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UNICAMP
Unicamp anuncia novo regulamento abrindo mais espaço para a privatização do conhecimento
Victoria Gordon
Laura Baraldi

O reitor da UNICAMP, Marcelo Knobel, aproveita da pandemia para impor novo regulamento que facilita o processo de entrada das empresas privadas na universidade pública através de licenciamento negociado diretamente com a Agência de Inovação da Unicamp.

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Em meio à pandemia, com os trabalhadores e a juventude sendo espremidos pelo desemprego e pela covid-19 em virtude do aprofundamento da crise econômica e sanitária, o governo negacionista de Bolsonaro e dos militares - junto às outras alas do regime, tais como o Congresso, o STF e também os governadores - não esconde seus anseios em atacar a educação. Isso ficou claro desde o início do governo com os cortes absurdos do orçamento das universidades federais e das bolsas de pesquisa. Esses ataques tomaram contornos mais acentuados com o avanço acelerado de seu projeto ideológico e privatista, tendo como marca o “Future-se”, programa formulado pelo reacionário e escatológico Abraham Weintraub, com o objetivo de entregar as universidades e os institutos federais aos grandes empresários da educação.

Mesmo com esse projeto rejeitado em universidades federais, é um fato que ele já está sendo implementado nas estaduais paulistas, como vemos com o avanço dos ataques privatistas na Unicamp. No último dia 29, Marcelo Knobel, o reitor que apesar de se colocar como oposição a Bolsonaro, gere a crise sanitária descarregando a mesma nas costas dos trabalhadores, anunciou um novo regulamento que facilita o processo de licenciamento exclusivo de tecnologias da Unicamp por parte de empresas privadas. Tal regulamento visa estreitar laços com a iniciativa privada na universidade, obtendo maior controle sobre qual será o foco das produções acadêmicas, minando ainda mais as possibilidades de servir à população, inclusive em questões elementares à reprodução da vida, e potencializando as formas de obtenção de lucro. Pelas próprias palavras do professor Frateschi, diretor-executivo da Inova Unicamp: “Hoje, com a nova política de inovação, temos a competência e a autonomia de estabelecer critérios para adequar a proposta mais vantajosa para tanto a universidade, considerando o tipo de tecnologia e seu nível de maturidade tecnológica, assim como para o tipo de empresa para a qual a tecnologia será licenciada. Assim, podemos de forma muito mais efetiva, baseada em critérios realmente técnicos, escolher para cada tecnologia, a melhor opção de licenciamento”.

Com esse novo regulamento, as empresas podem negociar diretamente com a Agência de Inovação da Unicamp, facilitando, assim, todo o processo. Essa Agência de Inovação, mais conhecida como Inova, é um núcleo que foi criado em 2003 e que desde então gerencia a inovação tecnológica da universidade e “reserva” as pesquisas para que sejam patenteadas por empresas privadas, sendo responsável pelo número exorbitante de patentes desenvolvidas na Unicamp, que hoje no Brasil só concorrem com a Petrobras. Sendo assim, o avanço privatista na universidade já vem ocorrendo há anos e se aprofunda brutalmente nesse momento de crise econômica e sanitária, vide os recentes ataques da reitoria, como o corte de 72 milhões, a abertura dos fundos patrimoniais e a pós-graduação lato sensu com cobrança de mensalidade, concedendo ainda mais poder às empresas de conduzir os rumos da educação e do futuro da juventude.

Essa relação entre universidade pública e capital privado é tão intimamente ligada que a Unicamp, desde sua fundação em 1969, dá um peso central à pesquisa no tripé da universidade (ensino, pesquisa e extensão). Isso porque há um projeto consciente de vincular a produção do conhecimento científico aos interesses econômicos das empresas e da instrumentalização do ensino. Não foi à toa que o primeiro e principal campi da universidade foi construído na cidade de Campinas, que já naquela época era um grande polo da produção industrial nacional, concentrando 40% da capacidade produtiva desse setor do país. Além da universidade ser reconhecida internacionalmente como centro de excelência diante das inúmeras patentes produzidas, como já mencionado.

Mais do que nunca, em um momento crítico de pandemia como o atual, é fundamental refletirmos sobre a importância de todo o conhecimento produzido na universidade ser voltado para resolver os problemas dos trabalhadores e da população. Com a crise sanitária se agudizando cada vez mais, a Unicamp poderia estar voltando toda sua estrutura para produzir testes, respiradores, álcool em gel, máscaras e demais insumos necessários, ou seja, ligando-se profundamente com as necessidades concretas que temos no momento. A universidade até chegou a voltar uma parte de sua estrutura para a produção de testes, porém, essa produção é tão desvinculada do objetivo de servir aos trabalhadores que nem os funcionários da própria Unicamp, que estão na linha de frente dessa pandemia, são testados. Na verdade, eles estão sendo vítimas de uma política negligente do governo Doria e da reitoria de Knóbel, que se recusam a oferecer condições dignas de trabalho e fazem com que esses trabalhadores sigam se expondo diariamente ao vírus sem medidas básicas de prevenção, sem testes e sem o afastamento dos que são grupo de risco, o que já culminou na morte de dois trabalhadores do Hospital das Clínicas (HC): Luci e Fábio.

