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DEBATES NA ESQUERDA
Flavia Valle: “Precisamos de uma esquerda que enfrente Bolsonaro e o regime do golpe”
Redação Minas Gerais

O Esquerda Diário conversou com a professora Flavia Valle, candidata a vereadora em Contagem sobre os desafios da esquerda em Minas Gerais e no Brasil diante das primeiras eleições no governo Bolsonaro.

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Na sua opinião qual o desafio da esquerda diante das primeiras eleições no governo Bolsonaro?

Essas eleições apesar de municipais são mais nacionais do que nunca. Viemos repetindo isso muito, porque essa visão é essencial. São as primeiras diante do governo Bolsonaro, em que a pandemia da Covid-19 aprofundou os efeitos da crise capitalista, mas também mostrou como é a classe trabalhadora a que move o mundo. Enquanto a população sofre com o desemprego, as consequências da doença e a fome, o governo Bolsonaro avança na militarização da política e pactua com diversas alas do regime, como o Congresso e o STF, para aprofundar os ataques do golpe institucional, as reformas e as privatizações. Nesse cenário, os partidos de esquerda não podem fazer uma campanha vendendo a ilusão de que os problemas das cidades podem ser resolvidos pelo voto. As questões mais profundas que afetam a vida de cada trabalhadora e trabalhador no Brasil estão ligadas a grandes debates nacionais e o desafio da esquerda brasileira passa por se enfrentar com o bolsonarismo e as instituições que o mantém no poder para salvar um sistema em decadência, como é o capitalismo brasileiro. Essa é a perspectiva que defendemos em nossa candidatura.

E como você vê esse enfrentamento ao regime na política dos partidos de esquerda?

Esse é justamente o debate que viemos fazendo com a esquerda, pois muitas organizações acabam deixando de lado esse enfrentamento a todo regime do golpe. Entendo que dois são os erros fundamentais. Um primeiro que passa por considerar que nossa luta é apenas contra o governo Bolsonaro, ignorando todas as instituições do regime do golpe institucional, alimentando ilusões de que Rodrigo Maia, Kalil ou o STF golpista podem ser aliados nesse combate. E o outro que passa pela ideia de esperar 2022 para tirar Bolsonaro do poder pela via das eleições. Infelizmente, a maior parte da esquerda comete esses dois erros. Eu e meus companheiros do MRT estivemos na linha de frente da luta contra o golpe institucional, denunciando os interesses imperialistas por trás da lava jato, a prisão arbitrária de Lula, o processo de eleições manipuladas que nos levou a eleição de Bolsonaro em 2018 e cada avanço autoritários do judiciário e militares na política. Ao mesmo tempo nunca deixamos de apontar como foi essa estratégia de conciliação petista o que abriu espaço para fortalecer esses setores que depois se tornaram a base do bolsonarismo, como os partidos do centrão, os latifundiários, as bancadas fundamentalistas e religiosas. E que novamente nessas eleições estão coligados com partidos da direita e de empresários como faz a Marília Campos com o MDB golpista do Temer em Contagem, além de que estão em 140 cidades coligados com o PSL. A esquerda não pode repetir esse caminho de conciliação de classes do PT. Queremos debater com cada trabalhadora e trabalhador, com cada jovem, com cada mulher, negro e LGBT que não suporta mais esse governo reacionário da extrema direita que não precisamos partir do zero e por isso coloco a necessidade da esquerda batalhar para superar o PT pela esquerda.

Pode falar um pouco mais sobre a necessidade de superar o PT pela esquerda?

Quando digo superar o PT pela esquerda trata-se de não repetir esses erros, de apresentar uma alternativa de fato à conciliação. Ao invés de fazer diálogo e aceno para as grandes patronais, a esquerda deveria estar alertando para milhões em todo o país que não é possível haver uma saída pela esquerda para essa crise sem uma mobilização massiva nas ruas para enfrentar todas essas instituições golpistas, o que também só pode se dar com o poder da classe trabalhadora com seus métodos de luta, como as greves, e enfrentando as burocracias sindicais, como as da CUT e CTB, e das centrais patronais. E retomando os nossos sindicatos como instrumento de luta das e dos trabalhadores.

Por isso um chamado a construir um polo antiburocrático?

Construir um polo antiburocrático seria um passo adiante no desafio de unificar nossa classe contra as fragmentações que a burguesia impõe. O polo seria uma forma de organizar os setores que hoje se colocam como alternativa de esquerda às burocracias sindicais e políticas, para que possamos fazer esses debates e preparar as nossas lutas a partir também da experiência prática. Por exemplo, pensando apenas na realidade de Minas Gerais, seria a esquerda mover as suas forças junto a entidades e categorias que atua como na saúde, universidades, fábricas, refinarias, mineração, ocupações, desde as oposições em professores nos municípios e na rede estadual que se enfrentam há anos com a burocracia da CUT nessas entidades, para atuar urgentemente contra os ataques de Kalil, Zema, Bolsonaro e dos golpistas. Por exemplo: os trabalhadores da Petrobrás aqui em Betim estão sofrendo uma grande perseguição por lutarem contra o projeto de privatização de Bolsonaro e Guedes. Numa articulação desse polo debateremos quais medidas concretas podemos ter para fortalecer a luta para anular essas punições e exigir que as burocracias sindicais, de petroleiros, de professores, das mais diversas categorias de trabalhadores saiam da sua trégua e organizem nossa luta para enfrentar todos esses ataques. Esse é um exemplo, mas teria várias outros desafios como a questão da privatização do SUS, da CEMIG, da COPASA, a luta contra a Reforma Administrativa.

