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8 DE MARÇO
Entrevista: professoras de MG falam dos desafios da volta às aulas e da luta das mulheres
Redação Minas Gerais

Entrevistamos Nathássia Cássia, professora da rede estadual de MG e municipal de Belo Horizonte, e Zuca Falcão, professora da rede municipal de Contagem e militante do grupo Nossa Classe Educação.

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Foto: Ramon Bittencourt

ED: Os trabalhadores da educação são em sua maioria mulheres. A pandemia mostrou como as professoras são essenciais, mas também mostrou essa categoria não teve condições mínimas de trabalho. Setores da direita dizem que durante a pandemia os professores foram privilegiados e receberam seus salários sem trabalhar. Como foi o ensino remoto na rede em que vocês trabalham?

Nathássia: O ensino remoto emergencial foi muito trabalhoso nas duas redes em que trabalho (rede municipal de Belo Horizonte e rede estadual de Minas Gerais). Em ambas as redes ficamos um curto período sem trabalhar até que saíssem as primeiras orientações, assim como custeamos nossas ferramentas de trabalho.
Outro ponto em comum foi a busca ativa. Muitos alunos ficaram desmotivados com o estudo e pararam de entregar as atividades ou perderam contato com a escola por não ter acesso a internet e os pais disponibilizarem o celular somente em horários não comerciais. Também tivemos famílias que não se esforçaram em saber se e quando a escola começou a fornecer alguma forma de ensino.
Também fomos convidados a nos atualizarmos usando nosso tempo legal destinado para a preparação das aulas. Pudemos fazer formações de livre escolha assim como algumas que foram ofertadas pelas redes. A oferta foi bem maior na rede municipal, mas a maioria não foi voltada para efetivamente nos ajudar com o ensino remoto.
Em relação aos conteúdos, no início do distanciamento social a Secretaria Municipal de Educação de BH (SMED-BH) pediu que as escolas mantivessem contato com suas comunidades escolares. Para isso, montamos as redes sociais da escola e desenvolvemos diversos conteúdos para postagem, lives e sorteios. Também mantivemos contato com as famílias por telefone. Era comum extrapolarmos nossos horários de trabalho para conseguir contatar as famílias fora do horário comercial para que os responsáveis pudessem nos atender.
O ensino remoto teve início no mês de Outubro para toda a rede depois que o governo estadual se recusou a receber os alunos em turmas de finalidade ou que desejassem transferência sem o cumprimento da carga horária mínima. Recebemos liberdade de trabalho, uma lista de conteúdos básicos para o período com base na BNCC, mas nenhum suporte material. Somente em Dezembro conseguimos autorização para imprimir atividades para alunos sem acesso à internet num processo moroso e burocrático devido ao fechamento das reprografias nas escolas.
Elaborar as atividades foi uma tarefa árdua pois precisamos elaborar os textos explicativos de forma resumida e simplificada para que o volume de cópias fosse o menor possível, com qualidade razoável no preto e branco, em arquivos pequenos evitar sobrecarga de memória dos celulares das famílias dos estudantes e ainda promovesse o autodidatismo sem o livro didático em mãos.
Por outro lado, a rede estadual, por meio da Secretaria Estadual de Educação(SEE-MG) elaborou aulas remotas transmitidas pela TV Minas e pelo Youtube e o Plano de Estudos Tutorados (PET’s). Ao contrário da rede municipal, não tivemos qualquer autonomia de trabalhos, o aplicativo Conexão Escola teve muitos problemas, o Diário Escolar Digital (DED) foi liberado também com vários problemas na funcionalidade somente ao final do período de Ensino Remoto. Nossa forma de trabalho foi muito instável e estressante devido a mudança constante e intempestiva das orientações fornecidas a todos os funcionários da escola, a demora em ofertar a possibilidade de impressão do PET para as famílias sem acesso à internet. Não houve oferta de posterior de PET impresso para as famílias que ficaram em fragilidade econômica depois do período de solicitação do material à SEE.
Também tivemos problemas com nossos salários. O desconto do vales-transportes foi realizado de forma confusa e errônea, causando redução real dos nossos salários. A legislação suspendeu o pagamento do benefício para todos os trabalhadores estaduais em trabalho remoto. No entanto, os professores continuaram com os devidos créditos e débitos referentes ao benefício com desconto dos valores referentes ao mês anterior. O problema ocorrido foi o desconto do valor bruto e não do valor líquido depositado me nossas contas.

