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JUVENTUDE
Basta de pagar pela crise capitalista: que as novas gerações possam mudar as regras do jogo
Úrsula Noronha

Somos uma geração de jovens que olha para o futuro e vê mais mortes com a pandemia, aprofundamento da crise econômica, uberização do trabalho, precarização das vidas. Mas somos capazes de mudar os rumos da história, e devemos ter essa ambição. A realidade de hoje reafirma a necessidade de lutarmos pelo nosso direito de decidir as leis e o regime que rege as nossas vidas, para mudar as regras do jogo, e não apenas os jogadores dessa sociedade apodrecida.

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Foto: Tainá Dutra

A juventude atualmente se encontra em cima de bicicletas para ganhar centavos e ter pelo menos o que comer. Jovens pobres e negros estão sendo cada vez mais excluídos das universidades pelos ataques à permanência estudantil, cortes de bolsas, e com a implementação do EAD precário ou o Ensino Remoto Emergencial (ERE) que expulsa principalmente estudantes trabalhadores. Nesse cenário não devemos abrir mão de batalhas centrais, como a defesa das cotas étnico-raciais e da autoidentificação enquanto negro e indígena nas universidades, e também a defesa de inúmeras trabalhadoras terceirizadas que estão sendo demitidas em diversos campus que ficarão fechados devido às aulas à distância, como está acontecendo na Unicamp, Usp e UFMG. Também somos a geração que esse ano se levantou desde os Estados Unidos na primeira linha de enfrentamento ao racismo e a violência policial, que fez uma paralisação internacional de entregadores no 1º de julho com repercussão em muitos países, que teve continuidade no dia 25.

Devemos olhar para o futuro com o anseio de decidir quais são as prioridades, arrancando o direito de fazermos nossas próprias as leis e com isso fazer uma experiência profunda com o mais extremo que pode chegar essa democracia burguesa, que é parte de manter a exploração capitalista. Somos socialistas e não almejamos nada menos do que a revolução. Temos o objetivo de expropriar os capitalistas e lutamos por uma democracia muito superior a mais democrática das repúblicas burguesas. Mas sabemos que a grande maioria dos trabalhadores e do povo não compartilha desta perspectiva hoje, e ainda confiam nos mecanismos da democracia representativa e cidadã. Propomos então que a juventude e os trabalhadores lutem para impor a instituição mais democrática concebível dentro da democracia representativa: uma Assembleia Constituinte. Assim como no Chile, fomos parte da juventude que se levantou e exigiu uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, diferente da que Piñera leva em frente agora, e temos que lutar para que cada geração possa fazer sua própria história.

Em meio à pandemia que já deixou mais de 100 mil mortos no Brasil, se aprofunda uma crise econômica histórica que só pode ser comparada com a de 1929. Em nosso país as desigualdades socioeconômicas se expressam de forma gritante nos índices de contaminação, mesmo que eles sejam subnotificados. Isso é visível com o índice de jovens que não são parte do grupo de risco que foram contaminados porque não tiveram nem medidas básicas de prevenção, ou se expuseram mais por não terem tido a possibilidade do “home office”. Registramos um percentual maior de contaminados abaixo de 60 anos do que em epicentros da pandemia, como EUA, Espanha e Itália, o que escancara a desigualdade social que aprofunda os impactos da crise sanitária e rifa vidas da juventude pobre.

Vemos como os governos querem nos iludir dizendo que após a crise sanitária, a situação vai voltar a ser como era antes. Mas isso não é assim. Sabemos que os estados estão hiper endividados e que com isso começarão outra vez os cortes, os ajustes, ou novas crises financeiras, bancárias, inflacionárias. Os patrões e governos só nos reservam miséria, e com o coronavírus vimos suas máscaras caírem ainda mais. Os setores que eles chamam de essenciais são empregadas domésticas, trabalhadoras e trabalhadoras precarizados, que ganham salários de miséria, como no setor da saúde, ou os entregadores, a quem essas empresas nem reconhecem como trabalhadores.

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Bolsonaro, os militares, STF, governadores e o Congresso nos mostram que mesmo que tenham algumas divergências, uma coisa os unifica: levar a frente as reaberturas econômicas a serviço da FIESP, da Bovespa, do agronegócio, sem a garantir aos trabalhadores testes, atendimento hospitalar, nem sequer EPIs a quem está na linha de frente. Com mais de 7,8 milhões de postos de trabalho fechados na pandemia aprofundando o cenário de desemprego, o governo aproveita da situação para chantagear os trabalhadores e aprovar ataques, colocando em prática o lema de Bolsonaro de “direitos ou emprego”.

