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ATRÁS DO TRIO ELÉTRICO
Há 70 carnavais, o trio elétrico saía às ruas pela primeira vez
Gabriel Girão

Neste carnaval sem festa devido à pandemia de Covid-19, trazemos aqui a memória de um dos símbolos do carnaval baiano, também mostrando suas contradições.

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O carnaval de 2021 será diferente. Após mais de um ano da detecção do novo coronavírus, até agora a burguesia não foi capaz de conter a pandemia apesar de todo avanço científico e técnico com relação a pandemias passadas, dando mais uma prova da decadência do capitalismo. Com isso, os festejos de carnaval foram cancelados, deixando foliões sem sua festa, assim como uma série de trabalhadores do ramo sem renda nesse período.

Este carnaval seria marcado pelos 70 anos da invenção do trio elétrico. Aqui, alguns podem questionar o fato que esses 70 anos teriam sido comemorados supostamente ano passado. Sim, é verdade, pois a narrativa oficial de um dos seus inventores falava que o trio teria sido inventado em 1950. No entanto, estudos históricos recentes mostram que a real data da primeira aparição do trio foi em 1951, ainda que na cultura popular ainda se mantenha a data antiga.

Os inventores do trio foram os baianos Adolfo Antonio Nascimento, o Dodô, e Osmar Alvares de Macedo. No entanto, o trio não foi seu primeiro invento. Antes disso, na década de 40, tinham inventado um instrumento que também virou ícone do carnaval baiano: o pau elétrico, também conhecido como guitarra baiana. Dodô era radiotécnico e Osmar era mecânico e ambos tocavam no conjunto Três e Meio, de Dorival Caymmi. Ao assistirem o show do violonista Benedito Chaves, com um violão elétrico, ficam encantados pelo instrumento e resolvem construir o seu próprio violão elétrico. No entanto, assim como o violão de Benedito, os primeiros protótipos apresentavam o problema de microfonia. Após vários testes descobrem que usando um pedaço de pau maciço conseguem resolver o problema. E assim estava pronto o pau elétrico. Também foi na década de 40 que começam a surgir pelos mundo a primeiras guitarras elétricas consagradas, que conseguiam resolver o problema da microfonia. Dessa forma, a solução encontrada e a invenção dos baianos se deu de forma paralela e concomitante a dos inventores das guitarras consagradas hoje mundialmente. Como diz a música:

Antes do Gringo, a guitarra ele inventou (...) Logo depois da guerra/ Dois baianos sem compromisso/ Na minha terra Bahia/ Descobriram que o cepo maciço/ Evitava o fenômeno da microfonia/ E assim, com o nome de pau elétrico/ Nascia um dia a guitarra na Bahia, Bahia, Bahia

Cabe aqui dizer que muito antes da invenção do trio, já existia carnaval de rua na Bahia. O percursor dele foi o entrudo, brincadeira que havia em Portugal, onde mulheres e homens jogavam bombas de água e farinha um no outro. Em meados do século XIX foi proibido e a elite tentou estigmatizar a brincadeira como “bárbaro”, “incivilizado” e tentado associar a cultura afro-baiana. Curiosamente, muitas vezes o único papel dos escravos em tal brincadeira era de meramente organizar as bombas do senhor. E mesmo os negros libertos muitas vezes tinha regras mais restritivas nas brincadeiras que os brancos.

Enquanto os carnavais de “salão” já vigoravam desde meados do século 19, na década de 1880 começam os cortejos de rua. Por um lado, várias associações carnavalescas de elite fazem isso como forma de conter o entrudo. No entanto, também começam a surgir várias associações populares, como batuques, blocos e a primeira onda dos afoxés. Mais tarde, surgem também as batucadas e os cordões. Muitas desses festejos e associações carnavalescas estavam ligados à comunidade negra de Salvador, de forma que era constante a perseguição por parte do Estado, que chegou a proibir todos os clubes afrocêntricos de 1905 a 1914. Após a revogação da proibição, as manifestações populares entram em crescimento acelerado enquanto os clubes de elite entram em crise.

