada, é a armadilha que viemos denunciando insistentemente no Esquerda Diário, e por isso não perderemos tempo com ela aqui. Basta dizer que todo esse arco político tenta desarmar a luta contra os ajustes, sob o pretexto de que a prioridade seria “combater o golpe”.

A questão decisiva, para já adiantar o ponto central, é entender como a política do PSTU, apesar das boas intenções, reais ou supostas, termina sendo errática, ou de ziguezagues, pela falta de uma estratégia independente. Em suas oscilações, o partido ora se adapta ao campo governista, pela via da pressão sindical da CUT e CTB (eventualmente de outros burocratas, tipo Força Sindical, CGTB, UGT); ora se adapta, no plano diretamente político, ao "campo" da oposição burguesa de direita.

Sobre a tendência de adaptação do PSTU à burocracia sindical, especialmente da CUT (mas não apenas), já temos debatido em distintos momentos.

Também viemos insistindo em que o PSTU vem perdendo sistematicamente todas as oportunidades para criar um verdadeiro polo independente em meio à polarização política. Recentemente, na última reunião da coordenação nacional da CSP-Conlutas do ano, em SP, isso se confirmou mais uma vez. No debate mais de fundo realizado, sobre a terceirização, o PSTU usou seu peso dirigente para impor uma solução que significa "deixar tudo como está": dialogou com as propostas do MRT e do Sintusp, que levantaram a defesa da efetivação imediata dos terceirizados como programa geral da Central, mas defendeu e fez aprovar o encaminhamento de que a CSP não tenha um programa único sobre a questão, a pretexto de que cada categoria (cada direção sindical) imponha sua própria "tradição" (ver aqui). Já no plano de lutas, se recusou a aprovar uma campanha efetiva, que pudesse significar um "plano de guerra" para lutar contra as demissões na GM de São José dos Campos, o que poderia ser um exemplo para o conjunto do setor metalúrgico, um dos mais afetados pela crise e pelos ataques patronais. Os exemplos, infelizmente, abundam, mas precisam ficar aqui reduzidos para não perder o foco da presente discussão. (Um último exemplo recente que não poderia deixar de ser mencionado é a impotência total do partido frente ao desastre ambiental e social de Mariana/MG, região o PSTU tem peso de direção sindical, como debatemos aqui).

Voltando ao tema: o mais chocante, para uma parcela significativa da vanguarda de trabalhadores, é a confluência do "radical" PSTU com os conservadores "batedores de panela" da classe média paulistana. Isso, que é expressão da tendência mais estratégica de adaptação ao campo da oposição burguesa de direita, merece nossa atenção.

O fenômeno se deve não a qualquer afinidade política, programática, ou de qualquer outro tipo entre o PSTU e os partidos dessa oposição burguesa (PSDB, DEM, partes do PMDB, PPS, etc). Deve-se, isso sim, à combinação entre as insuficiências e equívocos graves de suas formulações teóricas e estratégicas (o "morenismo"), e a pressão objetiva da dinâmica de classes da atual situação nacional, na etapa aberta após junho de 2013.

É preciso ver como o "vazio político" do sindicalismo morenista acaba sendo preenchido de conteúdo. ("A natureza tem horror ao vácuo", dizia o filósofo grego... e a política nem sequer o conhece, diz a sabedoria popular).

Por isso devemos dizer aqui, com todas as letras: o PSTU como partido vem se caracterizando, na atual situação, pela mescla entre o abstencionismo político, e o flerte com a ideia de que "todas as armas contra o PT são boas". A expressão mais profunda disso é a política atual do partido, de defender “Fora Todos e Eleições Já” (ver a crítica completa aqui)

Essa política não caiu do céu; pelo contrário, vem sendo “preparada” por diversas manifestações públicas do partido. Para citar as principais: num intervalo de poucos meses, vimos o aplauso de Zé Maria (na sua página oficial nas redes sociais) aos panelaços da classe média contra Dilma, em agosto. Na sequência, a aproximação com a CGTB e o PPL para tentar costurar uma ação conjunta contra o governo (que já tinha o antecedente do flerte com a burocracia da Força Sindical em 2014); depois, o discurso pela derrubada de Dilma, feito por Zé Maria no ato do dia 18 de setembro em SP; e em seguida, o discurso de Atenágoras na última plenária nacional da CSP-Conlutas, quando chegou a defender a “interrupção do mandato” de Dilma (uma fórmula cujo teor de adaptação aos mecanismos do regime burguês é eloquente por si só).