Sabemos que você defende uma assembleia constituinte livre e soberana em contraposição com outras alternativas, como o impeachment, defendido por setores da esquerda. Pode falar um pouco mais?

Com certeza! Pois esse é um debate fundamental. Quando debatemos contra a ideia do impeachment de Bolsonaro é justamente porque algumas correntes dizem que isso seria uma crise no regime, mas é uma posição que esconde uma adaptação a alas da burguesia, já que não podemos batalhar pra sair Bolsonaro e entrar um defensor da ditadura militar como Mourão. Além de que, na verdade, seria um fortalecimento do regime uma decisão deste tipo e não seu enfraquecimento, na medida em que entraria uma figura muito mais aprazível para setores mais amplos da burguesia. Outros setores se adaptam às saídas que o PT propõe de esperar até as eleições de 2022, esperando algum salvador da pátria. Escondendo que até lá a direita e a extrema direita irão fazer ainda maiores ataques contra nossos direitos, como se já não tivesse um forte pacto entre o centrão, o STF e o governo para atacar nossos direitos, simbolicamente representado naquele famoso abraço de Bolsonaro e Toffoli, para caso sejam eleitos em 2022 possam administrar um país muito mais degradado e possam colocar a culpa no bolsonarismo. Acabamos de ver as eleições norte-americanas onde Biden ganhou, mas trumpismo não foi derrotado e permanece como uma força social contra a classe trabalhadora, as mulheres, os negros e LGBT. Uma comprovação muito forte de que a extrema direita não pode ser derrotada somente pelas eleições ou por dentro das instituições desse regime capitalista. Ao mesmo tempo que vergonhosamente setores da esquerda brasileira defenderam o voto em Biden, abandonando qualquer perspectiva de uma política antiimperialista. Por isso, nós dizemos que tem que ser a população a decidir os rumos do país por via de uma nova assembleia constituinte que se enfrente com o conjunto desse regime podre do golpe institucional.

Parecido com o que vem acontecendo no Chile? Quais seriam as tarefas de uma constituinte como essa?

No Chile vimos a derrota da direita por uma ampla maioria da população favorável a uma nova constituição. Mostra contundente do rechaço de massas ao Piñera e à constituição do Pinochet. Mas a constituinte ainda vai acontecer, e está em curso muitas manobras que escondem que essa constituição só vai ser enterrada com a mobilização extra parlamentar da classe trabalhadora com métodos como greve geral, pois a gente sabe que as mudanças fundamentais dependem da ação de trabalhadores junto às mulheres, negros, LGBT, povos indígenas. E para nós os parlamentares são importantes se colocam seus mandatos como ponto de apoio para fortalecer essa luta extraparlamentar. Para derrotar a direita, nossa luta tem que ser nas ruas e nos organizando nos locais de trabalho e estudo. A extrema direita no Brasil morre de medo de uma constituinte livre e soberana pois sabe que isso significaria uma luta contra eles em primeiro lugar. Tanto assim que Ricardo Barros que é líder do governo no Congresso, defendeu uma constituinte tutelada, assim como fazem setores da direita que defendem uma saída reacionária frente ao rompimento do pacto de 1988. Pois uma constituinte livre e soberana tem que ser imposta por nossa luta, pra enfrentar a extrema direita. Por isso dizemos que é preciso mudar não apenas os jogadores, mas também as regras do jogo e lutarmos por uma constituinte que tenha como primeira tarefa a revogação de todas as reformas dos governos Temer e Bolsonaro. E que também possa defender o SUS, 100% público e controlado pelos trabalhadores, que ataque os privilégios de juízes e políticos para que sejam eleitos e ganhem o mesmo salário de uma professora. Tudo isso não será caminho pacífico. Terá respostas violentas das classes dominantes. Que só pode ser respondido com a auto organização dos trabalhadores.

Você esteve recentemente em uma roda sobre feminismo e eleições, vimos que os debates sobre a representatividade foram muito elogiados nas redes. Porque a ideia da representatividade por si só não significa se enfrentar com Bolsonaro, Mourão e os golpistas?

