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OPINIÃO
As contradições na geopolítica da vacina norte-americana
Gabriel Girão

Os EUA despontam como o país como país com mais vacinados do mundo e veem seus números em queda. Enquanto isso, o resto da América Latina vem batendo recordes sucessivos. Quais as contradições da geopolítica americana da vacina?

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Com mais de 175 milhões de doses aplicadas, os EUA despontam como o país do mundo que mais vacinou. Chegaram o extremo de aplicar 4 milhões de dose em um dia só. O presidente Biden esbanja otimismo e coloca que pretende vacinar todos os adultos até maio. Enquanto isso, países na vizinha América Latina como Argentina, Chile e Brasil vem batendo recordes de casos e mortes.

Essa situação não vem à toa. Os EUA, assim como outras grandes potências imperialistas europeias, que fracassaram miseravelmente no combate à pandemia e figuram no topo dos índices de mortos por habitante, fizeram de tudo para contratar o máximo possível de doses. Chegam até mesmo a armazenar milhões de doses da vacina Oxford/Astrazeneca, que não está aprovada para uso no país ainda. No entanto, no contexto da escassez global de vacinas, essa política nacionalista dos EUA significa limitar brutalmente o acesso de doses a outros países, principalmente subdesenvolvidos.

Ver também:Da onde vem a escassez de vacinas?

Tal estratégia é oposta à dos seus principais oponentes geopolíticos atuais, a Rússia e a China. A primeira desenvolveu a Sputnik V, que vem sendo usada por vários países e a própria União Europeia cogita utilizar, frente aos atrasos no fornecimento das vacinas da Astrazeneca e da Pfizer. Já a China possui 4 vacinas diferentes já sendo utilizadas pelo mundo. Além disso, também produzem matéria-prima para uma série de outras vacinas, como a da própria Astrazeneca. Com a pandemia controlada desde março do ano passado, o país tem utilizado fortemente a vacina como instrumento da geopolítica, assim como já tinha feito com outros insumos como testes e respiradores, que as potências imperialistas chegaram a praticar pirataria, interceptando remessas desses que paravam em seus territórios.

Isso vem colocando vários problemas para geopolítica estadunidense. Além do descontrole da pandemia nos países vizinhos constituir um risco sanitário ao país, o avanço da geopolítica da vacina chinesa pode começar a minar ainda mais a hegemonia estadunidense no que consideram seu pátio traseiro. A região constitui um dos principais espaços de disputa entre EUA e China, que consideram que a “China é o único competidor [dos Estados Unidos] potencialmente capaz de combinar o seu poder econômico, diplomático, militar e tecnológico a fim de opor um desafio sustentado a um sistema internacional aberto e estável”, ameaçando a sua hegemonia mundial em crise. Com peso crescente no comércio da região, já sendo a principal parceira comercial de vários países latino-americanos, a pandemia e a geopolítica em torno dela tem aumentando ainda mais a influência da China por aqui.

Isso tem acendido cada vez mais alertas na Casa Branca e no establishment americano. Após uma reunião com o presidente do México onde Biden negou qualquer possibilidade de exportar vacinas, agora os EUA assumem a possibilidade de exportar as vacinas Astrazeneca armazenadas ao México e Canadá. Agora também começa a discussão sobre o que os EUA farão com as doses remanescentes após vacinar toda a sua população.

Mais recentemente, Eric Farnsworth, ex-funcionário da gestão Clinton e vice-presidente da Americas Society and Council of the Americas publicou um artigo onde, partindo do cenário das problemáticas para a hegemonia norte-americana já descrito nesse artigo, propõe uma mudança na geopolítica da vacina deste país.

Partindo do fato que em maio os EUA já teria doses suficientes para vacinar toda sua população, Eric propõe que o país comece já a planejar exportações em massa de vacinas, com a América Latina como prioridade, colocando que “não há a tempo a perder pois potências autoritárias como China e Rússia já estão fazendo isso”.

Longe de estar movido por qualquer intenção humanitária, o plano proposto tem claras intenções geopolíticas. No entanto, existem alguns obstáculos para sua concretização. Seria necessário um volume muito alto de vacinas para que essa exportação tenha algum efeito significativo nos países vizinhos, algo que não está certo que os EUA conseguirão cumprir. Além disso, diferente da China onde a pandemia foi controlada por testagem massiva ainda em março – o que permitiu a mais forte recuperação econômica entre as grandes economias mundiais – os EUA dependem diretamente da vacina para conseguir “normalizar” a economia e ter uma recuperação mais robusta. Além disso, com novas variantes surgindo, se discute a possiblidade de uma terceira dose da vacina para ajudar a neturalizá-las, o que aumentaria ainda mais a demanda de doses americana e global. Se por um lado a geopolítica da vacina pode ajudar a China a se localizar melhor na região em competição com os EUA, por outro, uma recuperação econômica mais lento do imperialismo norte-americano também significaria ficar para trás na competição com a China.

À essa encruzilhada se soma o fato que os EUA são um dos mais ferrenhos defensores das chamadas propriedades intelectuais, as patentes. Muitas das empresas norte-americanas conseguem lucros abismais se baseando apenas no direito de intelectualidade, o que leva os EUA a estarem sempre na vanguarda contra qualquer possibilidade da quebra de patentes, tanto porque isso prejudicaria os lucros das farmacêuticas na situação atual, como também pelo pretexto que isso poderia abrir em diversos contextos.

Mais uma vez o capitalismo mostra o atoleiro em que se encontra. Os interesses individuais de cada empresa e de cada nação se colocam contra os interesses civilizatórios. A pandemia nada mais fez que amplificar as contradições desse sistema em putrefação.

 
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