A solução de Bolsonaro foi atender a burguesia editando a MP da morte ratificada por Maia e demais parlamentares, com a colaboração de PT e PCdoB assim como das suas centrais sindicais CUT e CTB. Uma medida inofensiva para frear as demissões - que seguem -, mas funcional para a patronal rebaixar os salários dos trabalhadores. Esse projeto não é levado em frente sozinho. Ele se dá junto com ataques à educação como vemos agora com o excludente EAD sendo implementado e aprofundando as relações das universidades com as empresas privadas, enriquecendo ainda mais os monopólios e elitizando o ensino.

Hoje, quem toma as decisões no país são justamente esses atores que nos atacam. Bolsonaro e os militares, os juízes que não foram votados por ninguém, o congresso de Rodrigo Maia, os governadores. Eles votam leis para descarregar a crise nas nossas costas enquanto escolhem salvar os bancos para os quais destinam bilhões, fazendo do Estado não uma democracia a serviço da maioria, e sim um verdadeiro balcão de negócios. Sua prioridade é bem nítida: o lucro está acima da vida. E isso ocorre desde João Doria, que no início da pandemia aplaudiu a MP da morte de Bolsonaro que permitia suspensão de contrato por 4 meses, até governadores do PT que em plena crise sanitária encaminharam a votação da Reforma da Previdência, como ocorreu no Rio Grande do Norte de Fátima Bezerra.

Mas e se fosse diferente? Se fossem os jovens em cima das bicicletas que pudessem decidir as leis? Se fosse o jovem que está tendo que trancar o curso na universidade porque não teve a bolsa renovada e não encontra emprego? Se fossem os milhares de brasileiros que enfrentam as filas da caixa econômica para sacar o auxílio emergencial? Ou a mãe de João Pedro, que assim como outras viu a brutalidade da polícia e como a consigna do “Fique em casa” é uma utopia nas favelas? Será que a prioridade desses setores seria votar pela absurda privatização da água, ou por MPs que precarizam ainda mais a vida? Essa juventude ia encaminhar a reforma da previdência para votação? Escolher entregar bilhões a bancos e supersalários a juízes enquanto o povo pobre recebe insuficientes R$600 reais?

Essa nova geração, filha da crise que só existe porque a burguesia criou, pode ser sujeita de mudanças e inverter as prioridades dos patrões e dos governos. Para isso, não basta depositar nossas confianças em um impeachment que colocaria o vice saudosista da ditadura militar no governo, e nem em eleições gerais que poderia mudar os jogadores, mas manteria toda a estrutura do estado que garante que esse projeto dos patrões seja implementado.

Ao invés de levar em frente uma delirante ideia de que Mourão seria um “mal menor”, devemos retomar todo o ódio da juventude que lutou contra a ditadura militar. Que viu o AI-5 sendo implementado e seus companheiros desaparecendo. Que enfrentou mortes e torturas, mas que também viu as greves operárias da década de 60 e foi parte da explosão da juventude inspirada no “maio de 68” francês. Essa geração de jovens combatentes colocou o movimento estudantil no front de batalha contra a ditadura militar e incendiou de energia a luta classe trabalhadora contra o regime, como foi em Osasco e Contagem em 68. Mostrou o importante e necessário papel dos jovens se aliarem aos trabalhadores. Não abaixamos nossas cabeças há mais de 50 anos atrás, e não abaixaremos agora.

Além de retomarmos essa moral, também temos que tirar lições das experiências históricas com os governos de conciliação de classes, como foi com o PT no Brasil. Se hoje vemos que Bolsonaro e os militares são a maior escória da extrema direita, temos que ver também que eles não caíram do céu. O judiciário arbitrário que protagonizou o golpe de 2016 para seguir com uma agenda de ajustes contra o povo pobre ainda mais profunda do que estava sendo implementado por Dilma foi fortalecido pelos próprios governos do PT. Até mesmo Lula quando foi preso falou abertamente que acredita na justiça, pois se não acreditasse “tinha feito uma revolução no país”. E é preciso dizer: essa justiça que Lula acredita é a mesma que mantém 40% da população encarcerada sem julgamento (em sua maioria negros).

Foi durante o governo do PT que a terceirização triplicou, e também com Lula na presidência que assistimos à invasão das tropas brasileiras no Haiti, liderada por ninguém menos que o General Heleno e vários generais do governo Bolsonaro, e a criação das UPPs nas favelas e comunidades do Rio, que ampliaram a força das milícias. O PT mostrou por anos, assim como continua fazendo, que sua maior disposição não é ser uma alternativa para os trabalhadores, e sim negociar os ataques contra o nosso povo com a burguesia.