A professora Nathássia Cássia

Zuca: Eu trabalho na rede municipal de Contagem, e aqui na rede o Ensino Remoto tem sido uma dificuldade muito grande pras professoras, porque não deram o mínimo de estrutura, como um computador e uma internet decentes pra gente trabalhar.
Também há uma pressão e uma cobrança muito grande, vinda da Secretaria de Educação e reproduzida pela diretoria, de fazer a gente "mostrar serviço" sendo que não tinha o que mostrar, visto que eles nos deram o mínimo, sequer os estudantes tiveram quaisquer condições de receber nosso serviço. Ficamos sem orientação direito, sem contato com os alunos, sofrendo essa pressão de assédio de, muitas vezes, duas escolas, porque a maioria de nós é forçada a isso pela precariedade e baixos salários da categoria.
É chocante que meus colegas da rede estadual aqui de Minas disseram que as escolas agora estão retornam o ensino remoto e a única orientação da Secretaria de Educação é como preencher Diário Eletrônico e como contabilizar PET. Tratam a escola e a educação como um escritório do Zema, em que os professores e os estudantes viraram executores de tarefas.
Além de tudo, muitas professoras também são mães. Já tínhamos duplas, triplas ou até quádruplas jornadas, e esse tempo todo estivemos em casa trabalhando e acompanhando nossos filhos enfrentando o Ensino Remoto na sua formação. Minha filha estuda na rede estadual, e ela recebeu uma apostila absurda do governo Zema, que deixa os estudantes com muitas dúvidas, que a gente precisa ajudar. Ou seja: como sempre os trabalhadores e trabalhadoras fazendo de tudo para amenizar essa situação, como mostraram as trabalhadoras da saúde também.
Então foi, e tem sido, um período péssimo, de muita tensão também e preocupação com nossos alunos, os seus familiares, as trabalhadoras ASBs, não por acaso uma maioria negra, que a gente viu ser quem mais morre pela Covid e mais sofre com o desemprego e a miséria.

ED: Os governos de todo o país estão retornando com as aulas presenciais, conforme exigem políticos direitistas como a vereadora Flávia Borja, do Avante em BH, que está mais preocupada com os artistas ensinados em sala de aula para os estudantes do que com as condições das escolas para um retorno presencial. Contem para nós como está a situação com relação ao retorno das atividades presenciais da rede de educação em que trabalham?

Nathássia: Considero as condições propostas para o retorno alarmantes. Os protocolos propostos não contemplam as necessidades de uma rotina escolar sanitariamente segura. Entendo que isso acontece porque os professores não foram ouvidos no momento da elaboração desses documentos.
Todos eles consideram uma disciplina foucaultiana dos corpos das crianças e adolescentes inexistente. Um dos argumentos amplamente usados para justificar o retorno é a piora da saúde mental dos estudantes decorrente do afastamento dos pares. A avidez pelo contato depois de mais de um ano de isolamento causará desordem e desrespeito às medidas sanitárias. Sinto-me incapaz de medir em qual grupo o contato será maior. Por um lado, as crianças, especialmente as da Educação Infantil, precisam do contato físico para o aprendizado e tem dificuldades em manter a higiene por si mesmos. Por outro lado, quebrar regras faz parte do desenvolvimento psicológico saudável da adolescência.
Outro problema muito preocupante são as necessidades sanitárias para um bom funcionamento das escolas que foram desconsiderados pelos infectologistas. Faz-se necessário acrescentar a contratação de mais profissionais para a limpeza e fornecimento de merenda, profissionais da educação para a manutenção do ensino híbrido, adequação dos espaços físicos previamente ao retorno, testagem constante da comunidade escolar, organização dos deslocamentos dos alunos para alimentação e utilização de sanitários que respeitem suas necessidades fisiológicas, como funcionaram os espaços para isolamento de estudantes que apresentem sintomas da Covid na escola entre outras medidas.
Soube que foram enviados materiais de limpeza ou foram disponibilizadas verbas para a compra. No entanto, não foram enviados ou ocorreu a disponibilização de verbas para compra de EPI’s. O microfone pessoal para professores não é considerado como EPI e coloca a voz dos professores em risco ao falarem por horas de máscara.
As escolas da rede municipal de BH estão em obras de adequação. No entanto, o mesmo não ocorre na rede estadual de Minas Gerais.

