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DEBATE NA ESQUERDA
Altamira, NPA e "partidos amplos": a ignorância não ajuda a reverter o fracasso
Fredy Lizarrague
Dirigente Nacional do PTS da Argentina

Em um artigo, o dirigente argentino Jorge Altamira pretende analisar a recente ameaça de ruptura no NPA francês. Porém, ao invés de tirar alguma conclusão proveitosa, busca atacar “faccionalmente” o PTS e a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores Unidade (FIT-U). O que faz é mostrar sua ignorância e o quanto tem de liquidacionista do trotskismo o seu próprio pensamento (e prática).

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Uma nota publicada no Le Monde da França, em 22 de julho, sob o título “O NPA ameaçado de implosão”, tornou pública a crise e a ameaça de ruptura por parte de sua antiga maioria (o que resta da velha direção majoritária da extinta Liga Comunista Revolucionária - LCR). Trata-se de um fato transcendente para as correntes marxistas revolucionárias, já que a França é um país onde a “tradição” trotskista tem enorme importância e é o berço do “Secretariado Unificado” dirigido pelo histórico dirigente Ernest Mandel (SU autodenominado “Quarta Internacional”). Traduzimos uma nota sobre esse tema, publicada no Révolution Permanente, diário digital da Corrente Comunista Revolucionaria (CCR) no NPA e parte da Fração Trotskista - Quarta Internacional (FT-QI) junto com o PTS da Argentina, o MRT do Brasil, e grupos de outros países.

Em um artigo, Jorge Altamira pretende analisar o fato, mas, ao invés de tirar alguma conclusão proveitosa, busca atacar “faccionalmente” o PTS e a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores Unidade (FIT-U). O que faz é mostrar sua ignorância e o quanto tem de liquidacionista do trotskismo o seu próprio pensamento (e prática). Também diga-se de passagem, na recente “Conferência virtual Latino-Americana e dos Estados Unidos” a direção do PO “oficial” mostrou não ter aprendido nada de sua ruptura com o “sócio fundador”, já que repetiu argumentos semelhantes contra as posições do PTS.

Primeiro, despejemos algumas questões que têm a ver com a pura ignorância. Com soberba portenha, Altamira afirma: “No NPA estão presentes todas as correntes da FIT-U da Argentina”. Na verdade, o pequeno grupo La Commune, parte da Liga Internacional Socialista (LIS) de que pertence também o MST argentino, não é parte do NPA há muitos anos (lendo a publicação deles, ainda que saia com sorte a cada 3 meses, qualquer um pode inteirar-se disso). A Unidade Internacional dos Trabalhadores - Quarta Internacional (UIT-QI), da Izquierda Socialista na Argentina, anuncia que integra na França um grupo chamado Grupo Socialista Internacionalista, que não tem nem página na internet, tampouco é parte das tendências conhecidas do NPA. A extinta Coordenadora pela Refundação da Quarta Internacional (CRQI), que algum dia foi impulsionada pelo PO (voltaremos a falar dela), não existe mais e nunca fez o menor esforço para construir alguma organização na França. A única corrente das que integram a FIT-U que intervém na luta de classes, na vanguarda trabalhadora e na juventude francesa e é parte das tendências que lutam contra a política oportunista e liquidacionista da direção do NPA, é a CCR, que publica o diário Révolution Permanente e que integra a FT-CI.

