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COLUNA
Lula, Frente Ampla e a aceitação do golpe sem mágoas
Douglas Silva
Professor de Sociologia
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Lula, do alto daquele palanque no sindicato dos metalúrgicos do ABC, voltou a esbanjar o velho tom conciliador que foi a tônica de todos os seus governos e não expressou nem um pingo de “mágoa” – como diz ele – dos golpistas que nos arrastaram até aqui. Muito pelo contrário, o ex-presidente trocou afagos com o empresariado e figuras que estiveram à frente de todos os ataques que sucederam o golpe institucional de 2016. Uma demonstração de que o conciliador da Nova República e do pacto conservador, que poupou militares da ditadura, estava de volta, mas não mais sobre os pilares do regime de 1988 e, sim, sobre seus destroços, o qual abriu caminho para a construção de um novo regime do golpe, marcado pela ampliação dos ataques contra a classe trabalhadora, a crescente participação dos militares na política e uma extrema direita que não poderá ser derrotada simplesmente por meio das eleições de 2022.

Após o golpe, sua prisão arbitrária e os inúmeros ataques protagonizados pela direita brasileira e sua burguesia, Lula parece voltar disposto a não ter ressentimentos com aqueles que pavimentaram a estrada para o aprofundamento dos ataques – mais duros do que os que já vinham em curso durantes os governos petistas – e pelo qual o bolsonarismo encontrou caminho livre. Longe de protagonizar um discurso “perigoso para o mercado”, como a mídia golpista tenta pintar e com o qual muitos analistas burgueses sequer concordam, o petista acena para um amplo espectro da burguesia brasileira e seus representantes políticos, passando, por exemplo, por Rodrigo Maia (DEM), Centrão e Ciro Gomes (PDT). Todavia, seu retorno e uma possível Frente Ampla que possa se dar em torno de seu nome (ou de seu apoio) só parece real a partir da aceitação do regime do golpe e seus ataques. Dissipando, assim, qualquer messianismo capaz de nos salvar do lamaçal bolsonarista por outra via que não seja a luta de classes, o que tanto o petista quanto as centrais sindicais dirigidas pelo seu partido fogem mais do que o diabo da cruz.

Portanto, um ponto chama atenção no discurso de Lula, sobretudo porque escapa da caricatura inventada pelo antipetismo da extrema direita. Afinal, talvez ele seja quem melhor sabe o real significado da “Frente Ampla”, mas não porque parte da ilusão difundida por setores da esquerda e da intelectualidade brasileira de que esta seria a melhor alternativa para se enfrentar com Bolsonaro. O petista, na verdade, parte do real caráter de uma tática que, como dizia Trótski, não vai além da primeira lei da aritmética: a soma. Pois, assim como para Lula, os teóricos dessa tática na década de 1930 viam a soma de liberais, anarquistas e comunistas – no caso de Lula vai dos partidos de esquerda até o Centrão e partidos herdeiros da ditadura – como sendo mais importante do que seus termos. Ou seja, a velha conciliação com facções de classes burguesas que nos arrastaram até aqui volta à cena, mas, agora, não mais sobre os pilares da Nova República e, sim, sobre seus destroços e um novo regime erigido pelo golpe institucional. Um regime que nem sequer possui as mesmas condições e bases econômicas que permitiram ainda alguma margem de benefícios sociais a conta gotas, mas, muito pelo contrário, um cenário de crise econômica, social e política aprofundada pela pandemia. Por isso, nada parece mais ilusório do que acreditar que, os mesmos setores responsáveis pelo golpe, a saber, judiciário e Cia, estariam dispostos a alguma eventual possibilidade de resgatar Lula por outro motivo que não fosse pelos seus interesses de classe.

Como parte daqueles que denunciaram e lutaram contra o golpe, mas também contra a prisão arbitrária de Lula, com um judiciário que usurpou o sufrágio universal tirando o direito de o povo votar em quem quisesse, digo que mágoa seria muito pouco para sentirmos daqueles que foram responsáveis diretos ou indiretos pela atual situação das coisas. Pois, se é verdade que Bolsonaro é uma figura execrável e negacionista da própria pandemia, também é verdade que o capitão não chegou como que num passe de mágicas no Planalto, mas foi o fruto podre de um golpe responsável pelo assassinato de Marielle – mantendo sem nenhuma resposta mesmo após 3 anos – e garantiu os mais duros ataques contra a classe trabalhadora brasileira. Desta forma, se o regime do golpe ensaia um possível retorno de Lula ao tabuleiro de xadrez golpista, não se trata de um repentino arrependimento do golpe e de seus frutos, mas da eventual necessidade de ter sob as mangas uma saída que de conta de um possível levante social – distante por ora – fruto do agravamento da crise e da pandemia. Tarefa pela qual Lula e PT passaram com louvor durante seus anos de governos.

 
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