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Zuca: Apesar de ter uma pressão por parte dos empresários da educação privada pelo retorno, pra que eles não carreguem sozinhos a culpa pela alta de contaminações e mortes, ainda não tem indicativo de retorno presencial em Contagem. Mas ficamos na tensão, porque nacionalmente muitos governos estão mostrando sua verdadeira cara, por exemplo o Doria que quer "combater a pandemia" com retorno das escolas e toque de recolher, totalmente irracional.
Por exemplo se avança o plano de retorno presencial facultativo da rede estadual, as escolas em Contagem reabrem, e isso é uma grande pressão.
Vale ressaltar que esse retorno facultativo é criminoso, porque Zema quer que a gente assine um "termo de compromisso" que é quase um atestado de óbito, sob nossa responsabilidade, dos nossos filhos e familiares. Ele e todos os governadores, independente se são mais alinhados ou não ao governo federal genocida de Bolsonaro e Mourão, são culpados pelas mortes pela Covid, não nós.
Mas aqui em Contagem, de qualquer forma, continua a situação do ano passado: sem estrutura, nem para professores nem para estudantes, e menos ainda para os trabalhadores mais precários, como os auxiliares de secretaria e as terceirizadas da empresa contratada pela prefeitura para a limpeza e a alimentação. Esses já retornaram presencialmente, com seu vale alimentação e seu vale transporte cortados, e houveram casos de contaminação e duas mortes em BH. O governo de Marília Campos, do PT, mostra que também não se preocupa com professores, estudantes e outros trabalhadores, apesar da demagogia.

A professora Zuca Falcão

ED: Em São Paulo os professores e professoras têm respondido a essa situação com greve. Que resposta as educadoras de Minas Gerais podem dar?

Nathássia: O SindRede (sindicato dos trabalhadores em educação municipais de Belo Horizonte) e o Sind-Ute (sindicato dos trabalhadores em educação do estado de Minas Gerais) são contra o retorno no momento atual e se preparam para uma greve sanitária caso os governos efetivem o retorno presencial sem as condições sanitárias adequadas.
Os professes entendem a necessidade e a importância da continuidade dos estudos e, por isso, entendem que o ensino remoto emergencial deve ser mantido. Queremos muito voltar à sala de aula. Para que isso aconteça, precisamos de segurança sanitária para toda comunidade escolar.