Tirando lições dessas experiências, temos que ver que a atuação parlamentar é muito importante para a esquerda e se estiver ligada a impulsionar os processos de luta da classe trabalhadora e da população servindo para fazer com que a consciência desses setores avance para questionar esse regime podre. Mas para isso, frentes eleitorais com aqueles que diretamente nos atacam devem ser rechaçadas, e não levadas em frente como está fazendo o PSOL ao se aliar com o PT em cidades como Campinas, ou a UP que está junto até com o PSB e o PDT em Florianópolis.

A única batalha que pode responder aos nossos anseios é contra Bolsonaro, Mourão e os militares, sem confiança no congresso, nos governadores ou no STF. A esquerda revolucionária deve ser linha de frente de levantar a necessidade de lutar por uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana.

Essa poderia ser uma experiencia profunda com o mais extremo que pode chegar essa democracia burguesa. Os termos “livre” e “soberana” da Constituinte não são meros detalhes. Livre e Soberana é o que não foi a Constituição Brasileira de 1988, tutelada pelos militares, e que teve como uma de suas primeiras votações a garantia da vigência de leis como a da Anistia e também leis anteriores a ela mesma, como a Lei de Segurança Nacional de 1983 que é usada até hoje.

Ou seja, a Constituinte Brasileira votou, logo de cara, que os mortos governariam os vivos. Mas não tem que ser assim. A Assembleia Constituinte Livre e Soberana seria livre para revogar qualquer lei já imposta, e não se limitaria ao papel de nosso reacionário Congresso, balcão de negócios da burguesia, mas dissolveria também o Executivo e o Judiciário concentrando todo o poder nas mãos do povo, através do mais amplo sufrágio.

Nessa assembleia constituinte poderíamos defender um verdadeiro projeto de combate à crise, que ao invés de fazer chantagem com o desemprego e com nossas vidas busque dar uma saída de fato que inverta as prioridades e coloque a vida acima do lucro. Poderíamos defender a necessidade de testes massivos para o combate da pandemia, a ampliação dos leitos do SUS através da centralização dos sistemas públicos e privados, a contratação de mais profissionais da saúde. Junto a isso também seria possível votar pela proibição das demissões, revogação dos cortes na educação, das dívidas com o FIES e das reformas que nos atacam como a trabalhista e da previdência, assim como as MPs como a 927, além de definir um auxílio emergencial com o valor de R$ 2 mil, o que poderia facilmente ser aplicado com a taxação das grandes fortunas.

Poderíamos também votar por leis que garantiriam respostas mais profundas aos problemas estruturais do Brasil, como um plano de obras públicas que englobe a universalização do saneamento básico para resolver o problema de habitação nas favelas e moradias precárias no país. Ou pela Reforma Agrária, que garantiria o acesso à terra aos camponeses, atacando os latifúndios nas mãos sanguinárias do agronegócio que promove uma matança contra indígenas e quilombolas. E pelo não pagamento da dívida pública, dando um fim à submissão ao capital estrangeiro e colocando o petróleo, o minério de ferro e as riquezas naturais a serviço do povo. Se o futuro é nosso, devemos ter o mínimo direito de decidir sobre ele.

Para impor a correlação de forças de um processo constituinte como esse e fazer valer a soberania popular, seria necessária uma forte luta dos trabalhadores unificados através de uma Frente Única Operária, com o mais amplo apoio e participação da juventude. Apenas assim, exigindo dos sindicatos e entidades estudantis uma unidade na ação, e não com políticos burgueses como faz a frente ampla, será possível impulsionar uma auto organização que poderá defender um programa de independência de classe que se enfrente com esse regime do golpe institucional.

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Nessa experiencia ficará evidente que os únicos comprometidos com as necessidades da classe trabalhadora e das grandes maiorias populares são os próprios trabalhadores, os jovens com anseios de profundas mudanças, os revolucionários e os socialistas que querem dar um destino diferente para nossa sociedade, já que nossos interesses se opõe às necessidades capitalistas de fazer com que nós paguemos pela crise e estes não permitirão qualquer avanço sobre a propriedade privada e os lucros. Os trabalhadores serem os mais embandeirados das massas ditarem os rumos do país é um importante caminho para que nesse processo eles desenvolvam seus próprios mecanismos de poder, já que a Assembleia Constituinte Livre e Soberana se mostrará insuficiente, batalhando por um destino que seja um governo dos trabalhadores de ruptura com o capitalismo, que faça com que nossa vida valha a pena ser vivida e que todos os problemas que vemos hoje fiquem no passado.

 
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