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EDUCAÇÃO
Qual o momento para o retorno das atividades presenciais nas escolas e universidades?
Luiz Pustiglione
Doutorando em educação pela UFSC e professor da Rede estadual de SC

A pressão pelo retorno as aulas presenciais se torna cada vez mais real em diversos estados do Brasil, mesmo com diversas experiências fracassadas no exterior e com a experiência de aumento expressivo de contaminações no Estado do Amazonas. Este texto traz reflexões importantes sobre como encarar a situação desde uma perspectiva dos trabalhadores.

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Foto: emtempo.com.br

Depois de ser usado por toda a imprensa como o exemplo negativo inicial do país em período pandêmico e com uma taxa de contaminação e mortes altíssima, o Estado do Amazonas e Manaus passam a ser usados como exemplo em outra área, a da educação. Por lá, desde meados de Agosto foram retomadas as atividades presenciais de uma parte significativa do alunado da rede estadual e dessa realidade (e da notícia dada como foi) podemos extrair e destacar dois elementos iniciais que merecem nossa atenção e uma maior reflexão:

1 – apenas 50% dos estudantes podem estar presentes em sala de aula durante as atividades presenciais, a outra metade da turma acompanha a aula de forma remota/online e mesmo assim as medidas sanitárias não são cumpridas da forma como deveriam em diversos momentos e espaços como os próprios relatos de estudantes e profissionais deixam nítido. O número de professores infectados nesse curto período de retomada também é assustador e passa das 3 centenas, além do problema da sobrecarga de trabalho enfrentada pelos que não se infectaram e seguem dando aulas presenciais e online.

2 – os relatos, apesar de não terem sido incitados para tal, muito pelo contrário, dão conta de que o ensino remoto é tão ruim e excludente que, mesmo sob riscos, os estudantes preferiram o retorno às atividades presenciais.

3 – apesar dessa preferência levantada para fins jornalísticos (não foi uma pesquisa baseada em critérios científicos), em nenhum momento os estudantes ou a comunidade escolar foram ouvidos. A decisão de expor milhares de estudantes e trabalhadores ao risco foi tomada em confortáveis gabinetes por gente que mal conhece a realidade das escolas e que não vai pisar lá, sem ouvir sequer os conselhos escolares que são de existência obrigatória e contam com representação variada das comunidades escolares.
Desses 3 elementos se desenrolam uma série de outros debates que são necessários serem encarados nesse momento e que queremos desenvolver melhor.

O ERE não pode ser o triunfo do EAD

O primeiro e mais importante tem a ver com os 50% em casa e 50% em sala como uma alternativa à aglomeração cotidiana de superlotação das salas de aula. Se o modelo híbrido parece menos pior do que uma volta integral das aulas presenciais neste momento sem as mínimas condições garantidas e dada a situação e a altura do ano letivo que nos encontramos, não podemos nos enganar: tem gente muito interessada na ideia de tornar esse modelo permanente para pelo menos uma parte das redes públicas de ensino país afora e, por consequência, grandes empresas de olho em lucros milionários às custas dessa ampliação da exclusão executada pelo/no sistema escolar. Esse não é um elemento menor ou desprezível e tem sido ignorado, pelo menos parcialmente, por setores da esquerda.

A solução de médio e longo prazo que devemos impor pela força da classe trabalhadora auto organizada tem que ser um plano ousado e ágil de obras públicas para a construção de escolas/salas de aula em número suficiente para dar conta de diminuir o número de alunos por turmas ao número necessário em termos sanitários e que, de tabela, vão ser mais adequadas também do ponto de vista pedagógico.

Em todas as escolas deveremos exigir que tenha-se à disposição termômetros, álcool em gel e líquido, sabonete, água sanitária, papéis e EPI’s em número suficiente para todos que frequentem o estabelecimento, além de mais trabalhadores de limpeza dedicados a esses cuidados. Mas, ainda antes desse passo, será necessário um programa de testagem massiva de alunos e profissionais envolvidos nessa retomada presencial das aulas que seja contínuo para que eventuais fechamento de unidades que sejam necessários baseiem-se em critérios objetivos e seja possível fazer todo o rastreamento de contatos necessário para evitar um novo foco de contaminação.

A parte online não precisa/deve ser eliminada do cotidiano escolar como ocorria antes da pandemia por falta de interesse político em possibilitar acesso às tecnologias aos estudantes das escolas públicas. Podemos e devemos nos apropriar dos equipamentos e tecnologias disponíveis – que são produzidos pela classe trabalhadora que deve ter direito a acessá-los - como complemento ao trabalho pedagógico realizado em sala de aula e outros espaços físicos, mas sem que para isso sejam celebrados contratos extremamente lucrativos para as grandes empresas do ramo como google e microsoft e que restringem o acesso de usuários e desenvolvedores aos seus parâmetros restritos de operação e usabilidade. É parte do programa que precisamos defender a necessidade de desenvolvimento desse tipo de ferramentas e tecnologias nas universidades e instituições de pesquisa públicos e que já o fazem mesmo subfinanciados pelos diversos governos ao longo dos últimos anos.