Em segundo lugar, Altamira não aplica o método que ele mesmo propõe: “Os partidos revolucionários não provam sua vigência por parâmetros existentistas. Seus programas e métodos de ação e organização devem ser julgados no terreno da luta de classes”. Enquanto por um lado nos diz que o NPA é “uma espécie de frente de esquerda”, já que está integrado por diversas tendências, na única frase onde faz alguma referência à luta de classes na França ele afirma que “As greves generalizadas que sacudiram a França há pouco, por um lado, e as mobilizações dos coletes amarelos, por outro, colocaram em evidência a inviabilidade de uma ‘extrema esquerda’, ou seja, revolucionária, que se torna movimentista e eleitoreira”. Caso se trate de uma “espécie de frente de esquerda”, alguém minimamente sério e informado deveria fazer o balanço do papel de cada uma das principais tendências do NPA nesses enormes processos da luta de classes que vêm percorrendo a França. Ao menos deveria estudar um pouquinho a luta dos coletes amarelos que começou em 2018 (se não quiser ter o trabalho de ler o livro de Juan Chingo, dirigente da CCR, pode ler suas notas traduzidas para o castellano no suplemento Ideas de Izquierda do La Izquierda Diario) e a histórica greve dos transportes parisienses contra a reforma das aposentarias em 2019. Porém, como nossas publicações vão ser seguramente consideradas “faccionais”, pode ler a imprensa burguesa e ver a nota do Le Parisien que reflete o enorme impacto das aparições televisivas do dirigente ferroviário “revolucionário e marxista” Anasse Kazib, membro da CCR/NPA; ou essa nota de uma importante publicação especializada em mídias (Arret sur Images) ou o explícito reconhecimento do papel da CCR e do Révolution Permanente na “Coordinación RATP-SNCF” (rodoviários e ferroviários da região parisiense) durante a luta contra a reforma das aposentadorias por parte da conhecida revista International Socialism, impulsionada pela corrente referenciada no Socialist Workers Party da Grã Bretanha, que Alex Callinicos integra (e com a qual mantemos diferenças históricas).

Não existe ignorante pior que o que não quer saber, porque seu objetivo deliberado é ocultar o fato da emergência de uma tendência trotskista revolucionária na França. Até agora, os principais partidos que se dizem “trotskistas” nesse país (considerados como “extrema esquerda” e parte, ainda que em decadência, da realidade política francesa) representam distintos graus de liquidacionismo e centrismo.

O “liquidacionismo” se refere a um termo usado por Lênin para qualificar, entre 1908 e 1912, as tendências que se opunham à estratégia revolucionária e à organização de um partido ilegal na Rússia czarista (entre eles, a maioria dos mencheviques e também outros grupos social-democratas). Atualmente, os liquidacionistas abertos negam a necessidade de construir partidos revolucionários como consequência do abandono da estratégia e do programa da revolução socialista. Porém, Lênin considerava que também conduziam ao liquidacionismo aqueles que, por uma política sectária, negavam-se a aproveitar as possibilidades de construir partidos sob a legalidade limitada que oferecia o regime czarista (os otzovistas). O “centrismo” é uma categoria que Trotsky utilizou bastante para definir os partidos ou correntes que oscilam entre o reformismo e a política revolucionária (não é uma categoria que Altamira utiliza, ainda que lhe cairia bem lembrar o que disse Trotsky: “O centrismo está bem disposto a proclamar sua hostilidade ao reformismo, mas nunca fala do centrismo”). O centrismo no movimento trotskista tem distintas formas de expressão, de oportunistas a sectarias, o que se relaciona com diferentes graus de “liquidacionismo”, mais aberto (os que declaram o fim da estratégia revolucionária e a necessidade de construir partidos de acordo com isso) ou mais encoberto (os que têm uma prática que conduz a resultados parecidos).

Na França, não temos só o liquidacionismo aberto levado adiante pela velha direção da LCR no próprio NPA, mas também o centrismo dos “ortodoxos” do Lutte Ouvriere (LO), que se mantém como “partido revolucionário estrito”, organizados sob o centralismo democrático, mas que praticam um sindicalismo que não combate seriamente a burocracia sindical, têm um eleitoralismo vulgar e uma política totalmente impotente que os leva a ficarem “no formol”, isolados no nacional-trotskismo. A terceira corrente é o Partido Operário Independente Democrático (POID), que agrupa o que sobra da velha corrente dirigida por Pierre Lambert, formado após a expulsão dos seus dirigentes históricos (“qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência”) do Partido Operário Internacionalista (POI), que se autodefinia como integrado por trotskistas, anarco-sindicalistas, socialistas e comunistas, mas que na realidade estava cada vez mais integrado à burocracia sindical. Altamira, que tanto “denuncia” nossa luta por construir um partido revolucionário na França, teria pensado alguma vez na construção de um partido de “extrema esquerda” na França?

