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AMAZON
A Amazon, a precarização do trabalho e a organização coletiva dos trabalhadores
Vitória Camargo
Nicolle Gonçalves

Neste artigo, partindo de considerações gerais sobre o aprofundamento da exploração e da precarização do trabalho na pandemia, objetiva-se fazer alguns apontamentos acerca da dualidade que permeia a gigante tecnológica Amazon: ao mesmo tempo que viu seus lucros crescerem enormemente no último ano, vem vivenciando paralisações, greves e protestos de seus trabalhadores em vários lugares do mundo. Pretende-se focar nas movimentações operárias que têm ocorrido no Alabama, onde se localiza uma representativa luta pela sindicalização dos trabalhadores da Amazon, que pode ter impacto internacional e reflete a intrínseca relação existente entre as lutas de classe, raça e gênero.

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A pandemia de Covid-19 aprofundou a exploração e adoecimento da classe trabalhadora mundial, muito pela forma como foram tratados os direitos trabalhistas diante da grave crise sanitária: como passíveis de serem ainda mais atacados. Para além do aprofundamento da precariedade das condições de trabalho, diversos postos de emprego foram perdidos, afetando, em especial, os trabalhadores que já antes ocupavam posição precária. No Brasil, por exemplo, um estudo do DIEESE [1], ao relacionar os dados do mercado de trabalho de 2020 com posição na ocupação, gênero, cor, faixa etária e escolaridade, chegou à conclusão de que, proporcionalmente, o trabalhador sem carteira de trabalho assinada, com baixo salário e escolaridade, negro e jovem ou com mais de 70 anos, foi quem mais absorveu o impacto da crise econômica. Houve, portanto, um alargamento das desigualdades do mercado de trabalho brasileiro.

Contudo, essa realidade não pode ser completamente atribuída à pandemia (e nem restrita ao Brasil), que apenas aprofundou uma desigualdade e falta de concretude de direitos que já existiam e que são intrínsecos à lógica capitalista. Inclusive, a própria pandemia é uma consequência da forma como o ser humano tem se relacionado com a natureza. A pandemia é sintoma, e não causa, de todas as misérias e contradições do capitalismo:

“A produção social, que deveria atender às necessidades humano-sociais, subordinou-se integralmente aos imperativos da autorreprodução do capital. Entre outras consequências devastadoras para a humanidade, podemos citar o desemprego monumental, a destruição ambiental, a “mercadorização” da vida e o incentivo diário a novas guerras e conflitos armados. Isso tudo nos trouxe a um quadro pandêmico que amplifica ainda mais o sentido letal do sistema de capital. [2]”

Nesse sentido, o agravamento da situação dos trabalhadores durante este período se deve também à destrutividade natural do capitalismo que, justificado pelo sentido neoliberal, se expande e se autovaloriza [3] em um constante movimento de desmonte do arcabouço protetivo juslaboral, historicamente conquistado pela classe trabalhadora a partir de suas lutas. Aqui, é importante dizer que se parte de uma compreensão do trabalho enquanto fonte de significado e sentido ao trabalhador, uma vez que grande parcela da subjetividade humana está relacionada ao aspecto do trabalho como parte do processo de formação de identidade, em que o trabalhador se reconhece e se identifica por meio dele [4]. Diante disso, enquanto demonstra cada vez mais sua centralidade para garantir o funcionamento da sociedade, o trabalho é também um mecanismo de acesso a direitos fundamentais. A negação ao trabalho digno é, portanto, a própria negação de direitos. Ademais das condições já precárias vividas pelos trabalhadores, submetidos a longas jornadas, baixos salários, amplo e profundo controle da mão-de-obra, a pandemia de Covid-19 os expôs a riscos sanitários, dividindo a sociedade entre aqueles que poderiam trabalhar em home office e os que não poderiam praticar isolamento social.