Agora, a defesa aberta de “Fora todos eles! Eleições já!”, política que se explicita ainda mais quando o partido diz que “enquanto construímos na luta uma alternativa dos trabalhadores, exigimos eleições gerais já para presidente, deputados, senadores, governadores e prefeitos." (ver aqui).

De conjunto, a política do PSTU cede terreno para a oposição burguesa (e as camadas sociais que a apoiam) como potencial ganhador da crise do governo petista.

O problema está aqui em que, em política, e isso deveria estar especialmente claro para os marxistas, as tarefas práticas, as tarefas políticas, não podem estar separadas dos sujeitos que as levam adiante. Se as raízes teóricas dos desvios cometidos por esse partido podem ser desconhecidas de muitos, em contrapartida a conclusão prática delas é bastante acessível para quem tiver olhos para ver.

Ao levantar a tarefa, de maneira certamente inconsequente, mas nem por isso menos concreta, de "derrubar" Dilma (ou "interromper seu mandato", na linguagem escancaradamente oportunista do dirigente sindical já citado) sem que haja uma clara mobilização de trabalhadores nesse sentido, o PSTU deixa aberto o caminho para que a insatisfação popular com o governo petista seja respondida por aqueles atores políticos que estão de fato em cena, os políticos demagógicos da burguesia brasileira. Esse problema parece estar resolvido, no raciocínio da direção do partido, com o mero adendo de que "somos também contra Cunha e Aécio, contra PMDB e PSDB", assim como somos contra Dilma e o PT.
Mas a coisa não é assim tão fácil: pois quem governa é Dilma. Sua “derrubada”, para usar a fraseologia radical de Zé Maria, pode se dar tanto de maneira revolucionária, como também através de uma manobra burguesa para recuperar o timão do Estado, responsabilizando o PT por todas as desgraças do capitalismo brasileiro. Para a primeira solução, revolucionária e progressista, a questão do sujeito, de quem faz, de como faz, do que põe no lugar, está em primeiríssimo plano. Durante meses, vimos com preocupação as frases sobre a "interrupção do mandato", etc, que já deixavam claro que a hipótese estratégica oculta no discurso do PSTU é justamente a segunda. A política atual de “eleições gerais” apenas leva a tendência até o final. Mas de onde vem semelhante aberração política?

Raízes teóricas

O PSTU é herdeiro de uma tradição teórica que se formou no período após a segunda guerra mundial, quando parecia que o mundo ia pouco a pouco se pintando de vermelho, e que as vitórias revolucionárias iriam se acumulando até o verdadeiro socialismo em todo o globo.

Segundo essa tradição, que nós não casualmente chamamos de objetivismo, segundo ela o processo de transição entre o capitalismo e o socialismo, ou mais precisamente, o processo que conduz à derrubada do capitalismo e início daquela transição seria um processo puramente “objetivo”, ou melhor, que ele poderia ser realizado por “qualquer sujeito”. A grande visão marxista do processo histórico, em que a humanidade constrói sua história sem plena consciência de onde está se encaminhando, que serve para explicar a história da humanidade até os dias de hoje, é extrapolada para um novo momento histórico em que o papel do fator consciente adquiriu uma preponderância inédita. Assim, o morenismo viu o processo do pós-guerra, em particular as revoluções na China e em Cuba, como outras tantas expressões de que a revolução socialista já não dependia da ação consciente do proletariado, do seu partido revolucionário de vanguarda, dos seus organismos de autodeterminação, como os conselhos operários ou sovietes. Essa visão levou ao cúmulo de ver como “vitórias” os processos nos anos 1980 que levaram ao fim da URSS e à restauração capitalista no Leste europeu.

Agora, segundo essa visão “otimista, demasiado otimista”, a questão era aceitar os processos reais tais como se davam, com as direções que tinham, com os obstáculos e mutilações que traziam consigo, e tentar de alguma forma participar do processo. Dito de outra forma, é como se os marxistas, e com eles a classe operária, tivessem que aceitar a ideia de que para poder participar da história seria preciso abrir mão de tentar cumprir nela um papel protagonista. Essa não é nem de longe a aposta do marxismo revolucionário clássico, da tradição de Marx, Lenin ou Trotski, entre tantos outros.