Nosso feminismo é um feminismo socialista. Como o de Rosa Luxemburgo que lutou frontalmente contra o reformismo. Como eu dizia antes, os parlamentares são um ponto de apoio, mas não substituem o papel dos trabalhadores. E tem que ser acompanhado com programa revolucionário e anticapitalista. A ideia de reformar o capitalismo já mostrou seu fracasso ao longo de todo século XX. A representatividade por fora de uma perspectiva de classe é facilmente usada pelos capitalistas pra retirar o conteúdo subversivo das lutas das mulheres, dos negros. Nem a sororidade irrestrita de que haveria identidade só por sermos mulheres. Como o feminismo de araque da Tábata Amaral que fala de feminismo, mas que vota a favor da reforma da previdência que acaba com a previdência de mulheres. Veja nessas eleições quantas pessoas da direita usando lemas como mãe vota em mãe, mulher vota em mulher! Por exemplo a candidata do Partido da Mulher Brasileira em Contagem, um partido que é base do bolsonarismo e tem em sua maioria homens, mas agora vestem um cara mais representativa, com uma mulher que em nada se assemelha às minhas companheiras professoras, as trabalhadoras da educação ou as jovens estudantes secundaristas que dou aula. Mesmo com toda a onda feminista dos últimos anos, nós assistimos estarrecidas uma jovem ser culpabilizada e humilhada pelo estupro que sofreu, numa sentença absurda que inocentou o agressor, mostrando qual é o caráter de fundo desse judiciário machista e patriarcal. Ou seja, o problema são as instituições que perpetuam a violência e a opressão contra as mulheres. A simples ideia de ter mais mulheres, negros e LGBTs no parlamento, por fora de uma perspectiva de classe, termina sendo uma armadilha desse sistema para tentar cooptar nossa luta e domesticá-la para se adequar a um “novo normal” incapaz de mudar as estruturas de um sistema em decadência. A luta das mulheres, negros e LGBT tem que estar ligada a luta de trabalhadores, que são sobretudo mulheres e negros no Brasil.

Por que se fechar ao municipalismo é um erro para a esquerda?

Se queremos realmente lutar contra Bolsonaro e o regime do golpe temos que dizer abertamente que não vai ser por dentro das instituições desse regime que iremos abalar as estruturas. Muito menos vender a ilusão de que é possível construir uma cidade para todos, como se não existisse interesses antagônicos entre os trabalhadores e os patrões que nos atacam, ainda mais em tempos de crise. O PT faz isso em Contagem falando de uma cidade feliz de novo que é um lema do velho petismo que administrou o país, além de ter governado estados e municípios junto com capitalistas, sendo eles próprios os implementadores de ataques como vimos recentemente com a reforma da previdência aprovada nos estados governados pelo PT. Os partidos que se dizem à esquerda do PT vem repetindo essa ideia. Em BH, por exemplo, a candidatura do PSOL e da Unidade Popular (UP) com Áurea Carolina e Leonardo Péricles defendem uma BH pra todos, uma BH de todas as vozes, lema da campanha deles. Belo Horizonte, que é uma das cidades que mais “produzem” milionários, é a mesma cidade que tem um dos maiores déficits habitacionais entre as capitais no país. Como podemos atender esses dois lados se os interesses de ambos são contrapostos? Para “governar pra todos” só mesmo repetindo a velha fórmula de conciliação de classes do PT que já sabemos no que deu: no fortalecimento da direita abrindo espaço para o golpe institucional. Esse não pode ser o papel da esquerda. Nossa luta é para que os capitalistas paguem pela crise. E, para isso, a grande luta está no enfrentamento com esse regime de conjunto e, nessas eleições, minha candidatura também faz essa batalha.

Então para encerrarmos, qual o chamado você faz para aqueles que assim como você querem lutar contra Bolsonaro?

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a todos os que estão construindo essa campanha militante, independente dos patrões e dos empresários, uma campanha financiada somente por aqueles que acreditam na força das nossas ideias anticapitalistas. Uma campanha que reúne trabalhadoras, trabalhadores, jovens estudantes e precarizados, mulheres, negros, LGBTs. Pessoas que acordam cedo e vão para as portas das fábricas, que compartilham nossos materiais pelas redes, porque, enquanto os golpistas e direitistas tem rios de dinheiros para suas campanhas, nós temos a força da convicção nessas ideias. Me orgulha muito poder representar esse projeto nas urnas, porque não é um projeto só nas eleições é um projeto das nossas vidas.

Existe um caminho para superar a miséria capitalista e ele pode ser construído dia a dia pela nossa atuação consciente. Nossa campanha é parte dessa batalha que vai muito além das eleições, e por isso temos tanta convicção. Nessa reta final queremos intensificar a construção da campanha, cada apoio é fundamental, do seu jeito, da forma que puder: divulgando em suas próprias redes virtuais os materiais de campanha, indicando o voto com amigos e familiares que ainda não falou, fazendo a contribuição financeira para campanha. Vamos aproveitar esse momento para fazer essas ideias chegar ao máximo de pessoas possíveis, dando esse combate contra Bolsonaro e o regime golpista. Com cada um sendo sujeito em construir essa alternativa e apresentando para aqueles que ainda não se convenceram que é possível uma outra perspectiva que supere o reformismo e a conciliação de classes. Essa é a nossa luta, que vai muito além das eleições.

 
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