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OPINIÃO
De Clausewitz ao sindicalismo brasileiro
Bibi

Acabo de terminar de ler "Da Guerra" de Carl von Clausewitz. Este importante tratado militar escrito em meados do século XIX, mencionado por Friederich Engels em cartas à Karl Marx, é a base teórica-estratégica de importantes dirigentes da esquerda revolucionaria como Vladmir Lenin e Leon Trotsky. As analogias possíveis com a política, e em especial com a política do proletariado, são inúmeras. Algumas são mais gritantes e servem de base à crítica do movimento operário atual.

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Da guerra de classe ao "xadrismo sindical"

Clausewitz define as guerras predominantes da idade média como guerras que perderam o essencial da guerra, a derrota do adversário, a vitória completa, o alcance maximo do objetivo, e deram lugar a guerras que mais pareciam xadrez, onde os adversários travavam pequenas batalhas, com poucas baixas, e tentavam dar um "xeque mate" para negociar a paz e conseguir melhores acordos, muitas vezes sem mesmo a necessidade do combate, apenas com o posicionamento da tropa.

Bonaparte pôs fim a isso com sua tropa oriunda da Revolução Francesa, indo para guerra para destruir o adversário, buscar a decisão e alcançar o objetivo máximo. Se aproximou assim, do que o autor chama de guerra absoluta.

No movimento sindical brasileiro vemos acontecer o inverso do descrito pelo general prussiano. O sindicalismo combativo, que encarava os conflitos como verdadeiras guerras de classe deu lugar (principalmente com o petismo) ao "xadrez sindical", em que as greves são apenas movimentações e ameaças para se conseguir pequenos acordos melhores. Deixa-se de existir a preparação para grandes conflitos, pois o objetivo não é mais a derrota da classe dominante, que em ultima instancia significa a revolução como norte estratégico (Clausewitz desenvolve a importância do objetivo de guerra para sua preparação, condução e energia utilizado). Exemplo claro dessa forma de sindicalismo é visto nas greves rotineiras de script de importantes categorias como bancários e correios.

Importantes princípios da condução da guerra como buscar o centro de gravidade do inimigo, concentrar todas as forças em uma única batalha decisiva e utilizar a vitória da batalha deram lugar a uma resistência passiva (onde a ofensiva não existe) posicionada dispersivamente em cordão (analogia devido ao isolamento em que cada conflito é conduzido), pior tipo de guerra na opinião de Clausewitz. Não à toa diversos ataques profundos à classe trabalhadora passaram sem combate como por exemplo as contemporâneas relações de trabalho flexibilizadas e terceirizadas, mesmo em importantes bastiões da classe operária brasileira como as grandes montadoras.

Esse processo de transformação não se dá de forma espontânea e natural, mas sim com o fim da perspectiva revolucionária advinda da restauração burguesa dos anos 1990 e o fortalecimento das burocracias sindicais que tentam a todo custo fazer com que os conflitos não fujam do controle.

A adaptação da esquerda ao "modo petista de militar

Infelizmente, a esquerda brasileira, historicamente forjada de forma adaptada a este cenário (que podemos chamar de "modo petista de militar") não apresenta práticas muito diferentes. A recente greve da GM de Sao Jose dos Campos-SP, dirigida pelo PSTU, que tinha enorme disposição da base, não teve objetivo maior, por parte da direção, do que conquistar lay offs. Não houve sequer a tentativa de fazer a defesa passiva passar para a ofensiva e o conflito se manteve isolado. Uma verdadeira falta de ímpeto da direção em uma batalha central, que poderia resultar em inflexão na luta de classe e dar um exemplo para o conjunto da classe trabalhadora. A CSP-Conlutas não cumpriu nenhum papel neste conflito nesta direção.

Neste mesmo sentido a CSP-Conlutas também deve ser examinada. Substancialmente diferente das outras centrais em seu conteúdo político anti-governista e com maior democracia operária, comparando com CUT e CTB (não faz sentido a comparação com a Força Sindical e demais centrais pois se tratam de máfias sindicais), imita a lógica dessas centrais, colocando como foco ganhar novas fortalezas (sindicatos) a todo custo sem prepará-los para a guerra (luta de classes), ao invés de forjar camadas revolucionárias no interior das categorias para ganhar essas fortalezas com maior preparação e assim ter utilidade na luta de classes. Essa prática do sindicalismo brasileiro, em que disputar fortalezas se sobrepõe a capacidade de intervir e ser vitorioso na guerra é amplamente condenada por Clausewitz por causar dispersão, impossibilitar enfrentar grandes batalhas e consequentemente separar a tática da estrategia.

