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OPINIÃO
Um barco encalhado, capitalismo e globalização
Gabriel Girão

O que o mero encalhe de um barco pode nos mostrar sobre o capitalismo e a circulação de capitais e quais são as tendências?

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Após seis dias, finalmente o cargueiro Ever Given foi desencalhado e no dia 29 o fluxo no Canal de Suez foi desobstruído. Os seis dias foram suficientes para causar prejuízos bilionários e uma torrente de memes na internet.

Desde o início do ano passado, a pandemia jogo um balde de água fria nos que acreditavam na tese de que no capitalismo atual o centro havia passado da esfera produtiva para a esfera financeira. Com a interrupção de atividades produtivas, rapidamente o mundo se viu imerso em uma crise econômica. Recentemente, outro incidente veio mostrar o mesmo. O acidente com o navio Ever Given, que encalhou e inviabilizou a passagem do Canal de Suez, por onde transita 13% do comércio mundial. Essa interrupção, vinda num momento em que o mundo já vinha enfrentando problemas ligados a escassez de contâineres, ameaçou jogar mais uma bomba na já caótica situação mundial, com a possibilidade causar escassez e interromper cadeias de produção à escala mundial. O estrago só não foi maior porque, com a mudança de maré, o barco conseguiu ser desencalhado em apenas 6 dias (alguns analistas já falavam da possibilidade do problema se alastrar por semanas).

Outros aspectos do capitalismo atual também ficaram fortemente evidenciados com o incidente: a extrema internacionalização do capital e da produção e a existência de “pontos chaves” capaz de interromper boa parte da circulação mundial de mercadorias, mostrando a fragilidade do sistema.

Com isso, uma discussão que já vinha ganhando força na pandemia vem à tona novamente: a extrema dependência que cada país tem das cadeias mundiais de comércio e produção.

Já em 1916, Lenin analisava em suas elaborações sobre o imperialismo como a grande inovação desse foi a exportação de capitais. Com isso, definitivamente as forças produtivas ultrapassavam as fronteiras nacionais. O capitalismo como sistema internacional já constituía um “todo” que subordinava e modelava cada realidade nacional. Se isso já era verdade naquela época, nas últimas décadas ocorreu um aumento exponencial com a globalização. No entanto, dentro do capitalismo, isso que deveria ser um avanço para a humanidade tornou-se uma fonte constante de crises e instabilidades mundiais, como a primeira e a segunda guerra. Se o capital é cada vez mais internacional, as fronteiras nacionais continuam a existir e se fazem mais fortes dia a dia.

A preocupação com a dependência das cadeias mundiais de produção faz com que cada vez mais vozes se levantem pelo “retorno à soberania nacional”, principalmente nos países imperialistas. Se antes tal retórica reacionária era exclusiva da extrema direita – que faziam demagogia aos setores que haviam se pauperizado com a ofensiva neoliberal e a globalização – agora ela vem ganhando espaço até nos espaços burgueses que antes eram apologistas da globalização. No entanto, será que, além de reacionário, tal retorno é factível?

Retornar à “soberania nacional” significaria remodelar por completo a produção, o comércio e as transações financeiras mundiais, na tendência totalmente contrária à das últimas décadas. Significaria modificar uma série de estruturas. Como resolver o fato de que, apesar de suas crescentes tensões, a China é atualmente o maior credor da dívida americana, apenas para dar um exemplo. Isso significaria convencer as imensas empresas multinacionais a renunciar a todas as vantagem que obtém explorando a mão de obra barata dos países semicolonias, além de outras vantagem, como proximidade de matérias primas e regras mais frouxas em muitos sentidos, e retornarem suas plantas de produção às grandes potências.

Uma pequena tentativa nesse sentido foi feita com Trump, com sua retórica de “Make America Great Again”. Escolhendo a China como principal inimigo, Trump não fez mais que aprofundar a crise de hegemonia da principal potência imperialista. Agora, será a vez de Biden com seus slogans de “Buy American” e “Made in America”.

Enquanto a União Europeia tem fortes atritos com seu antigo membro, o Reino Unido, em torno da questão das vacinas, internamente os atritos também crescem cada vez mais. A extrema direita nacionalista cresce cada vez mais no continente.

No entanto, a roda da história não anda para trás. O retorno à soberania nacional não pode constituir mais que uma utopia reacionária, que agora não é mais exclusiva da extrema direita. O capitalismo não é capaz de resolver as suas próprias contradições. Toda tentativa nesse sentido, como medidas protecionistas e afins, podem até ter um efeito imediato e localizado “positivo”, mas no plano internacional não fará mais que agudizar a crise e os atritos entre as potências. Com a crise de 1929, os EUA logo adotaram medidas protecionistas como forma de contornar seus problemas internos. Como consequências, várias potências adotaram medidas parecidas, intensificando a crise.
Se um mero acidente de barco foi capaz de mostrar as debilidades do capitalismo globalizado, as respostas burguesas não poderão fazer mais que agravar a situação. A situação atual só reatualiza a definição do imperialismo como época de crises, guerras e revoluções.

E é nesse último ponto que quero entrar. Frente à globalização neoliberal, que pauperizou a classe trabalhadora em escalas inauditas e a utopia reacionária do retorno aos estados nacionais, a única resposta possível é o internacionalismo proletário. Apenas a classe trabalhadora pode resolver as contradições colocadas, jogando fora a burguesia e seu instrumento arcaico do Estado nacional. Para finalizar, deixo apenas um exercício de imaginação: e se a vacinação, ao invés de ficar na mão da burguesia, gerando uma corrida e um nacionalismo das vacinas no marco da escassez internacional causada pelo sistema de patentes, estivesse na mão da classe trabalhadora? Se os trabalhadores pudessem quebrar as patentes que limitam a produção e se a distribuição fosse orientada não pela competição imperialista e sim pela necessidade objetiva de cada lugar, com os trabalhadores exercitando sua solidariedade internacional de classe?

 
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