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A Face da Traição à Classe Trabalhadora
Ricardo de Souza
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Foto:Luis Macedo / Câmara dos Deputados

Chegamos à marca de 130.000 mortes na pandemia de Covid-19. É um fato empírico documentado há pelo menos 4 meses que essa perda humana se concentra na classe trabalhadora, e em especial nos segmentos mais explorados, como pode ser verificado em informações que vieram a público sobre a cidade de São Paulo através da Escola de Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, vinculada à Fiocruz. Que seja essa a realidade que temos que enfrentar é apenas uma consequência óbvia, ainda que profundamente triste, da ganância desumana da burguesia brasileira. Mas é também obra assinada por políticas reformistas no campo da esquerda, políticas que sonham acordadas com a conciliação de classes e insistem em conchavos parlamentares, táticas que historicamente se traduzem como traição à classe trabalhadora.

É a classe trabalhadora brasileira que herda as mazelas de nossa longuíssima história escravocrata. É nossa classe que segue sob o jugo da sanha ultra exploratória da burguesia nacional. O crescimento espantoso da precarização do trabalho e as grotescas medidas de recrudescimento da mais nefasta barbárie capitalista que assistimos desde o golpe de 2016, através da retirada de direitos dos trabalhadores, é uma das manifestações dessa sanha. Mas não é a única. O nosso é um dos poucos países do mundo onde não se taxa grandes fortunas e heranças, o que torna o Brasil um paraíso fiscal para aqueles que concentram em suas mãos a maior parte da riqueza socialmente produzida.

Essa benesse que a burguesia brasileira concede a si mesma obviamente aumenta seu poder. Aumenta sua capacidade de infiltrar-se nos bens públicos visando a extração de ganhos privado. Aumenta sua capacidade de compra da classe política e da imposição de legisladores e de um judiciário submissos a seus interesses. Aumenta sua capacidade de constituir governos, de imposição de limites aos espaços para mudanças e, que nunca nos esqueçamos, aumenta também sua capacidade de derrubá-los, se assim lhes for conveniente. Essa benesse é uma demonstração escandalosa do falseamento do sentido pleno de democracia com o qual temos convivido nos períodos da história republicana de nosso país nos quais não houve ditaduras escancaradas, ou inequivocamente desejadas, tal como agora. Pois qual é a real voz do povo nas decisões sobre tudo que ao povo interessa? Quando, na história deste nosso país, houve protagonismo das massas, reais produtoras da riqueza, sobre o endereçamento da riqueza socialmente produzida para a solução dos inúmeros e infindáveis problemas brasileiros?

Que a mídia empresarial no Brasil esteja em pronta defesa dos interesses de nossas burguesias não é surpresa alguma. Essa mídia empresarial, aliada submissa e voluntária dos interesses das burguesias nacional e transnacional, não hesita na divulgação de ideias chantagistas, para confundir os trabalhadores. Uma dessas chantagens é a ameaça de que a taxação das grandes fortunas produzirá a “fuga de patrimônios”, ameaça essa que, segundo os guardiões das burguesias nas redações dos jornais capitalistas, deve ser evitada a todo custo, até mesmo o sucateamento extremo dos serviços públicos prestados à população e a precarização dos trabalhadores que os movem.

Acerca de tal chantagem, cabem duas ponderações. Primeiramente, nunca são apontadas evidências sobre o momento da história mundial e a localidade geográfica de tal fuga de patrimônios. Onde estão os exemplos de países onde há algum tipo de taxação sobre fortunas escandalosas que, por essa razão em particular, tiveram seu povo lançado na miséria? A segunda ponderação é que a “fuga de patrimônios” não se daria exatamente como um carregamento de drogas recreativas tidas como ilegais, junto a um membro de tripulação em viagem no avião presidencial, por exemplo. Terras cultiváveis, fábricas, equipamentos, imóveis, escolas, hospitais etc não “fogem” dos lugares dessa maneira. Para haver “fuga de patrimônios”, deve haver condições e intecionalidades políticas que a permitam, condições essas que são históricas, portanto alteráveis, não um fato da natureza tal qual as mudanças de estações.

Porém, se não surpreendente, é por certo profundamente decepcionante o papel desempenhado na aprovação da Emenda ao PL 1581/2020 pela bancada de parlamentar do PCdoB em pesoe por quatro deputados federais do PT. Trata-se da emenda a Projeto de Lei que permite o perdão de dívidas de 1 bilhão de reais de Igrejas. Esse perdão alarga o poder econômico e, consequentemente, o poder político de quem dá suporte à bancada da bíblia, aliados e promotores que são do golpismo, das aspirações fascistas em vigência, da mais baixa e repugnante misoginia, da odiosa LGBTfobia e do massacre das culturas indígenas.

Um partido que ainda guarda o termo comunista em sua denominação, mas que orienta sua bancada a votar a favor desse perdão, nega o legado da ideia acerca da qual o termo foi consagrado, tornando-o palavra vazia. Deputados eleitos por um partido que se denomina “dos trabalhadores” e assim votaram somente reacendem a lembrança de que seu partido esteve pronto para afastar-se dos trabalhadores e dos movimentos sociais quando esteve no poder. Em que o perdão bilionário concedido às igrejas difere da isenção de impostos sobre dividendos, jatos particulares e iates? Enquanto isso, vai sendo asfixiada a ciência brasileira, que deveria estar amplamente mobilizada para os problemas enfrentados por nosso povo, tais como a pandemia que já ceifou mais de 130.000 vidas.

Há um tipo de anticorpo absolutamente essencial para a pesquisa em virologia, ou seja, para o campo de pesquisas em ciências biológicas que estaria em condições de dar respostas à necessidade urgente de não apenas uma vacina, mas de tratamento para a Covid-19. Um único frasco desse anticorpo, capaz de gerar 100 testes em estudos laboratoriais, custa nos EUA US$380. Para um pesquisador no Brasil, esse mesmo frasco custa R$3.217,50. A diferença brutal acontece porque o pesquisador brasileiro não importa o anticorpo com “perdão” da tributação. Mas as heranças multimilionárias, os dividendos das aplicações em ações e o iate o são, tal qual agora as igrejas da bancada da bíblia. Pessoalmente, concluo que a face da traição à classe trabalhadora pode ter aparência bem pior do que a imoralidade. Essa face pode, ao fim, ser uma face assassina.

 
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