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ESTADOS UNIDOS
No capitalismo a fome está sempre atrás da porta
Scott Cooper

Outra campanha para as eleições presidenciais dos EUA está quase acabando. E mesmo assim, praticamente não se ouviu uma palavra dos candidatos dos dois principais partidos acerca de uma das questões mais urgentes que afligem cada vez mais pessoas em todo o país: a fome.

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FOTO: Joshua L. Jones/Athens Banner-Herald/USA Today

Traduzido do Left Voice, parte da rede Esquerda Diário nos Estados Unidos.

No ano anterior à pandemia do novo coronavírus, cerca de 38 milhões de pessoas nos Estados Unidos - 12% da população do país - viviam oficialmente abaixo da linha de pobreza oficial do governo (US$ 25.750 por ano ou menos). Isso inclui mais de 15 milhões de crianças.

O nível de pobreza a nível federal no país mais rico do mundo, definido pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, é marcado pela quantidade mínima de dinheiro anual que os burocratas em Washington consideram que uma família precisa para pagar as necessidades básicas de vida: comida, roupas, abrigo e transporte. Até mesmo a maioria dos economistas capitalistas considera qualquer valor abaixo do dobro dessa quantia como "baixa renda". Não é de se admirar, então, que o número de pessoas nos Estados Unidos que vivem em famílias consideradas “sem segurança alimentar” - o que significa que têm acesso limitado ou incerto a alimentos suficientes para cada pessoa viver uma vida ativa e saudável - seja muito maior. Na verdade, cerca de uma em cada nove pessoas neste país luta contra a fome. Isso apesar de mais de 12% da população dos EUA receber vale-alimentação (SNAP, equivalente no Brasil ao “Bolsa Família”) - que são totalmente insuficientes.

Eu mencionei que os Estados Unidos são o país mais rico do mundo? Claro, você provavelmente sabia disso. Você também deve ter lido que pelo menos mais 8 milhões de pessoas caíram na pobreza oficial desde o início da pandemia.

Pessoas nos países mais pobres do mundo - superexplorados pelo imperialismo norte-americano - estão sujeitas ao empobrecimento e à fome em uma escala difícil de imaginar nos Estados Unidos. Em 11 de setembro de 2001, quando cerca de 3.000 pessoas foram mortas nos infames ataques terroristas ao país, cerca de 35.000 homens, mulheres e crianças morreram de fome em todo o mundo. Mas como pode ser a fome um problema persistente na rica América do Norte, mesmo quando não se tinha nenhum coronavírus devastando a economia? E por que a fome nunca fez parte dos debates ou discursos de campanha de Joe Biden ou Donald Trump?

Acontece que a resposta para ambas as perguntas é a mesma: capitalismo.

Alimentos como mercadoria

Sob o capitalismo, os alimentos não são produzidos para alimentar pessoas. São produzidos porque as pessoas precisam comer, e vender comida para essas pessoas é uma forma de obter lucros.

No capitalismo, a comida é uma mercadoria, o que Karl Marx define como “um objeto fora de nós, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz as necessidades humanas de algum tipo ou de outro. A natureza de tais necessidades, se, por exemplo, surgem do estômago ou da imaginação, não faz diferença”. Os capitalistas simplesmente salivam com essa definição. Eles trabalham incessantemente na mercantilização - subordinando tudo e qualquer coisa que eles podem à lógica do capitalismo - para que possam nos forçar a tratar essas coisas em termos de seu valor monetário ou de troca. Não importa o que seja: comida para satisfazer a necessidade que surge no estômago é um exemplo óbvio e fisicamente tangível, mas isso vai até à “amizade” no Facebook. Marx explica que não importa se "o objeto [...] satisfaz essas necessidades [...] diretamente como meio de subsistência ou indiretamente como meio de produção".

Com a comida como mercadoria, não é de se admirar que as pessoas em todo o mundo passem fome e cheguem a morrer de fome. Se o alimento não pode ser mercantilizado, não importa que tenha valor de uso para os humanos. Não há dinheiro nisso para o capitalista. O fazendeiro que cultiva alimentos que não podem ser vendidos não tem incentivo sob o capitalismo para alimentar os famintos; se não puder ser vendido, ele simplesmente o deixará sem ser colhido ou, às vezes, até destruirá o que já colheu.

Segundo a lógica do capitalismo, ninguém se importa se você passa fome ou se seus filhos estão desnutridos. Se você não tem dinheiro para comprar produtos alimentares, o problema é seu. Se você tiver recursos, a indústria de alimentos multibilionária ficará feliz em lhe vender algo para comer. Essa regra simples é a mesma, quer você pague em dólares americanos ou em franco congolês, a moeda do país mais pobre do mundo.

Essa indústria, aliás, é uma das mais concentradas do mundo. Dez empresas de alimentos controlam quase todos os itens que você compra nos mercados dos Estados Unidos. Isso inclui até mesmo marcas icônicas que enganaram a maioria das pessoas, fazendo-as pensar que representam coisas diferentes - como a Ben&Jerry’s, a empresa de sorvetes de propriedade da Unilever.

