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CONGRESSO DO NOVO PARTIDO ANTICAPITALISTA
França: "NPA ameaça implodir". Sobre artigo publicado no Le Monde
Comitê de Redação - Révolution Permanente

Um artigo publicado há alguns dias no Le Monde, assinado por Sylvia Zappi, evoca uma ameaça de "implosão" que hoje pesa sobre o Novo Partido Anticapitalista. A narrativa feita sobre as causas e características da crise é marcada por uma visão parcial da situação, deixando de lado elementos decisivos aos quais desejamos retomar.

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Foto: NPA

O artigo, escrito a partir da leitura de um boletim de debate ao qual a autora teve acesso, explica que as fortes tensões em torno dos debates pré-congresso do NPA foram principalmente o produto de uma "série de decepções, eleitorais e estratégicas", desde as eleições presidenciais de 2017, em que o partido "se isolou politicamente, se construindo tendo em base a oposição a todas as correntes da esquerda".

Não sabemos se essa interpretação reflete um posicionamento da autora, mas é certo que ela é compartilhada por uma série de ex-membros da LCR ou do NPA, muitos dos quais se encontram hoje na LFI (La France Insubmisse, partido de Mélenchon), no PCF e até mesmo no PS. Esse tipo de raciocínio vem de uma lógica baseada nas eleições e no relacionamento com a esquerda institucional, que não é a da luta de classes e da perspectiva revolucionária, que é a visão de uma maioria dos militantes do NPA. O enredo de uma oposição que acusa a direção histórica de "querer se aproximar dos amigos de Jean-Luc Mélenchon e de abandonar a pureza revolucionária’ por um reformismo considerado culpado", realmente oferece uma explicação que, sem dúvidas, é conveniente, mas é falsa e mascara o que é essencial.

É mentira, pois não é isso, definitivamente, o que está em jogo, ao contrário do que Sylvia Zappi diz, ninguém acusa essa direção de "querer se aproximar dos amigos de Jean-Luc Mélenchon". Os camaradas seduzidos por essa perspectiva já o fizeram, em várias ondas de rompimento de militantes e de dirigentes do NPA que foram em direção à Frente de Esquerda, e depois à LFI.

Tudo isso mascarando o que é essencial, porque a realidade é muito mais complexa. As origens da atual crise do NPA devem ser encontradas na incapacidade de sua antiga corrente majoritária de dar peso e de se consolidar nas mobilizações históricas dos últimos anos (movimento contra a lei trabalhista de Hollande, movimentos da SNCF, dos Coletes Amarelos depois da reforma da previdência de Macron), e especificamente no fracasso do projeto fundador do NPA.

As verdadeiras razões da crise atual

Antes de tudo, o principal nessa situação é que se a antiga direção está considerando a possibilidade de uma cisão, que alguns querem que aconteça “amigavelmente”, é porque ela se tornou uma minoria na base da organização e, seu registro como maioria relativa resultante do Congresso de 2018, não lhe permite chegar ao próximo Congresso com um pingo de otimismo.

Essa avaliação não é sobre os períodos eleitorais, mas sim sobre a intervenção do partido na luta de classes nos últimos períodos e diante de novos fenômenos políticos que possam ter surgido nesse campo. Além das intervenções de Olivier Besancenot na mídia, muitas vezes corretas, o NPA e sua direção tinham muita dificuldade de entender a situação, de intervir corretamente e de aparecer como uma alternativa possível aos olhos de milhares de protagonistas dessas mobilizações.

Essa avaliação é menos negativa do lado das outras tendências. Ao lado de Gaël Quirante, mencionado no artigo do Le Monde, que desempenhou um papel de liderança frente às mobilizações dos trabalhadores postais e de outros setores em Hauts-de-Seine, encontramos a maioria dos militantes que, para usar a expressão do artigo, "têm influência em certas mobilizações da juventude ou entre as minorias mais radicais de movimentos sociais".

Esse é o caso de nosso camarada Anasse Kazib, que esteve na linha de frente da luta dos trabalhadores ferroviários contra o Pacto Ferroviário em 2018, depois da greve histórica dos trabalhadores dos transportes como parte do movimento contra a reforma previdenciária, de dezembro a janeiro. Como parte desse movimento, ele foi de fato um porta-voz da Coordenação da RATP-SNCF, desempenhando um papel decisivo na manutenção da greve no transporte e, portanto, no movimento, no momento em que a direção sindical pedia uma trégua de fim de ano.

É também o caso dos militantes que estavam na origem do pólo de Saint-Lazare, por meio da Intergare (coletivo de trabalhadores ferroviários sindicalizados e não sindicalizados, resultantes da batalha ferroviária contra o pacto ferroviário em 2018) e seus vínculos com o Comitê Adama. Esse pólo de Saint-Lazare reuniu milhares de militantes dos movimentos dos trabalhadores e dos bairros de classes populares, para se manifestar ao lado dos Coletes Amarelos. Uma política ofensiva, realizada enquanto a direção sindical fazia de tudo para evitar a convergência entre o movimento dos trabalhadores e os Coletes Amarelos, chegando a condenar "a violência" dos manifestantes dos coletes amarelos em um comunicado de imprensa de 6 de dezembro, linha à qual infelizmente se adaptou a direção do NPA.

Não é de surpreender que, neste contexto, a maioria dos camaradas que ingressou no NPA após os últimos movimentos, tanto das empresas, quanto da juventude, o fizeram a convite de camaradas membros de outras tendências que não a da antiga direção da ex-LCR.