Zuca: Ao contrário do papel que querem nos impor, temos que lutar pra que seja os trabalhadores da educação e a comunidade escolar que defina como e quando será possível retornar as aulas presenciais e as melhores condições para isso. Se torna cada vez mais claro que isso é muito mais factível do que esperar de Bolsonaro, Zema, o Congresso, o Judiciário, etc, qualquer intervenção a nosso favor nessa crise. Ao contrário: quando vemos, e temos visto, brechas entre "os de cima" é quando mais precisamos nos organizar por baixo!
Vivemos em um regime político que se cristaliza cada vez mais à direita, a cada ataque que é aprovado e implementado, a cada record de mortes por Covid, a cada caso de feminicídio, transfeminicídio, racismo, violência policial... Mas com isso não podemos concluir que não há o que fazer, por isso os professores de São Paulo são um exemplo, apesar da sua direção sindical manter sua greve isolada.
Os trabalhadores da educação estadual e municipal de Contagem são organizados em sindicatos da CUT, exatamente como o sindicato de professores de São Paulo e de tantos outros Estados e municípios. Mais do que isso: a CUT dirige Petroleiros, bancários, eletricitários, metalúrgicos, trabalhadores da saúde na Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais, e incontáveis categorias. Mesmo assim, na minha categoria o sidicato não fala da greve em São Paulo, nem da luta dos petroleiros, menos ainda organiza ações coordenadas para fortalecer nossa categoria e nossa classe para que nós sejamos sujeitos das transformações necessárias e urgentes.
No caso de Contagem certamente há um agravante: como organizar os trabalhadores para se enfrentar com um governo do mesmo partido da direção do sindicato - e da própria CUT? Então lidamos com essa burocracia na direção do nosso sindicato e precisamos forçá-los a se mover. A esquerda deve cumprir um papel nesse sentido, de exigir das direções petistas que abandonem seu imobilismo (útil apenas para as eleições de 2022, e não para resolver nossas demandas agora) e organizem nossa categoria e nossa classe.

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ED: Nesse 8 de março, o que vocês têm a dizer sobre a luta das mulheres e dos trabalhadores?

Nathássia: Percebo que cada vez mais os trabalhadores estão mais fragilizados em decorrência da pandemia. Os líderes do sistema econômico atual aumentaram a exploração sobre os trabalhadores, retiram direitos e se articulam para aumentar ainda mais seus lucros por meio da redução dos custos de produção pela uberização, isenções fiscais, redução de gastos trabalhistas e o não fornecimento das ferramentas de trabalho.
No tocante às mulheres, a fragilização é maior uma vez que foram as primeiras a serem demitidas e seremos a últimas a serem recontratadas diante do discurso da crise econômica e do suposto gasto extra decorrente da maternidade. Os estudos também têm mostrado um aumento da jornada extra e a violência doméstica contra as mulheres que conjuntamente ao cenário trabalhista promovem uma saúde psicológica e psiquiátrica mais fragilizada.
A estratégia liberal de desestabilização dos trabalhadores pelo ataque constante tem funcionado, mas em algum momento a exploração será tamanha que a população vai se revoltar. Espero que essa revolta possa acontecer o mais breve possível, antes que a exploração seja ainda maior.

Zuca: A luta das mulheres e dos trabalhadores tem que ser uma só. Eu percebo na minha profissão como temos que lidar com questões que atravessam todos os problemas da sociedade, ainda mais na pandemia: o aumento da violência doméstica, o abandono escolar, a piora na situação das famílias que agora não contam nem com auxílio emergencial. Nossos estudantes na rede pública são filhos das classes trabalhadoras e muitas vezes eles também precisam entrar cedo no trabalho precário pra ajudar na renda familiar, cada vez mais precários como as entregas por aplicativos, vendendo balinha nas ruas, etc.
É uma situação que tem se aprofundado na pandemia, fruto de ataques que foram aprofundados no governo Bolsonaro e seu negacionismo, que se aproveita disso para retirar ainda mais direitos de trabalhadores. E nós trabalhadoras e negras somos mais atacadas nesse sentido.
Esse 8 de março é uma oportunidade para que o movimento de mulheres sirva como uma alavanca para a luta de trabalhadores, contra o governo de Bolsonaro e Mourão e esse regime golpista, porque são eles que aprofundam ainda mais essa precarização, que como sabemos tem rosto de mulher e de mulher negra. Mas sabemos que a luta contra o patriarcado e o capitalismo também terá nossos rostos à frente.

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