Entretanto, apesar da pandemia global de COVID-19 ter impactado seriamente a economia e afetado, especialmente, a classe trabalhadora, não foram todos os que saíram perdendo com ela, evidentemente. O monopólio da Amazon, por exemplo, teve um aumento exponencial na sua receita no ano de 2020. Segundo o site da Forbes, Jeff Bezos, fundador que possui uma participação de 11% no capital da Amazon:

“viu seu patrimônio líquido aumentar em mais de 50% até agora em 2020. Ele é a pessoa mais rica do mundo: a Forbes estima sua fortuna em US$ 178,5 bilhões. No final de 2019, o bilionário tinha patrimônio de US$ 114,7 bilhões. A segunda pessoa mais rica é o cofundador da Microsoft Bill Gates, com um patrimônio líquido de US$ 113 bilhões.” [5]

Esse cenário de extremo lucro para poucos e precariedade para tantos tem sido inflamatório para as mobilizações coletivas da classe trabalhadora que, diante da constante negação ao acesso de direitos, posiciona-se tensionando com o capital por novas formas de conformação do mercado de trabalho, ademais do asseguramento de condições de saúde e segurança no ambiente laboral. À luz da luta atualmente em curso na Amazon do Alabama pela sindicalização dos trabalhadores, o presente artigo pretende trazer reflexões sobre as condições de trabalho e organização nessa empresa. Na esteira da profunda revolta no coração do império, se a Amazon é cada vez mais um símbolo capitalista de sucesso da Big Tech e da precarização do trabalho (há quem diga que estamos vivendo a amazonificação do capitalismo), essa luta também pode impactar mundialmente e se tornar um símbolo do potencial da organização dos trabalhadores para enfrentar esse modelo de exploração.

De onde o vem o lucro da Amazon

A Amazon, criada em 1994 com o nome de “Cadabra” em Seattle, atua na modalidade de e-commerce e tem como grande destaque a formatação da logística da entrega dos produtos. A empresa teve recorde de lucros na pandemia. O site InfoMoney atribuiu esse resultado ao aumento de consumo online:

“O resultado foi puxado pelas tendências do consumidor durante a pandemia de coronavírus que catapultaram os números da gigante de tecnologia em um cenário de maiores compras online. [6]”

Com Centros de Distribuição bastante automatizados e espalhados por todo o globo, a Amazon possui velocidade na entrega dos produtos, especialmente no período pandêmico:

“A Amazon conta com uma equipe com mais de 100 mil funcionários, que trabalham sob regime de escala para tentar atender os pedidos no menor prazo possível. Para se ter uma ideia, nos períodos de Black Friday e Natal, esses profissionais fazem um revezamento para trabalhar todos os dias da semana, 24 horas por dia. Isso significa que mesmo de madrugada existem pessoas preparando pedidos para enviá-los aos clientes, evitando gargalos operacionais com o aumento da demanda. [7]”

Mas a verdade, que já sabemos e vem se escancarando cada vez mais, é que o lucro exorbitante da empresa está fundamentalmente relacionado à negação de direitos aos quais são submetidos os trabalhadores da empresa: baixos salários, relatos de jornadas de até 10h diárias e precárias condições de trabalho engordam a mais-valia da Amazon que, em contrapartida, compete no mercado com preços consideravelmente mais baixos e atrativos ao consumo. Esse modelo de exploração também exerce enorme pressão sobre seus fornecedores, rebaixando as condições de trabalho de conjunto em áreas da produção.

É por isso que cada vez mais, aliando tecnologia, competição no mercado asiático e intensificação do trabalho, Bezos vem se tornando um símbolo de sucesso e meritocracia para a propaganda capitalista. Warren Buffet, outro símbolo do capital financeiro internacional, descreveu Bezos como “o melhor executivo dos Estados Unidos” [8]. O poder de capital da Amazon é imenso e os dados da sua atuação nos EUA são bastante representativos disso: a empresa possui o controle de 40% de todo o comércio eletrônico e é responsável pela venda de 42% dos livros em papel [9]. Segundo uma estimativa, a Amazon Web Services detém quase metade da indústria de computação de nuvem [10], sendo aí a sua parcela mais lucrativa, já que os servidores poderão ser utilizados por instituições como a CIA, a Unilever e a General Electric. Além disso, a Amazon está se expandindo no ramo da indústria cultural, em competição com a Netflix, com um terço do mercado de streaming. Por fim, também está apostando em lojas físicas do varejo, em competição com a rede Walmart, maior empregadora dos EUA, e com supermercados como Whole Foods. Em 2018, uma pesquisa desenvolvida pela Universidade Georgetown e Fundação Knight revelou que a Amazon inspirava mais confiança nos estadunidenses democratas do que as próprias Forças Armadas norte-americanas [11].

