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Crise sanitária
Crônica de professora trabalhando no auge da pandemia
Comitê Esquerda Diário DF/GO

Crônica de uma professora trabalhando presencialmente na rede privada no auge da pandemia. O Esquerda Diário presta toda a solidariedade a todas as professoras e professores da rede pública e privada, efetivos e de contrato temporário do Centro-Oeste e de todo Brasil. Que tomem o nosso jornal como uma ferramenta de organização e luta.

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3 mil mortos por dia. Dizem que chegaremos a 4 mil mês que vem. As duas máscaras esmagam meu nariz, dói, a cirúrgica e a de pano com logo e tudo da escola particular. Respiro aliviada porque tenho emprego e duas máscaras. Tento arrumá-las, não dá jeito, putz será que passei o álcool antes de colocar a mão no rosto? Será que toquei no olho? Quase 9h, melhor deixar a porta da sala aberta, para circular o ar, mas o barulho das outras salas, os alunos de casa e da sala falando tudo ao mesmo tempo, ninguém vai entender nada. Abro e fecho. Álcool. Embaixo das duas máscaras, lembro que minha garganta dói e parece que tá formando alguma coisa, de gritar pra voz sair desse abafamento, disputar com a voz do aluno na escola, e chegar na casa do aluno que a mãe tá atrás gritando que não achou o livro. Será que ainda vou ter voz quando a última aula acabar às 19h? 

Ditado. Álcool. Intervalo. Professora, abre pra mim essa bolacha? Álcool. Essas crianças comendo dentro da sala, será que foi assim que a outra professora pegou covid? Ninguém fala sobre isso, não queremos causar pânico. Negatividade pega mal no ambiente de trabalho. 3 mil mortos. Vejo outra prô chegando com aquelas N95 azul e face shield. Penso que é uma guerreira enfrentando uma sala de aula quando 3 mil pessoas morrem por dia e a saúde colapsa e as novas cepas mais transmissíveis. Heroína. Não. Ninguém quer ser heroína, a gente só quer pagar as contas e continuar vivas. Álcool, meu rosto coça. Como é que fazem a gente sair de casa no meio de um pico de mortes? Ninguém deveria estar passando por isso. Mas o desemprego, mas as demissões, mas não tem auxílio, mas mesmo assim pode ser que eu entre no negativo no fim desse mês. E mês que vem dizem que vai chegar a 4 mil mortos. 

Pessoal, pessoal, precisa prestar atenção no sujeito! Intervalo. E o sujeito lá morreu, o canalha do major Olímpio. E mais bosta do Bolsonaro. E tem gente que acha que o Mourão seria mal menor. Álcool. Que ódio de todos eles. Só pode dois por vez pra esquentar a marmita. Precisa parar tudo, precisa de luta. Precisamos respirar. Eu lá quero saber de Lula lá em 2022, as mortes estão aqui, os ataques e a agonia de estar de mãos atadas é agora. Não dá mais... Será que as pessoas querem fazer alguma coisa? Me sinto inconformada e tenho que trocar os livros pra próxima aula e as pessoas não tão com coragem de sair pra luta antes da vacina. Álcool. Mas a vacina tá na mão de uns burguês safado dono das empresas que controlam as vacinas. Mas a vacina vai dar muito lucro. Mas como pode que não tá liberado pra todos os países produzirem as vacinas? É 3 mil mortos por dia. Mês que vem chega em 4, dizem. Como é possível que alguém tenha o controle das patentes das vacinas? A menina da limpeza tá chorando será que ela perdeu alguém? Será que vai ser demitida? tomara que não seja isso. 

Álcool. No fim do dia a máscara queima o rosto. Pessoal, eu preciso que vocês me enviem a redação, pra eu postar as notas até segunda-feira. Isso é muito importante. Oi? Toda sua família tá com covid e você não conseguiu postar? Entendi Fê. Muito importante é a gente lutar contra esses golpistas pra arrancar as vacinas, proibir as demissões, liberar a gente do trabalho, ter auxílio pra todos. Professora por favor não passa dever eu imploro. Galera vou colocar uma música pra gente dançar depois da correção. Ufa, 19h! 11 horas direto na escola. E além de tudo pode ser que eu fique no vermelho depois de ir no mercado. E dizem que abril pode ser 4 mil mortos. Sala dos professores. Cara, esse dia acabou. Véi, eu não tô aguentando. Eu também não. Quantos minutos eu tenho pra chegar no ponto e não perder o ônibus? Álcool. 

Chego em casa e choro. Tiro a máscara mas o ar ainda não vem. Não consigo respirar. Minha classe não consegue respirar. Um amigo me disse que quando me sentisse assim que escrevesse no Esquerda Diário. Estou tão cansada. Lembro de outra prô que esses dias desabafou no zap do nosso grupo de mulheres Pão e Rosas. Tá difícil pra todas. Lembro quando cantávamos nas ruas "não somos uma no poder, somos milhares pelas ruas". Sorrio porque sei que cantaremos novamente, espero que sejamos muitas mais. Temos que lutar. Vejo que tem um vídeo novo da Let Parks e acho que ela vai tá denunciando a porra toda. Vou escrever logo porque se alguém tiver se sentindo como eu e ler, eu quero dizer que as coisas não tem que ser assim, que podem ser diferentes e que a gente tem que arrancar o diferente, e que se organize comigo, que lute comigo, que mande seu texto para o Esquerda Diário também, que venha se organizar no Pão e Rosas, que a gente transforme tudo isso em ódio de classe e luta de classe. E melhor se organizar porque minhas amigas... o dia em que o trabalhador parar e tomar as ruas, e não for carnaval... tem muita conta acumulando pra gente acertar. E trabalhadora nenhuma gosta de conta atrasada. Que seja logo.

 
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