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IDEIAS DE ESQUERDA ENTREVISTA
Bruno de Conti: "A China busca expandir seu padrão tecnológico pelo mundo"
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy

Nesta conversa com Bruno de Conti, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do sistema monetário internacional, entramos em um dos elementos estratégicos do enigma chinês: em que áreas econômicas e tecnológicas a China ameaça a primazia dos Estados Unidos?

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Debatemos o fim de ciclo das relações relativamente harmônicas entre Estados Unidos e China, depois da crise mundial de 2008, em que a contração do mercado mundial obrigou o governo chinês a adentrar o tortuoso caminho da alteração de seu padrão de crescimento, menos dependente das exportações de manufaturas com baixo valor agregado, e mais apoiado no mercado interno e na produção de alta tecnologia (modificando sua pauta de exportações). Isso levou a um incremento da participação da China nas disputas por espaços de acumulação de capital, o que a colocou em rota de colisão com os Estados Unidos.

Superior à China em capacidade bélico-industrial, os Estados Unidos busca frear o avanço chinês, com Donald Trump à cabeça de um sistema de medidas comerciais, num primeiro momento, e agora francamente tecnológicas, para disciplinar o desenvolvimento da China ao ritmo permitido pelo imperialismo estadunidense. A China, dinâmica mas partindo de um terreno muito atrasado, busca defender-se das escaramuças comercial-tecnológicas de Washington, tratando de elevar sua capacidade competitiva.

Nesse marco, Bruno de Conti também assinalou com propriedade que, “a China busca espalhar o seu padrão tecnológico pelo mundo”. Isso é realizado pelos projetos nacionais do Made in China 2025 (que faria a China ser líder de dez setores de tecnologia de ponta, como a robótica, os veículos elétricos, semicondutores, até 2025), ou o Belt and Road Initiative (“A Nova Rota da Seda”) que busca conectar a China à Europa, Ásia e África por portos, ferrovias e rodovias. Esses projetos servem como vetores para a expansão da tecnologia chinesa pelo globo, não apenas para incrementar as relações comerciais da China.

Como Bruno de Conti assinala, os Estados Unidos está à frente da China em importantes aspectos da disputa, e um dos principais elos débeis para a China se dá no que se refere à sua moeda, o renminbi, ainda pouco utilizada no sistema de transações internacionais, e incapaz de fazer sombra ao poder do dólar – algo que motiva o governo de Xi Jinping a batalhas defensivas contra os enormes privilégios do dólar, e a uma corrida pelo tortuoso processo de internacionalização do renminbi, um tema que discutimos aqui com o professor da UFRJ Ernani Torres. O governo chinês criou um sistema próprio de pagamento, centros offshore para operacionalização do renminbi (25 espalhados pelos grandes centros do globo), denominações de contrato em renminbi (como os do petróleo), todas medidas para aumentar o uso do renminbi no âmbito internacional (auxiliados pela globalização do sistema bancário chinês). Bruno de Conti assinala de maneira pertinente, que mesmo assim, o renminbi é utilizado em apenas 4.3% das transações globais, enquanto a participação do dólar nessas transações é de quase 90%.

"A China busca aumentar a importância da sua moeda, isso é absolutamente inquestionável, e esta sendo bem sucedida nisso; mas eles sabem que o renminbi não vai superar o dólar no curto prazo. Nesse quesito, os Estados Unidos continuam muito à frente. Diria que a substituição da moeda chave seria uma das últimas etapas de um possível processo de transição hegemônica. O dia em que o renminbi suplantar o dólar como moeda chave, se isso acontecer, vai significar na minha opinião que a transição hegemônica foi realizada. Afinal de contas, o uso internacional de uma moeda depende de aspectos geoeconômicos e geopolíticos que são estruturais: é o tamanho da economia, a integração, o comércio, a produção, mas é também poder bélico, poder do sistema financeiro, e nisso ainda há uma caminhada longa pela frente", disse Bruno de Conti.