Contudo, a outra face da riqueza da Amazon está explícita em uma pesquisa realizada pela plataforma Organise, no Reino Unido: ao menos 55% dos trabalhadores da Amazon afirmaram ter recebido um ponto (que serve para medir infrações e, após certa quantidade, implica em demissão) por terem ficado doentes; também 55% disseram ter desenvolvido depressão após começarem na empresa e 57%, mais ansiedade. Pelo menos 42% vivenciaram assédio no trabalho. Além disso, 74% afirmaram evitar idas ao banheiro por medo de atrapalhar suas funções, o que significava ingerir menos água e já resultou em famosas denúncias de trabalhadores urinando em garrafas nos depósitos da Amazon. A conclusão da pesquisa é que 81% dos pesquisados afirmam categoricamente que não voltariam a trabalhar na empresa.

Como já era de se esperar, por mais que a Big Data e essa cadeia de valor internacional busquem esconder, o que está por trás da imensa fortuna de Bezos, e a dicotomia com a realidade cada dia mais precária da classe trabalhadora, é a velha conhecida exploração do trabalho, desvendada por Marx já no século XIX, que agora assume novas roupagens e formas, sustentada pelos mais variados métodos de perseguição, boicote e racismo para impedir a organização dos trabalhadores. Assim, há quem diga que a pandemia escancarou as diferenças que são próprias do capitalismo, mas a verdade é que elas sempre estiveram escancaradas, já que a própria lógica do capitalismo é de ganho para uns e perda para a maioria. Entretanto, o que a pandemia fez foi aquecer a exploração e é nesse sentido que enquanto a Amazon acumulou ganho de mercado, a classe trabalhadora foi ainda mais fragilizada. Todavia, o que queremos enfatizar é que, felizmente, esse processo não é linear, homogêneo e nem consolidado, tendo em vista que a luta dos trabalhadores e sua organização são uma variável essencial, que já está no radar da empresa, a qual, como se verá, empreende diversos esforços persecutórios de desmonte da luta operária.

2020, um ano marcado por lutas contra a superexploração, contágio, racismo e perseguição na Amazon

No início do ano passado, em março, os Centros de Distribuição da Amazon vivenciaram greves na França, na Espanha, na Itália e na Polônia, em que os trabalhadores afirmavam que "essa companhia está usando nossa saúde para fazer sua fortuna". [13]

Nos Estados Unidos, Christian Smalls, um trabalhador negro de um Centro de Distribuição de 5 mil trabalhadores da Amazon em Staten Island, foi demitido por ter organizado um protesto contra as péssimas condições sanitárias do trabalho na empresa [14]. Enquanto o país se tornava o epicentro pandêmico mundial e a classe trabalhadora mostrava ser a única classe essencial para fazer tudo funcionar, Smalls e outros trabalhadores denunciavam que era necessário garantir maiores condições sanitárias no depósito, onde um trabalhador havia testado positivo para a Covid-19. A resposta da empresa à contaminação foi ocultar dados e instruir trabalhadores próximos que sabiam do caso a "não contarem nada aos trabalhadores para não causar pânico" [15]. Smalls não somente foi demitido, como, a partir de um vazamento de notícias, veiculou-se que a estratégia da empresa, em reunião na presença do CEO Bezos, era difamá-lo como "pouco inteligente e articulado" [16] e assim contribuir para impedir a organização dos trabalhadores na pandemia.

No mês de abril, as subsidiárias Instacart e Whole Foods também tiveram paralisações pelo mesmo motivo. Na Whole Foods chegou-se ao absurdo de a Amazon utilizar um "mapa de calor" para monitorar as empresas que possuíam algum risco de sindicalização, usando distintas variáveis. Em seu discurso corporativo, costumam afirmar que o melhor para a empresa é que todos os seus "membros" (os trabalhadores) possam recorrer direta e individualmente às chefias, em um "canal de comunicação direto".

Esses fatos são especialmente importantes para apontar não somente o descaso da empresa com a saúde e segurança dos trabalhadores, como as suas tentativas de desarticular lutas. Para além dos postos de trabalho precários, a nova conformação do mercado de trabalho empurra os trabalhadores para a individualidade e solidão de experiências laborais fora do coletivo. Dividir para conquistar, não é mesmo?