A passividade sindicalista, eleitoralista e sectária do LO “conduz ao liquidacionismo” (como diria Lênin) por default, por abster-se da luta política de tendências que é característica do movimento socialista desde sua origem, com Marx e Engels. A intervenção de companheiras e companheiros, residentes na França e simpatizantes da FT-QI, no NPA - que em sua fundação reuniu mais de 9000 integrantes e que permitia que nós revolucionários desenvolvêssemos claramente nosso programa e estratégia com publicação própria - buscou constituir uma ação contrária ao liquidacionismo que já vinha de antes na LCR. Sua tradição pablo-mandelista chegou à renúncia explícita da luta pela ditadura do proletariado a meados dos anos 90. Porém, esse liquidacionismo não chegou, na França, ao extremo da integração do NPA às correntes abertamente pró-imperialistas e reformistas francesas, como o Partie de Gauche de Melenchon (PG) ou o Partido Comunista Francês (PCF). Se manteve como partido centrista “anticapitalista”, questão que não ocorreu nem na Itália, Portugal, Brasil ou no Estado Espanhol. Se se trata de capitulações da esquerda europeia, lembremos que os antigos sócios italianos do PO na fundação da CRQI, o grupo dirigido por Marco Ferrando e Franco Grisolia, estiveram 15 anos dentro da Refundazione Comunista (a reconversão do estalinismo italiano, depois da dissolução do Partido Comunista da Itália). Altamira disse que a RC foi uma “resistência” à dissolução do PCI. O que não diz é que essa “resistência” foi capituladora, centro-esquerdista, chegando a apoiar o governo imperialista de Romano Prodi de 1996 a 1998 (repetindo esse apoio em 2006), e os futuros sócios do PO permaneceram dentro até 2006! Isso já criticavamos na época.

O NPA teve várias rupturas para o PCF e o PG, enquanto as tendências de esquerda avançavam. É falso dizer que o NPA “seguiu, no campo da IV Internacional, o mesmo curso da social-democracia, primeiro, e do stalinismo depois, no desenvolvimento de sua integração ao Estado”. Quais seriam as ações do NPA equivalentes à traição de 1914, que converteu a social-democracia em “social-imperialista”, ou à contra-revolução na URSS e a traição da luta contra o fascismo na Alemanha, que converteram o estalinismo em um aparato abertamente contra-revolucionário? O NPA nunca chegou ao nível de “integração ao Estado”, por exemplo, da Refundazione Comunista. Por isso, o NPA representa - por hora - uma organização em que não é uma “loucura” lutar por um programa e uma estratégia revolucionária, como demonstra o próprio desenvolvimento da CCR, que impulsionam nossos companheiros da FT-QI. Pelo contrário, na França é uma obrigação intervir nesse processo para procurar evitar que o liquidacionismo termine com todo o vestígio de trotskismo ali. É claro que a eventual ruptura do NPA colocará o difícil desafio de avançar no caminho da construção de um verdadeiro partido revolucionário. Para isso, seria um passo à frente um acordo das tendências que defendem a necessidade de um programa e uma estratégia claramente revolucionária e internacionalista, perspectiva que levantam tanto a CCR como a corrente Anticapitalismo & Revolución (A&R) ou a Fracción L’Etincelle (A Faísca), que são as principais correntes da esquerda do NPA. O certo é que as centenas de militantes da CCR, que conquistaram dirigentes e militantes no movimento operário (ferroviários, rodoviários, aeronáuticos, automotores, docentes, saúde e outros) e no movimento estudantil, assim como uma enorme penetração do Révolution Permanente nos setores de vanguarda (site amplamente reconhecido que chegou a superar 2 milhões de acessos mensais durante as mobilizações dos “coletes amarelos” e mais de 3 milhões durante o pico da pandemia na Europa), têm a vontade inquebrantável de assumir esse desafio. Essa base já está conquistada.

Como se vê, o desenvolvimento da CCR em conjunto com a FT-QI é o contrário do que afirma Altamira quando diz: “Os que ingressaram no NPA sabiam muito bem o que estavam fazendo: oferecendo cobertura a uma liquidação contra-revolucionária”. Só a luta tenaz, teórico-política e prática, internacionalista, por construção de um partido quarta-internacionalista na França oferece uma resposta ao liquidacionismo.