Um grande problema com essa corrente é que ela perdeu o hábito de participar das lutas com uma política independente das burocracias sindicais, de conquistar a confiança dos protagonistas dessas lutas por meio de atos militantes concretos, bem como propor a esses militantes que se unam e construam um partido defendendo uma alternativa revolucionária, com uma perspectiva comunista. Essas políticas vistas como "antiquadas" foram substituídas pela ilusão de que participações eleitorais com um bom candidato desencadeariam automaticamente em filiações (e nas eleições, votos) no "partido anticapitalista".

Em conexão com o que acabamos de dizer, o problema mais geral encontrado pelo NPA é o fracasso de seu projeto fundacional, baseado nessas ilusões, mas também em concepções desenvolvidas durante anos pelo grupo internacional que afirma ser "a Quarta Internacional”, e à qual a maioria dos ativistas continua se referindo sob o nome inicial de “Secretariado Unificado” (SU). Esse projeto, nascido no início dos anos 90, consistiu na construção de partidos "amplos", ”não delimitados estrategicamente", ou seja, não assumindo uma posição clara entre reforma e revolução, entre reformas "progressistas" do capitalismo e derrubada revolucionária do sistema a partir de uma perspectiva socialista e comunista.

Essa política, levando a vários tipos de alianças com as chamadas correntes reformistas da "esquerda", também levou a uma série de catástrofes para as organizações do SU; desde a perda, no Brasil, de uma organização ("Democracia Socialista") que apoiou e participou em 2003 no governo social-liberal de Lula; até a recente retratação do Podemos, no Estado Espanhol; e na Itália com o desastre da "Rifondazione Comunista", hoje morta e enterrada.

É com essa concepção de construção de partido que devemos definitivamente romper hoje se queremos que os 12 anos de existência do NPA sejam capazes de servir para promover o movimento revolucionário e não terminar em um fracasso completo como os experimentos já citados acima.

“Quem quer afogar seu cachorro o acusa de estar com raiva?"

É essa realidade contrastante em que as correntes da esquerda do NPA estão avançando, colhendo os frutos de sua intervenção na luta de classes, enquanto o peso relativo da antiga maioria da LCR diminui congresso após congresso, que a direção majoritária procura esconder. Manobras, como a tentativa de impedir que novos militantes, que se uniram ao partido após os últimos grandes movimentos, possam votar no próximo Congresso, ou a nomeação de bodes expiatórios e a invocação de pretextos - "as tendências" que colocariam em xeque as decisões tomadas e não pagam suas cotas de maneira justa - fazem parte de um desejo de ignorar um balanço político real do NPA, 11 anos após sua criação.

O verdadeiro cerne desta questão é que a maioria histórica da ex-LCR não está disposta a aceitar pertencer à minoria dentro da organização a que deu origem. No entanto, a maioria dos militantes se opõe à cisão e, de fato, pretende manter o NPA e reconstruí-lo a partir de uma análise levando em conta a mudança radical da situação, o ressurgimento do conflito entre as classes e da perspectiva de grandes revoltas sociais com potencial revolucionário. Todos esses elementos são questionados e exigem esclarecimentos sobre os vagos limites estratégicos do projeto original.

O que é certo, porém, é que, nas circunstâncias atuais, o desaparecimento do NPA como organização anticapitalista independente beneficiaria as organizações da esquerda institucional, em particular a LFI, que já está de olho nas eleições presidenciais e adoraria ver eliminada a força que está à sua esquerda, sendo então vista como uma possibilidade radical, com certo apoio da população.

Esta é a razão pela qual a LFI, através Adrien Quatennens, escreveu à diferença do NPA algumas semanas atrás para lhe propor uma reunião para discutir a próxima eleição presidencial. Uma eleição em que esta organização acredita que pode levar Mélenchon para o segundo turno, apostando em um "bilhete de acesso" para o segundo turno, que seria menor do que em 2017.

Preservar o NPA e transformá-lo em uma ferramenta para construir um grande partido revolucionário

Ao contrário dessa lógica de cisão e divisão, resultando em um pequeno partido com quase nenhuma inserção no movimento operário, que pode levar inclusive ao desaparecimento total do NPA, a situação política deve levar os anticapitalistas a uma lógica completamente diferente. Nesta nova situação marcada pelo ressurgimento da luta de classes em escala internacional, onde será travada uma batalha feroz para saber quem arcará com os custos da crise sanitária e econômica, onde os partidos institucionais estão encontrando cada vez menos credibilidade nas massas e onde, através de vários canais, surge a urgência de acabar com essa sociedade capitalista, racista, patriarcal e ambientalmente destrutiva, a existência de organizações anticapitalistas e revolucionárias independentes será mais do que nunca um fator decisivo.

Isso não significa que o NPA seja perfeito, longe disso, mas pode se tornar uma ferramenta para recompor uma luta de extrema esquerda por um grande partido revolucionário, constituído por militantes de diferentes tradições e por milhares de trabalhadores e jovens que despertaram politicamente no contexto das mais recentes mobilizações. Para "inclinar a balança" não para o lado da LFI e da EELV (Os Verdes), mas para o lado dos trabalhadores que lutam e de seus interesses, pela derrubada do sistema capitalista e para a construção de uma sociedade sem exploração e opressão.

Longe de propor a simples continuação dos “debates entre tendências”, vistos como responsáveis ​​pela crise do NPA, acreditamos que um período de luta de classes, como o iniciado em 2016, oferece uma nova perspectiva para a construção de um grande partido revolucionário na França. Os vários setores e militantes que corajosamente ergueram suas cabeças nas mobilizações dos últimos anos, devem abrir as portas do partido (em vez de fechá-las) para discutir as avaliações estratégicas das lutas recentes e as possibilidades de reconstruir um partido anticapitalista e revolucionário à altura da situação.

De qualquer forma, esta é a aposta política que os militantes da CCR - Revolución Permanente (grupo irmão do MRT na França) pretendem defender ao lado de outras tendências do partido, no próximo Congresso e depois dele.

 
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