Foto: Embaixada Africana, primeiro Afoxé, surgido em 1885. Fonte: http://portalsoteropreta.com.br/afoxes-por-diferentes-pontos-de-vista-os-primeiros-passos/

Bom, voltando aqui para o trio. No pré-carnaval de 1951 desfila pelas ruas de Salvador o bloco pernambucano Vassourinhas. Com dezenas de músicos, o bloco arrastou multidões pelas ruas de Salvador, inclusive Dodô e Osmar. Impactados com o bloco, tiveram uma ideia: equiparam um Ford T 1929 – a Fobica - com um sistema de áudio. Então, no carnaval do mesmo ano, os dois subiram no carro e, junto a um grupo de percussão, saíram pelas ruas de Salvador tocando frevos improvisados no pau elétrico. A dupla elétrica foi um sucesso e no ano seguinte incorporaram Temístocles Aragão, virando o trio elétrico. Essa história é bem ilustrada pela música abaixo:

Foto: Fobica desfilando pelas ruas de salvador; Fonte: https://www.redalyc.org/pdf/5044/504450769008.pdf

Mesmo com mudanças de composição nos seus integrantes, o nome trio elétrico pegou e ficou associado não apenas com a banda: nos anos seguintes foram pipocando novos trios elétricos nos carnavais. Na década de 60, os inventores do trio deixam de sair com seu trio próprio, mas já havia muitos outros. Com a música “Atrás do Trio elétrico” de Caetano Veloso, em 69, os trios começam a ficar muito conhecidos nacionalmente.

Em 1975, Dodô e Osmar se reúnem novamente para a comemoração do Jubileu de Prata do Trio Elétrico. Dessa vez, sua banda conta com novos integrantes, como o guitarrista Armadinho, filho de Osmar, dentre outros. E assim, fica rebatizado como o Trio Elétrico de Armadinho, Dodô e Osmar. Até hoje, mesmo com a morte de Dodô em 78 e Osmar em 97, o Trio de Armadinho, Dodô e Osmar circula pelas ruas no Carnaval, sendo levado a frente por Armandinho.

Até essa época, o trio elétrico não tinha cantores. No entanto, o trio de seus inventores recebia visitas constantes. E uma dessas visitas era Moraes Moreira - que fez várias parecerias com a banda após deixar os Novos Baianos. Moraes adapta a música Double Morse do Trio e coloca uma letra. Surge então a música Pombo Correio, que Moraes consegue cantar no trio elétrico. E assim, se torna o primeiro cantor de trio.

Na década de 80, surgem novos trios que conseguem melhor substancialmente a qualidade do som. Ao mesmo tempo também surge o axé, que se torna o estilo musical baiano com maior repercussão nacional e internacional. No entanto, o capitalismo começa a impor sua lógica ao trio elétrico. Começam a surgir os “abadás”: agora muitos blocos com trio cobram entrada para quem quiser participar.

A elitização dos blocos vai no caminho oposto que os idealizadores tinham pensado. Pensando em colocar a festa para a rua em oposição aos carnavais de salão, agora os “salões” estão na rua, com as cordas separando os foliões com ou sem abadá. E aí, também a questão racial se faz presentes: enquanto os foliões são em sua maioria brancos, os trabalhadores são em sua maioria negros. Evidentemente, alguns trios elétricos não adotaram tal prática e continuam a fazer o desfile de graça, a chamada “pipoca”. Nesse, encontra o Trio de Armandinho, Dodô e Osmar.

Nesse carnaval em que não há nada a comemorar, enquanto a pandemia já ceifou quase 250 mil vidas apenas nas cifras oficiais trazemos essa breve nota pegando um pouco do histórico de uma das maiores atrações do carnaval baiano. Aliás, esse também seria o primeiro carnaval sem Moraes Moreira, morto ano passado. Infelizmente ao contrário do que ele cantou, esse ano o trio elétrico não balançará o chão da praça.

 
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