Em junho de 2020, na Alemanha, ao menos seis Centros de Distribuição entraram em greve pelo mesmo motivo. Em Bad Hersfeld, região que já foi denunciada por receber imigrantes espanhóis submetidos a péssimas condições laborais, o número de contaminados passou de 30 para 40 em um mesmo depósito, enquanto a empresa alegava tomar todas as medidas de segurança sanitária [17]. As exigências dos trabalhadores passavam pelo direito aos testes, às licenças remuneradas e retorno do adicional pelo risco à saúde na pandemia, que havia sido cortado.

Em agosto, quando Bezzos atingiu a marca de homem mais rico do mundo, ao menos cem trabalhadores protestaram e exigiram maiores salários em frente à sua luxuosa mansão em Washington D.C. Os trabalhadores levaram inclusive uma "guilhotina", como símbolo radicalizado. Diante do primeiro homem do mundo a ter uma fortuna de U$ 200 bilhões, às custas da superexploração e do adoecimento dos trabalhadores na pandemia, questionavam qual era a razão para não terem aumento salarial [18].

Coincidentemente ou não, em setembro, repercutiu internacionalmente a notícia de que a Amazon havia anunciado duas vagas para os cargos de “Analista de Inteligência” e “Analista de Inteligência sênior”, cujos objetivos eram descritos como “observar ameaças de organizações trabalhistas contra a empresa” [19]. A empresa não apresentou nenhuma explicação ou justificativa acerca desta evidente tentativa de desarticulação da organização trabalhadora.

Os movimentos intensificaram-se ainda mais: em outubro de 2020, trabalhadores na Alemanha realizam greve por melhores salários e condições e contra as táticas antissindicais de espionagem na empresa [20]. Esse período foi escolhido porque no referido mês ocorreria o Prime Day, um “feriado de compras” voltado aos clientes “Prime” da Amazon, do dia 13 ao 14 de outubro, que é marcado pela intensificação do trabalho.

Em novembro, na Black Friday, mais de 15 países, incluindo EUA, Europa, México e Bangladesh, somaram-se às ações coordenadas contra a Amazon, lutando por direitos trabalhistas e também ambientais [21]. A hashtag #MakeAmazonPay (“Faça a Amazon pagar”) exigia aumento de salários, fim à repressão e perseguição sindical, fim dos benefícios fiscais (a Amazon paga menos de 3% de impostos nos Estados Unidos), reincorporação dos perseguidos pelas greves, segurança sanitária e compromisso com zerar as emissões de carbono até 2030 (uma vez que as entregas são realizadas por veículos automotores).

Após resistir sistematicamente a compartilhar seus dados por meses, a Amazon revelou, em outubro de 2020, que cerca de 20 mil trabalhadores haviam testado positivo ou haviam demonstrado estar com Coronavírus ao longo da pandemia, somente nos Estados Unidos [22]. Reafirmou-se assim a razão de ser de todas as lutas travadas pelos trabalhadores que, em muitos casos, foram inclusive perseguidos pela tirania patronal.

A atual luta no Alabama, o racismo e a sindicalização

Um importante aspecto nesse caldo é a interface entre os movimentos grevistas e o racismo estrutural operante nas diretrizes e formas de repressão aos trabalhadores. Essa interface está representada na luta pela sindicalização dos trabalhadores do Alabama, Estados Unidos:

“Nós, do Coletivo Black Power Collective of Inland Empire, estamos mandando nossa solidariedade e amor aos trabalhadores do depósito da Amazon em Bessemer, Alabama. Nós sabemos que lutar pelos direitos dos trabalhadores é uma tradição de longa data dos trabalhadores do Sul, em especial os trabalhadores negros. O que vocês estão fazendo resume o que o Black Power realmente é: se unindo para lutar contra as corporações que exploram trabalhadores enquanto seus superiores obtêm mais e mais lucro. (...) O que vocês estão fazendo em Bessemer deve levar a ações similares nos EUA e no exterior. Já passou do tempo dos trabalhadores se levantarem e lutarem contra o sistema capitalista que nos explora. Não poderíamos estar mais orgulhosos de que isso esteja acontecendo em uma cidade com população predominantemente negra. Os historiadores americanos tentam ignorar o fato de que os negros sempre se levantaram contra nossos opressores, suas ações ajudam a manter viva nossa verdadeira história de resistência. [23]”