O exemplo argentino

Na contramão disso vemos o exemplo do PTS argentino. Sua política no movimento operário, ao invés de se dispersar em várias disputas de aparatos sindicais que futuramente não iriam servir para muita coisa, concentraram muita força em bastiões industriais para conseguir transformar conflitos defensivos em ofensivos (forma superior de defesa, segundo o autor de Da Guerra), como exemplo as ocupações de fábrica e o controle operário da produção visto em Zanon, Donelley e Wordcolor.

Mesmo os conflitos em que não foi possível um movimento ofensivo, a lógica militar esteve presente, concentrando todas as forças para a vitória do conflito, buscando de todas as formas a decisão, como é o caso de Lear e Gestamp. Resgataram o conceito de Lenin de greve como escola de guerra e, mesmo sem vitórias, deram enorme exemplo para o conjunto da classe trabalhadora argentina que se pode e se deve enfrentar a patronal e o governo e buscar objetivos audazes.

Importante ressaltar que o que permitiu essa atuação nos conflitos de Zanon, Donelley e Wordcolor, foi ter como princípio norteador o Programa de Transição de Leon Trotsky. Este, ao invés de sua estéril interpretação livresca e dogmática ou sua adaptação ao pior do sindicalismo como é a sua versão morenista, dá a conflitos defensivos da classe operaria objetivos que os permitem se tornar ofensivos.

Uma saída para enfrentar os ataques presentes

É com esse espirito de resgatar o pensamento estratégico de Clausewitz que no Brasil, o MRT, organização irmã do PTS argentino, propõe a formação de um movimento nacional contra os ajustes, que rompa com esse rotineirismo "xadrista" do sindicalismo nacional, e coordene, unifique e cerque de solidariedade as batalhas dadas pela classe que hoje se encontram isoladas, numa verdadeira lógica de guerra de classe. Isso se difere da propaganda em abstrato de greve geral do PSTU (a greve geral é o melhor método da classe operária ir para ofensiva, antes da insurreição propriamente dita, a questão é se ela é possível hoje) enquanto as lutas se mantém isoladas. Para isso é preciso se diferenciar da burocracia sindical, que vai na contramão da luta operária contra o ajuste, e manter-se independente dela.

Por isso a participação do PSOL na Frente Povo Sem Medo junto a CUT e CTB é totalmente absurda e impossibilita o surgimento de uma força politica independente do proletariado. Para Clausewitz, o melhor para a guerra é a "unidade de planos e concentração das forças", porém quando duas tropas combatem um inimigo comum com objetivos diferentes, "é preferível uma separação completa do que uma meia separação", assim "os encargos a suportar cada qual só arca com aqueles que lhe equivalem" e se essas forças estão juntas "a má vontade de um paralisa a energia do outro". Essas reflexões dão luz a como encarar a questão, "golpear juntos e marchar separados" entendendo que o objetivo das forças governistas é, alem de combater a direita, sustentar o governo, e controlar o movimento operário, objetivos totalmente contrários ao da classe trabalhadora, o que torna a Frente ainda mais escandalosa.

Para concluir

As analogias possíveis de Clausewitz com a política do proletariado, em suas diversas esferas (como teoria, estrategia, analise histórica) são inúmeras. Aqui tentei focar estritamente no movimento operário, porém com vários limites, e um sem número de outros artigos com o mesmo objeto de análise utilizando Clausewitz é possível. Finalizo o texto relembrando uma frase de Lenin em que afirma que é impossível ser marxista até o final sem estudar Hegel. Afirmo com clareza que, nos dias de hoje em que o pensamento estratégico da revolução proletária foi perdido ou degenerado mesmo nas correntes políticas oriundas da IV Internacional, é impossivel se afirmar trotskysta sem estudar profundamente Clausewitz e retomar o pensamento estratégico.

 
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