A escola, que já era um espaço excludente em vários sentidos antes da pandemia, não pode tornar-se ainda pior quando pudermos voltar a uma relativa normalidade e os diferentes relatos que se espalham pela internet dão conta de que o ERE, ou mesmo o modelo híbrido, é um fator de exclusão significativo. Se considerarmos que no atual estágio de desenvolvimento do capitalismo o currículo escolar necessário é o que está expressado na BNCC, podemos afirmar que a escola como conhecemos atualmente não é mais funcional ou, ao menos, não deveria ser como é para o conjunto da população. A consequência lógica e óbvia desse raciocínio resulta em uma divisão concreta de tipos de escola – que hoje já ocorre “por baixo” e que viria a ser institucionalizada de alguma forma (e impulsionada) pelo ERE e pela realidade educacional na pandemia e em cenários possíveis depois dela.

Base Nacional Comum Curricular e os vouchers: a burguesia tem as soluções dela pra educação e a pandemia “veio a calhar”

A BNCC já antecipava tendências que não conseguimos enxergar tão nitidamente antes e/ou que foram/serão agravados e/ou antecipados pela pandemia. Para uma formação baseada em competências sócio emocionais e com a perspectiva de formar um trabalhador “flexível” para ocupações majoritariamente precarizadas A ESCOLA NÃO É MAIS NECESSÁRIA EM SEU FORMATO ATUAL – leia-se, presencial (ou totalmente presencial), com um conjunto de disciplinas que expresse o acúmulo histórico de conhecimento humano etc. O que é necessário – do ponto de vista do capital - é uma certificação formal para manter as aparências, mas, em uma instituição “enxuta” e que baseie seu ensino nas necessidades do mercado. Se antes houve a necessidade de formar trabalhadores com capacidades mais elaboradas, nos dias de hoje, para ser “empreendedor de si mesmo” basta saber manusear um celular, um computador, uma rede social e, para isso, convenhamos, não há necessidade de escola. Isso não significa que elas acabariam, mas elas poderiam voltar aos patamares de atendimento dos anos 1980/1990, quando havia muitas crianças e jovens que não conseguiam sequer matricular-se em uma escola de educação básica e alguns poucos que conseguiam avançar e concluir algum curso que o encaminhasse para uma profissão ou ocupação mais especializada.

Até mesmo as escolas privadas que não são para a elite estão sob ameaça de continuar a existir e aqui reside mais um dos problemas que devemos encarar de frente: a questão dos vouchers!

Não é de hoje que a burguesia e pequena burguesia ligada às instituições de ensino de vários níveis e modalidades defendem que uma parte do orçamento da educação seja destinada a elas através da compra direta de vagas por parte do Estado – o que já ocorre de forma indireta através de financiamentos no ensino superior ou por conta de legislações municipais que permitem tal aberração desde a educação infantil (quase sempre baseadas na “incapacidade” do poder público em ofertar vagas naquela localidade etc).

Com a prorrogação larga do ERE ou do modelo híbrido que estamos considerando, a tendência é de aumento desse lobby, pois, essas escolas terão melhores condições de ofertar o “ensino” necessário para esse “novo normal”. A pandemia e a BNCC parece terem sido feitas uma pra outra, diante desse cenário e isso coloca a situação das trabalhadoras em educação e o próprio futuro da educação pública em cheque.

É necessário também falar do papel dos sindicatos, das centrais e, até mesmo das organizações mais à esquerda, que poucas respostas têm dado para além das questões mais imediatas ligadas ao corte de direitos ou ao próprio ERE – o que é necessário, mas, insuficiente.

Portanto, é perfeitamente compreensível que muitos trabalhadores da educação e outros trabalhadores que têm seus filhos matriculados nas escolas públicas estejam receosos em abrir o debate sobre uma volta às atividades presenciais antes da vacinação em massa da população, mas, em vez de seguirmos a legitimar o ERE por mais 1 ou 2 anos (tempo razoável para que ocorra a vacinação massiva) e darmos elementos para os defensores do EaD para todos os níveis e modalidades – como é o caso do presidente da república – precisamos tomar o controle desse processo nas mãos da nossa classe e impor uma dura derrota aos interesses do capital representados por google, microsoft e outras empresas que querem lucrar duplamente: com a venda de seus produtos para formar trabalhadores baratos e flexíveis (como propõe a BNCC) e com a ampliação da exploração desses trabalhadores flexíveis (e mal formados).

Para isso é necessário organizar ou reorganizar os conselhos escolares, inclusive nas instituições particulares de ensino, da educação infantil ao nível superior, para que, junto com os sindicatos e demais organizações de trabalhadores, seja nesses órgãos que se decidam as necessidades e o tempo certo de retorno às atividades presencias e sobre o que se faz até que isso seja possível, distensionando assim a oposição entre escolas como depósitos de crianças para mães e pais poderem trabalhar e uma utópica espera de uma vacina para menos de 2 anos a contar daqui como únicas opções viáveis a serem esperadas passivamente.

 
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