E toda essa velha história, que poderia ter sido deixada para trás, se não antes ao menos depois da queda da União Soviética e de seus estados satélites, se ao menos nossos morenistas tivessem menos apego a seu próprio prestígio e a seus próprios erros teóricos transformados em peculiar “tradição”. Tradição essa que não é, nem de longe, inteiramente coerente, já que o traço fundamental da relação do PSTU com a teoria é o ecletismo teórico, ou seja, a capacidade de amalgamar concepções diversas sem coerência interna, tema que já renderia todo um outro debate. Mas para os fins desse debate, vale reter a ideia: todo aquele balanço equivocado das revoluções do pós-guerra, ainda existe enquanto concepção, vale dizer: enquanto modo de atuação prática, como equivalente ou substituto daquilo que deveria ser uma estratégia revolucionária marxista.

Isso significa dizer que os erros políticos cometidos pelo PSTU na atual situação não são apenas capitulações momentâneas e relativamente inofensivas diante de uma situação complexa e de difícil resposta. Se fosse isso, uma correção de rumo seria de se esperar mais cedo do que tarde, e o panorama para todos aqueles que compartilham da urgência da necessidade de construir uma alternativa de fato à esquerda diante da crise do PT, vale dizer: uma alternativa classista e revolucionária, ancorada no poder social dos trabalhadores, esse panorama seria muito mais auspicioso. Porém não podemos ser tão otimistas.

Conclusão

O fato de que o problema político atual deite raízes em concepções tão arraigadas faz necessário e obrigatório o trabalho implacável da crítica. Não existe processo histórico sem sujeito, a despeito dos que pretenderam afirmar o contrário, como Louis Althusser e todos os seus amigos dentro e fora dos muros acadêmicos. Não existe atalho nenhum, e cada passo à frente que não esteja solidamente ancorado estará seguido, como esteve e a história já demonstrou à saciedade, de uma vacilação, um tropeço e, não raramente, de dois passos atrás. Essa é a lição final dos processos de restauração capitalista, na Rússia e na China, com ou sem a queda precedente do regime de partido único dos assim chamados “Partidos Comunistas”.

Voltando ao Brasil, e para terminar, lutar para derrubar o governo do PT, ou melhor dizendo: qualquer governo capitalista de plantão, com a força social dos trabalhadores, arrastando atrás de si as grandes massas da população oprimida e explorada, é a tarefa imediata de todo revolucionário. Preparar as condições para isso desde já é o corolário de aceitar essa tarefa, mesmo sem qualquer garantia de qual será o resultado desse processo, nem dizer qualquer garantia de que possa desembocar numa transição socialista bem sucedida no Brasil e em nível internacional.

Mas propagandear e agitar a ideia dessa derrubada como tarefa concreta imediata por outros sujeitos políticos que não o proletariado, numa situação em que já não se trata da “ausência de garantias” de sucesso, mas sim da certeza de que os beneficiários serão nossos inimigos de classe, isso é mostra apenas de um “objetivismo” teórico sem qualquer substrato real, e da impotência política posta em ação.

O PSTU não tem uma política independente de ambos os bandos burgueses, encabeçados de um lado pelo PT-PMDB, de outro pelo PSDB-PMDB. Quando não se adapta à burocracia cutista, como ocorreu em sua participação acrítica nas "jornadas de mobilização" convocadas pela CUT em março e abril deste ano; defende a insólita "derrubada" de Dilma, que sem um movimento de massas capaz de superá-la pela esquerda tem como consequência favorecer os tucanos. Essa polêmica só parecerá “forçada” para aqueles leitores que não puderam acompanhar (ou cuja “memória seletiva” fez questão de esquecer) da política que o PSTU defendeu internacionalmente nos últimos anos: junto aos “esquálidos” contra o governo Chávez na Venezuela; no primeiro momento com o "Campo" contra Cristina Kirchner na crise de 2008 na Argentina; ou no apoio acrítico a setores burgueses durante a Primavera Árabe, com o cúmulo do apoio à ditadura militar em seu golpe contra a Irmandade Muçulmana no Egito.

Em comparação com a trajetória construída pela FIT na Argentina, especialmente pelo PTS que tem se tornado seu principal partido, o PSTU (e tampouco o PSOL, mas com esse a discussão é outra) não coloca, nem busca colocar, sua força partidária a serviço de cercar de solidariedade e fortalecer, não em palavras, mas com toda sua força material, as lutas de resistência que os trabalhadores e a juventude estão travando contra os ajustes.

Por isso, mesmo as melhores iniciativas do partido, como a organização da marcha do dia 18/9 em SP, terminam não se revertendo em força material na luta de classes concreta.

Os trabalhadores brasileiros têm a missão histórica de ir além dessa política, e confiar em suas próprias forças para construir uma alternativa de fato revolucionária, à altura das tarefas que a história lhes reservou.

 
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