A base do capitalismo consiste em não garantir nenhuma das necessidades da vida, apenas em ganhar dinheiro com a venda dessas necessidades. Assim como a saúde, no capitalismo dos EUA a alimentação não é um direito. Vale-refeição para os mais pobres, café da manhã e almoço gratuitos nas escolas públicas e todos as demais “prerrogativas” (palavra cínica usada pelos políticos capitalistas) relacionados à alimentação - existem porque a classe trabalhadora lutou por elas. Elas estão longe de ser suficientes - imagine as dores de fome das crianças em idade escolar durante todo o verão, quando esses cafés da manhã não são fornecidos - e podem ser e muitas vezes são retirados a qualquer momento. Esses programas alimentares estão sob ataque durante a pandemia; em 18 de outubro, um juiz federal barrou a tentativa do governo Trump de encerrar os benefícios do vale-refeição para quase 700.000 desempregados - parte de um ataque que inclui um plano para limitar o acesso para as famílias dos chamados "trabalhadores pobres".

Fome em tempos de crise

A economia global está em crise. O capitalismo está cambaleante à beira de uma recessão mundial, prevista mesmo antes da eclosão da Covid-19. Agora, com a persistência e o agravamento da pandemia nos Estados Unidos, há sérias dúvidas sobre a capacidade das pessoas de comprarem os alimentos necessários para sustentar suas vidas. A luta diária pela sobrevivência, que é uma característica da vida no mundo subdesenvolvido, está começando a permear a paisagem americana.

O jornal The New York Times noticiou no início de setembro sobre o grande afluxo de pessoas em busca de ajuda em bancos de alimentos e outros programas para mitigar a fome. O artigo, que começa com a história de uma família em Lakeside, Califórnia, no leste do condado de San Diego, foi apropriadamente intitulado “Só porque eu tenho um carro não significa que tenho dinheiro para comprar comida”:
Essa é a América: uma família amontoada em uma minivan dirigindo quilômetro após quilômetro pelo condado de San Diego, primeiro para receber uma oferta de comida, depois outra e depois em busca de mais.

Dirigem para o Mary’s Donuts, no rústico centro de Lakeside, para receber massas e confeitos cobertos com chocolate do dia anterior, recheadas com doce ou bacon, massas do tamanho de uma luva. Depois dezesseis milhas ao oeste para o Jew Family Services, para receber grandes mangas frescas, caixas de ovos cozidos, queijo e ensopado de cordeiro. Mais 20 minutos ao sul para o Ocean Discovery Institute para pegar fraldas e material escolar. Vão ao Salvation Army para retirar água mineral, mingau de aveia, um bolo. Tudo isso amontoado nas costas.

Em Salém, Massachusetts, relatou o jornal Boston Globe, as despensas de alimentos viram um aumento de 400% na demanda: a fome aflige vários grupos populacionais aqui. No serviço de distribuição pública de alimentos em Salem, vêm todos os dias estudantes universitários e alguns funcionários afiliados à escola local, assim como vizinhos. Em Palmer Cove Park, em um bairro que abriga muitas famílias latinas, a maioria dos que esperavam na fila em um sábado recente falavam espanhol. Idosos frágeis empurravam carrinhos com manteiga de amendoim, macarrão e leite longa vida. Um homem de meia-idade meio camuflado disse a voluntários que esperava que sua consulta no Lahey Medical Center em Peabody aliviasse sua terrível dor nas costas.

Em breve, o capitalismo promete fazer histórias como essa tão corriqueiras nos Estados Unidos que dificilmente serão qualificadas como "notícias".

Novamente, nada disso tem a ver com falta de comida, apenas falta de dinheiro para comprar algo que realmente existe em abundância. Os incentivos sob o capitalismo na verdade levam à superprodução de alimentos que nunca são entregues diretamente a alguém que os coma. Temos abundância em um sistema que opera deliberadamente para garantir que qualquer excedente seja jogado fora em vez de distribuído para erradicar a fome - porque esse sistema é movido apenas para o lucro.

Esta eleição não resolverá o problema. Ele só vai piorar. Seja o próximo governo sob Biden ou Trump, a crise continuará, e os capitalistas jogarão sobre os ombros da grande maioria o fardo de pagar por ela - o que significará cortes nos programas de alimentação, não sua expansão a medida em que mais e mais as pessoas ficam com fome. Isso acontecerá ao mesmo tempo que mais empregos são retirados e, provavelmente, mais casas serão perdidas.

Essa é a realidade dos Estados Unidos hoje, a realidade do país mais rico do mundo.

Assim é o capitalismo em crise, algo que nenhum político burguês mudará.

A única solução real não é, e nunca será, pelas urnas eleitorais: derrubar este sistema explorador e substituí-lo por uma economia planificada, sob o controle da grande maioria das pessoas, que coloque as necessidades humanas em primeiro lugar. Abundância deve significar o alívio da fome, não apenas um espetáculo cínico à medida que a fome se expande.

 
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