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FEMINISMO SOCIALISTA
Reflexões sobre Feminismo Socialista: um convite para as educadoras e estudantes da FEUSP
Clara Gomez
Estudante | Faculdade de Educação da USP
Raissa Lélis

Compartilhamos aqui algumas reflexões que são frutos do primeiro encontro do grupo de estudos Feminismo Socialista, organizado pelo grupo de Internacional de Mulheres Pão e Rosas e pela Juventude Faísca na FEUSP. Sabemos o quanto a discussão de gênero é fundamental para nós educadores e que a maioria da nossa profissão são mulheres, justamente por isso convidamos todos os estudantes a se incorporarem ao nosso grupo.

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Imagem: reprodução

Apesar do patriarcado ser anterior ao sistema capitalista, fica notório, em meio a uma crise sanitária e econômica, como esse sistema se aproveita para explorar cada vez mais mulheres por meio da opressão de gênero. Este mecanismo, ao submeter mulheres aos postos de trabalhos mais precarizados para garantia dos lucros capitalistas, articula também a opressão de gênero que submete o corpo feminino ao masculino. No entanto, o uso das diferenças para explorar mais está de acordo com o pertencimento de classe que delimita os contornos da opressão.

O triste caso do menino Miguel exemplifica o quanto nem todas as mulheres estão ao nosso lado, dado que a patroa Sari Corte Real não fez questão de se preocupar com uma criança de 5 anos, filho de sua empregada Mirtes Renata. Sobre esse descaso racista e patronal, Marta Alves, avó de Miguel, sintetizou bem o que aconteceu: “Eu dei 6 anos da minha vida para os filhos dela, ela não conseguiu dar 10 minutos da vida dela para meus filhos”.

Esse cenário coloca os limites da tal “sororidade” entre mulheres tanto difundida pelo feminismo liberal que aponta como caminho a busca por mais mulheres no poder e lugares de fala. Como falar em poder quando o mesmo massacra trabalhadoras terceirizadas com salários de miséria para recompor as taxas de lucro capitalista? Como falar em poder quando a precarização e subcontratos com rosto de mulher sugerem que o corpo feminino da trabalhadora vale menos e, por isso, está mais suscetível aos abusos?

Exemplos não faltam para mostrar que mesmo do alto de seu poder a empresária Luiza Trajano, além de apoiar e articular as Reformas Trabalhistas e da Previdência, comanda a rede de lojas Magazine Luiza, que foi condenada pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Campinas (SP) por práticas de redução de custos da empresa por meio de cortes ou eliminação de direitos trabalhistas - com jornadas excessivas que superavam 12 horas e desrespeito aos intervalos previstos em lei. Nesse caso, cabe o sentimento de união com essa empresária em que o gênero nos une mas a classe nos separa através da exploração de trabalhadoras e trabalhadores?

Para além disso, a luta pelo triste direito ao aborto e libertação do útero que hoje por hoje se encontra dominado pelo Estado e pela Igreja, sofre com a atualização do nefasto estatuto do nascituro no Governo Bolsonaro. O Projeto de Lei 5435/2020 objetiva criminalizar o aborto nos poucos casos em que é legal no país - situações de estupro, risco de vida da gestante ou fetos anencefálicos - e também surge a macabra proposta de “auxílio” para que as mulheres levem adiante as gestações. Nesse quadro se manifesta a negligência com as mulheres pobres, em sua maioria negras, que se colocam em risco nas clínicas de aborto clandestinas por falta de um aborto legal, seguro e gratuito com acompanhamento médico. Ao lado de Bolsonaro está Damares Alves, a frente do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e fundamentalistas religiosos que buscam reservar às mulheres o destino da maternidade indesejada como preservação da família que, no capitalismo, se apresenta como mais uma instituição burguesa de garantia da propriedade privada e da continuidade da herança por laços consanguíneos.

Desde o Manifesto do Partido Comunista de 1848, Karl Marx e Friedrich Engels já alertavam a necessidade de libertar as mulheres da posição de meros instrumentos de produção para atender o interesse dos burgueses.