Em contramão a colocar a universidade para responder à crise sanitária, a reitoria de Knóbel impôs o EaD de forma autoritária ao conjunto dos estudantes, a base de canetada, mostrando que a preocupação hoje da universidade está sendo adaptar o calendário acadêmico, tentando, dessa forma, impor uma “normalidade” que é simplesmente impossível num cenário de 100 mil mortes pela Covid-19. A Unicamp foi a primeira universidade pública do Brasil a aderir ao EaD na pandemia e isso não é mera coincidência: sua profunda ligação com as empresas privadas gera essa pressão de continuar uma “normalidade”, isto é, continuar produzindo mão de obra qualificada e conhecimento científico para servirem aos lucros dos empresários.

O EaD intensifica ainda mais a exclusão dentro da universidade. Para acessar o ensino superior público, os estudantes já têm que enfrentar o vestibular, um filtro social e racial que serve para mascarar a falta de vagas nas universidades públicas e que deixa a maior parte da juventude negra e pobre fora delas, e a ínfima parte dessa juventude que conseguiu passar por esse obstáculo elitista ainda tem que enfrentar o EaD, que é colocado para os estudantes desconsiderando que nem todos têm condições materiais e psíquicas de acompanhar as aulas online.

Diante desse contexto em que vem se escancarando cada vez mais o quanto essa é uma universidade de classes, coloca-se na ordem do dia a necessidade de defender um programa anticapitalista, que seja capaz de subverter essa ordem atual que coloca a universidade a serviço dos lucros para que possamos colocá-la a serviço da população.

Nós, estudantes, também temos que estar junto com os trabalhadores para travar uma batalha contra as demissões e a terceirização, que só vem crescendo nas universidades públicas e que serve para precarizar as condições de trabalho e dividir os trabalhadores. Nesse momento de pandemia, os terceirizados estão sofrendo demissões em massa nas universidades a nível nacional graças às MPs de Bolsonaro. Na Unicamp, a realidade não é diferente, centenas de trabalhadores terceirizados já foram demitidos desde o início da pandemia. Essa situação reforça a importância de lutarmos contra as demissões e pela efetivação imediata de todos, sem a necessidade de concurso público e com a garantia de direitos iguais aos dos trabalhadores efetivos, buscando a mais profunda aliança da juventude com os trabalhadores.

Essa batalha deveria ser levada em frente pelas nossas entidades estudantis, como o DCE, composto pela UJS, a juventude do PCdoB e da direção majoritária da UNE, que pode cumprir um papel de nos organizar, mesmo na pandemia, quando nos sentimos atomizados nas nossas casas ou estudando e trabalhando nas piores condições. Ao invés disso, na Unicamp, o DCE é porta-voz das posições da Reitoria. A UNE, no início da pandemia, fez um podcast com o reitor da Unicamp tomando como exemplo sua postura para combater o coronavírus, enquanto ele forçava grupos de risco a trabalharem no hospital e aplicava o EAD de forma autoritária. Já o PCdoB no Congresso foi relator da MP que permite corte de salários precarizando ainda mais a vida da juventude.

Veja aqui nosso chamado às entidades do movimento estudantil para construirmos uma campanha contra as demissões

Essa aliança pode ser uma força potente capaz de enfrentar a estrutura universitária, constituída por órgãos como a reitoria e o antidemocrático Conselho Universitário (Consu). A estrutura universitária é tão ligada a atender aos interesses empresariais que o próprio reitor Knóbel afirmou se orgulhar de o Ifood, aplicativo que explora a juventude pobre, ter sido criado por ex-alunos da Unicamp. Logo, não há nenhuma razão para esses órgãos existirem. Os estudantes, funcionários e professores, de forma proporcional ao seu peso na realidade, podem gerir a universidade de maneira democrática, inclusive são os mais capacitados para isso, livrando-a das amarras das empresas e possibilitando que ela sirva à população.

Em meio ao negacionismo de Bolsonaro na pandemia e a continuidade de ataques como as MPs do governo apoiadas pelo congresso, o STF, e os governadores (do PSDB de Doria ao PT de Fátima Bezerra, que até encaminhou a aprovação da reforma da previdência no RN em plena crise sanitária), é fundamental lutarmos contra esse governo de conjunto. É preciso lutar pelo Fora Bolsonaro e Mourão, sem confiança nas instituições que articularam o golpe institucional de 2016, e não apostar forças em um impeachment, como é defendido por setores da esquerda como o PSOL, que acaba terminando com um general saudosista da ditadura militar no poder. Acreditamos que a única saída para a crise que estão despejando nas nossas costas é a unidade da juventude com a classe trabalhadora em luta, por isso defendemos uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, em que não somente troquemos os jogadores, mas sim as regras do jogo; que permita ao povo dar respostas profundas aos problemas colocados e faça com que sejam os capitalistas que paguem pela crise.

É a partir desse programa, que coloca como centro estratégico a aliança da juventude com a classe trabalhadora, que acreditamos que o movimento estudantil possa se colocar à altura de responder aos impasses que estão hoje colocados. Em um momento tão agravado da pandemia e acompanhado de ataques, chamamos todos a conhecer e construir a Faísca e o Quilombo Vermelho afim de lutar para que a Unicamp se volte aos que mais sofrem nessa crise.

 
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