Qual é o balanço da “luta pela reconstrução da Quarta” que vem levando adiante Altamira e sua corrente? Na França já sabemos que não existem. Já falamos da Itália, onde a organização de Ferrando e Grisolia se dividiu em 2006 e logo (como PCL) integrou a CRQI até a ruptura com o PO em 2017. A juventude da dita organização logo formou a Frazione Internazionalista Rivoluzionaria (FIR), que impulsiona o jornal La Vocce delle Lotte e vem se integrando à FT-QI. No único lugar fora da Argentina onde pode se considerar que existia uma organização historicamente aliada ao PO, com uma entidade pequena, foi o Brasil, outro país de certa tradição trotskista. Aqui, Altamira foi parte da fundação (nos anos de exílio) do partido Causa Operária (atual PCO), que sempre praticou um sindicalismo bruto e que hoje bate recordes de subordinação ao PT, muito mais que o próprio PSOL. Qual foi o balanço dessa “experiência”? Que “lições” tirou de sua intervenção na luta de classes brasileira? Nada.

A CRQI desapareceu sem nenhum balanço claro e sem que tenham surgido grupos (pra não falar de “partidos”) que mereçam essa denominação fora o próprio PO. Como já dissemos anteriormente, a defesa do “precioso método” de “frente única” (Ramal dixit), de impulsionar a reconstrução da Quarta em base a quatro pontos gerais, trabalha de cobertura para uma prática nacional-trotskista onde não há experiência e coordenação política internacionalista em comum na busca das lições estratégicas da luta de classes. Cada organização “faz o que quer” e só se discutem algumas declarações gerais em Congressos ou Conferências muito esporádicos.

A referência à “frente única” (como se o método para impulsionar a reconstrução da Quarta Internacional pudesse ser equiparado à tática histórica de “frente única” operária que defendeu a Terceira Internacional) é muito significativa: mostra que, a nível internacional, a tradição do PO compartilha o método de construção que criticam no NPA: a “frente única” de tendências, só que de diferentes países. Por que a nível nacional é “liquidacionista” o que a nível internacional é um “método precioso”? Não podem responder “pelo programa”, já que o “método precioso” parte de quatro pontos gerais e conferências que votam declarações que não se baseiam na prática política comum das organizações. Assim, ambos setores do PO terminaram organizando uma “Conferência Internacional”, em abril de 2018, com o Partido dos Comunistas Unificados da Rússia, uma organização que reivindica Stalin e que tem boas relações com Putin. Vamos acabar presenciando conferências com amigos de Xi Jinping?

Conclusão: o “método precioso” da CRQI é o que termina “oferecendo cobertura” a distintos graus de “liquidação contra-revolucionária”.

A direção do PO “oficial” não apresentou nenhum balanço do método da CRQI e, de fato, o defende quando buscam justificar seu próprio abstencionismo e nacional-trotskismo, descartando qualquer intervenção nos processos que levaram à formação de partidos “anticapitalistas” amplos. Enquanto isso, a corrente de Altamira e Ramal defende acriticamente tudo já feito. Talvez o segundo seja o mais chamativo: porque não deveriam Altamira e Ramal perguntarem-se se não existe algo errado em suas concepções, tendo sido expulsos em minoria do partido que criaram ou foram importantes dirigentes e tendo ficado, a nível internacional, somente em uma relação com o pequeno PT do Uruguai?

A recente “Conferência virtual Latino-Americana e dos EUA” teve o mérito de mostrar publicamente os acordos político-programáticos que defendem as 50 organizações participantes, que incluem importantes lições da luta de classes do Chile, país que foi o centro do ascenso em 2019, assim como as diferenças políticas que mantemos em diversos terrenos e os muito variados graus de desenvolvimento de cada corrente e/ou grupo. Pelo grau de diferenças anteriormente conhecido, a Conferência não podia se propor a dar passos para “reconstruir a Quarta Internacional”, mas sim debater de frente com o ativismo e a militância, inclusive das correntes cada vez mais doentiamente inimigas da FIT-U, como o grupo de Altamira-Ramal e o novo MAS, assim como realizar ações em comum. Para evitar os efeitos muito prejudiciais que pode produzir uma overdose de crítica ao que os outros fazem, seria bom saber o próprio balanço desses fracassos tão tristes.

 
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