O trecho acima foi escrito pelo Coletivo Black Power, antigamente Black Lives Matter - Inland Empire, e expressa a importância da luta por direitos trabalhistas em intersecção às questões raciais. Assim, não se pode ignorar que a base da pirâmide do trabalho, atingida em cheio pelas práticas de precarização laboral (conforme demonstrado pela pesquisa do DIEESE, por exemplo), é amplamente ocupada pela população negra. Pensar no enfrentamento ao capitalismo requer pensar também na luta que levou as massas às ruas em meio à pandemia contra a violência policial que assassinou George Floyd. Nesse mesmo sentido, se há uma relação nítida entre capitalismo e racismo, que faz bilionários como Bezos lucrarem ainda mais com as vidas negras, quando negros e brancos se levantam contra o racismo, para arrancar de fato igualdade racial, é inevitável que os lucros capitalistas sejam questionados. A agência Bloomberg escreve que os trabalhadores do Alabama estão inspirados pelo impacto do Black Lives Matter e da maior compreensão de que o racismo sistêmico prejudica as perspectivas econômicas de pessoas de cor [24].

É essencial apontar que enquanto no depósito da Amazon em Bessemer os trabalhadores, na maioria negros e mulheres, eram obrigados a percorrer uma distância equivalente a 14 campos de futebol americano para bater ponto na jornada e tinham seus celulares confiscados, a empresa doava milhões de dólares à organizações contra o racismo em apoio ao Black Lives Matter. Em suas redes sociais, o próprio Bezos disse, referindo-se a um cliente descontente por sua tímida declaração de apoio ao movimento, que “esse é o tipo de ódio que não deve se esconder nas sombras” [25] e que “ficava feliz” [26] em perder esse cliente. Entretanto, Bezos esconde que uma parcela dos negócios da Amazon é voltada justamente a promover “tecnologias anti-crime” que reforçam o aparato policial, estruturalmente racista, nos Estados Unidos. Em 2018, o software Rekognition, da Amazon, foi acusado de identificar e relacionar, desproporcionalmente, pessoas negras, inclusive congressistas norte-americanos, a pessoas presas e fichadas pela polícia. Evidentemente, isso não se dava com pessoas brancas na mesma proporção. Já a tecnologia Ring é uma rede de vigilância e monitoramento, racialmente codificada, responsável por enviar “atividades suspeitas” diretamente à polícia. Essa é mais uma demonstração de que a demagogia e o cinismo filantrópico são parte da estratégia de marketing da empresa, ao mesmo tempo em que a Amazon precariza as condições de trabalho e vida da população negra nos Estados Unidos, perseguindo quem busca se organizar, e ainda está diretamente a serviço do aparato repressor do Estado norte-americano.

É por isso que a empresa está desesperada contra a sindicalização dos trabalhadores negros no Alabama. Seria o primeiro local de trabalho da Amazon a conquistar a sindicalização nos Estados Unidos - o que poderia se tornar um barril de pólvora contra Bezos e suas péssimas condições de trabalho nacional e internacionalmente. Os trabalhadores relatam variadas maneiras de assédio que a empresa vem praticando para frear a mobilização coletiva: milhares de mensagens de texto antissindicais, panfletos nas portas dos banheiros, proposta de pagamento de um bônus por demissão e até mesmo trocar o tempo de luzes do semáforo, para que os trabalhadores ficassem menos tempo em frente à empresa recebendo panfletos e ouvindo sobre a importância da sindicalização [27].

Diante do exposto, é essencial estarmos atentos e atentas ao que acontecerá no Alabama nos próximos dias. A reestruturação do capital em novas formas de exploração, exige que a classe trabalhadora também reestruture novas formas de luta e enfrentamento à negação de direitos, ainda mais aprofundada pela pandemia de Covid-19. Não se pode mais aceitar o sistema capitalista e sua necessária mercantilização da mão-de-obra humana para a continuidade da sua expansão. É preciso repensar esse sistema de ganho de poucos e perdas de muitos e isso perpassa por repensar as lógicas de exploração de classe, raça e gênero. Temos muito o que aprender com os trabalhadores e trabalhadoras do Alabama.