Lembrou ainda, nesse quesito, que o Acordo de Bretton Woods de 1944 foi o que estabeleceu oficialmente o dólar como moeda chave, quando os Estados Unidos já há muito era a principal potência do globo, sendo a maior potência manufatureira desde 1870, tornando-se a principal potência global em outros aspectos nas décadas seguintes (especialmente após a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial), o que mostra que são processos longos, que não autorizam a ideia de uma substituição hegemônica a curto prazo.

E isso nos leva a pensar os processos de disputas pela hegemonia mundial na época imperialista, de crises, guerras e revoluções, como caracterizava Lênin. Nenhum processo de substituição hegemônica pode ocorrer de maneira pacífica. Assim como no século XX com as duas guerras mundiais, medeiam esses fenômenos históricos grandes convulsões econômicas, político-militares, e na luta de classes global. Apesar das ilusões sobre o fim dos Estados nacionais alentados por determinados autores (recordemos o “Imperium” de Tony Negri e Michael Hardt como um texto emblemático desta idéia), esses conflitos estatais estão inscritos na situação mundial, caso o capitalismo permaneça de pé. Saber se os Estados Unidos e a China entrarão em conflitos militares mais graves, ou se sustentarão num terreno de confronto restrito ao âmbito comercial-tecnológico, depende de numerosos fatores, inclusive de como se desenvolva a crise econômica atual. As tendências à guerra não são ainda o elemento mais dinâmico da situação internacional. Entretanto, metodologicamente, vale a pena pensar como fez Trótski entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, quando apontava o caráter estratégico do antagonismo que estava se desenvolvendo entre Estados Unidos e Europa. Daí extraímos que que se um conjunto de revoluções socialistas vitoriosas não o impedirem, o capitalismo produzirá grandes guerras tanto ou mais catastróficas neste século XXI como as que a humanidade viveu no século XX. Nossa época segue sendo de “crises, guerras e revoluções”, não só de "crises e revoluções".

O Pentágono já sinalizou no ano passado a China e Rússia como as duas principais ameaças para a segurança nacional estadunidense, deixando muito atrás as chamadas “novas ameaças”, como o “narcotráfico” e o “terrorismo internacional” que haviam ocupado o centro da agenda na etapa anterior, especialmente desde o atentado às Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001, e que operaram como justificativa para as guerras imperialistas no Afeganistão e Iraque. Já a ofensiva de George W. Bush e os “neocon” impulsionando a política de regime change (“mudanças de regime”) e a “construção de nações” no Oriente Médio, no Golfo e nos territórios da ex-URSS, expressava um giro a respeito das “intervenções humanitárias” que caracterizaram a política imperialista estadunidense nos anos de Clinton, porém sem confrontar com China.

Obama, com o impulso ao projeto do Tratado Transpacífico para rodear e isolar economicamente de forma gradual a China, foi uma transição para o que com Trump se transformou em um salto qualitativo nos enfrentamentos comerciais e pelo controle do mercado da “high technology” e a “inteligência artificial”, junto com choques diplomáticos diversos e maiores destacamentos militares no território que rodeia ao Mar da China por parte dos Estados Unidos e seus aliados.

Por isso, vale a pena ter sempre em mente a possibilidade desses conflitos mais acentuados, caso triunfos revolucionários não obstaculizem esse caminho. A verdade é que os Estados Unidos, a pesar de recuperações transitórias, não conseguiu frear as tendências a sua decadência hegemônica, enquanto a China, lenta porém de maneira sustentada, aparece como um competidor geopolítico e econômico cada vez mais preocupante para Republicanos e Democratas, ainda que em quase todos os terrenos a nação herdeira do “Império do Médio” esteja muito por trás das capacidades acumuladas estadunidenses. A agressividade norte-americana não se explica hoje pelo fato de a China possuir um poder similar ao seu, mas sim para golpear antes que esta siga crescendo e conseguindo mais influência econômica e política no terreno internacional. É esta contradição estrutural que apresenta um horizonte possível de agravamento dos enfrentamentos comerciais, guerras por procuração e ainda guerras quentes entre os Estados.

Agradeço ao professor Bruno de Conti, e chamo a todos nossos ouvintes a difundirem essa e outras entrevistas do canal do Esquerda Diário no Youtube!

 
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