Plenamente desenvolvida, essa família só existe para a burguesia. Sendo que, em nome da “Guerra às Drogas” no Brasil, mães têm seus filhos tirados por descaso e chumbo estatal, pais são jogados na informalidade e no desemprego com a crescente desindustrialização do país, filhos são lançados aos vícios e ao alcoolismo... Com que família este governo se preocupa ao marginalizar mais mulheres com a criminalização do aborto? Decerto que não é com a família pobre e trabalhadora.

Há também a rivalidade entre as mulheres, posta pela competição capitalista e imposição de padrões de beleza. Nesse sentido, cabe a nós, feministas socialistas, defender o oposto da ideologia burguesa individualista, nutrindo vínculos profundos entre companheiras da nossa classe e despertando-as para a luta anticapitalista e revolucionária. Essa tarefa nos mostra como mulheres podem sim ser sujeitos de sua libertação e confronta a lógica burguesa de que nossa luta, esvaziada de conteúdo subversivo e radical, deve se contentar com “mulheres no topo” e um capitalismo mais humanizado que explore de forma mais velada.

É necessário um feminismo socialista que supere os panoramas liberais que travam uma luta contra os homens e de tratamentos individuais para problemas estruturais. O ódio destilado aos homens não é capaz de acabar com a violência patriarcal que queremos banir e, enquanto condena alguns homens por sua responsabilidade através do punitivismo, o Estado burguês se isenta da culpa que tem ao defender a ordem capitalista que nos explora e oprime. Até hoje nenhuma democracia burguesa resolveu o problema do feminicídio e, como vemos no Brasil, paralelo ao Poder Judiciário partidário, atua o Legislativo e Executivo perdoando dívidas bilionárias às Igrejas. Estas, por sua vez, são responsáveis pelo crescente extremismo religioso e buscam negar o direito da mulher sobre seu corpo. A tentativa de fundamentalistas para que uma menina de dez anos fosse impedida de realizar o aborto em 2020 após sofrer abusos sexuais sistemáticos por um tio durante quatro anos no Espírito Santo, a divulgação de seus dados e ameaça à família da criança são emblemáticas nesse sentido, visto que receberam o apoio da Ministra Damares. Neste exemplo não se encontra o Estado com toda a “força da lei” para impedir o ocultamento dos abusos sexuais contra meninas mas sim a conivência com os privilégios concedidos aos templos religiosos.

Concomitante ao fortalecimento das igrejas, temos também as reformas no campo da Educação que, ao mesmo tempo que barateiam a formação da mão de obra, buscam reforçar o que há de mais reacionário na ideologia burguesa. Por meio da reforma do Ensino Médio e da BNCC, obrigam os alunos a terem formações aligeiradas, voltadas para os postos precários de trabalho. Reduzem a carga de formação de disciplinas como história, sociologia, biologia e química. Relegam os estudantes aos postos mais precários de trabalho, enquanto precarizam o trabalho das professoras - uma vez que as mulheres são a maioria na Educação Básica - a partir do congelamento dos salários até 2036 pela PEC emergencial. Tudo isso, aliado com a implementação de um PNLD que retira dos livros didáticos discussões fundamentais vinculadas à gênero, sexualidade e outros temas e, também, com a imposição de um retorno inseguro às aulas que responde a interesses de grupos empresariais da educação e do próprio mercado financeiro.

Um convite para as educadoras e estudantes da FEUSP

Frente às reflexões retiradas desse primeiro encontro, que mostram a necessidade de construção de uma luta anticapitalista para o fim do Patriarcado e do racismo, convidamos todos os estudantes a se incorporarem ao grupo de estudos que nós do Pão e Rosas organizamos. Por meio desse grupo que discutirá temas relacionados ao Feminismo Socialista, queremos difundir essa discussão para educadoras e educadores para fortalecer e organizar a luta das mulheres trabalhadoras contra as mazelas do capitalismo e do regime do golpe institucional.

 
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