Sobre as autoras:

Nicolle Gonçalves é graduada em Direito pela Universidade de Brasília. Especialista em Direito do Trabalho e Processo de Trabalho pelo Instituto Brasiliense de Direito Público. Mestranda em Direito na Universidade Federal de Ouro Preto. Advogada. Participante do Observatório da Precarização do Trabalho e da Reestruturação Produtiva. E-mail de contato: [email protected].

Vitória Camargo é graduada em Sociologia pela Unicamp. Colunista do Esquerda Diário e participante do Observatório da Precarização do Trabalho e da Reestruturação Produtiva. E-mail de contato: [email protected].

Notas de rodapé:

1. DIEESE: Pandemia afeta principalmente trabalhadores mais precarizados. p. 1–5, 2020. p. 4 Disponível em: https://www.dieese.org.br/boletimempregoempauta/2020/boletimEmpregoEmPauta16.html;
2. ANTUNES, Ricardo. Coronavirus: o trabalho sob fogo cruzado. 1. ed. São Paulo: Boitempo Editorial, 2020. E-book Kindle. Não paginado.
3. Ibidem;
4. DELGADO, M. G. Capitalismo, Trabalho e Emprego: Entre o paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução. São Paulo: LTR Editora LTDA., 2007.
5. Ver mais em: https://forbes.com.br/negocios/2020/07/veja-o-crescimento-da-amazon-durante-a-pandemia-em-5-numeros/#foto3;
6. Ver mais em: https://www.infomoney.com.br/negocios/amazon-tem-lucro-7-vezes-maior-que-esperado-com-receita-impulsionada-por-consumo-na-pandemia/;
7. Ver mais em: https://medium.com/@multiarmazens/a-log%C3%ADstica-de-jeff-bezos-a0931edfc78f;
8. Ver mais em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-grande-plano/;
9. Ibidem;
10. Ibidem;
11. Ibidem;
12. Ver mais em: https://static1.squarespace.com/static/5a3af3e22aeba594ad56d8cb/t/5ad098b3562fa7b8c90d5e1b/1523620020369/Amazon+Warehouse+Staff+Survey+Results.pdf.
13. Ver mais em: https://www.business-humanrights.org/en/latest-news/amazon-workers-in-france-italy-spain-poland-strike-over-labour-conditions-during-covid-19-pandemic/;
14. Ver mais em: https://www.forbes.com/sites/isabeltogoh/2020/04/02/amazon-worker-who-was-fired-after-coronavirus-walkout-says-he-is-being-silenced/?sh=6218b7402ba9;
15. Ver mais em: https://www.cnn.com/videos/us/2020/04/30/amazon-whistleblower-coronavirus-strike-malveaux-pkg-vpx.cnn;
16. Ver mais em: https://www.nytimes.com/2020/04/03/nyregion/coronavirus-nyc-chris-smalls-amazon.html;
17. Ver mais em: https://www.reuters.com/article/us-amazon-germany-strike-idUSKBN23Z0RC;
18. Ver mais em: https://www.highsnobiety.com/p/jeff-bezos-guillotine-house/;
19. Ver mais em: https://olhardigital.com.br/2020/09/02/pro/amazon-anuncia-vagas-para-monitorar-ativistas-de-causas-trabalhistas/;
20. Ver mais em: https://olhardigital.com.br/2020/09/03/noticias/amazon-espiona-grupos-de-funcionarios-em-redes-sociais-revela-site/
21. Ver mais em: https://smabc.org.br/hoje-e-dia-de-denuncia-global-contra-a-amazon/;
22. Ver mais em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/2020/10/02/amazon-revela-que-quase-20-mil-funcionarios-tiveram-covid-19;
23. Ver mais em: https://www.esquerdadiario.com.br/O-Coletivo-Black-Power-Collective-of-Inland-Empire-apoia-trabalhadores-da-Amazon-na-luta-por-um;
24. Ver mais em: https://www.bloomberg.com/news/features/2021-03-01/will-amazon-workers-unionize-it-s-a-tough-sell-at-bessemer-alabama-plant;
25. Ver mais em: https://exame.com/marketing/jeff-bezos-ceo-da-amazon-diz-estar-feliz-por-perder-clientes-racistas/;
26. Ibidem;
27. Ver mais em: https://www.esquerdadiario.com.br/Amazon-esta-desesperada-para-impedir-a-campanha-de-sindicalizacao-no-Alabama.

 
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