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OPINIÃO
Tik Tok, pessimismo, #TeamBabu e sentimento de impotência no mundo do vírus-capital
Guilherme Costa
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Foto: registro do momento exato em que o vírus invade a membrana de uma célula: Débora F. Barreto Vieira, Fiocruz

O desânimo parece governar o mundo. Desânimo que se transforma em pessimismo, passa pelo desespero, dá voltas na imaginação, e estaciona na derradeira sensação de impotência – tudo isso embalado por boas doses de vídeos do Tik Tok, torcidas pelo #TeamBabu, funerais dançados por homens de Gana ao som de um eletrônico americano, estatísticas mortuárias erguendo a curva da COVID, alcoolismo crescente, sinistros caixões de papelão em Nova York, encontro com a tuberculose nos presídios do país, aplausos e panelaços nas janelas… o mundo foi tomado pelo desconhecido e parece que caminhamos no escuro. Tudo isso sem testes ou vacinas. É como entrarmos em alto mar sem bússola ou vela, e com o capitão-corona no leme.

O efeito disso tudo é brutal. Quem olha para o lado e não vê desânimo, não está enxergando direito. Quem se propõe a transformar a realidade, como nós, têm a tarefa de penetrar além da superfície dessa ansiedade coletiva. Tudo parece levar à paralisia, à incapacidade de agirmos contra os problemas e enfrentarmos esse inimigo (quase) invisível. Olhamos para um país como o Brasil e nos deparamos de um lado com um negacionismo obscurantista com requintes de milícia, jejuns medievais e cheiro de porões da ditadura. Do outro lado, a malta de políticos neoliberais e demagógicos, militares twitteiros e uma Rede Globo cujo Ibope cresce na proporção direta da curva de contaminação. Não é à toa que o Tik Tok explode pelos zapzaps do país e Babu parece ter se transformado na maior celebridade da vida. No Tik Tok as pessoas viram sujeito de alguma coisa, no BBB o brasileiro sente que pode vencer algo, apesar do apresentador sapatênis-humano. Mas contra o poder estabelecido, Bolsonaro, os militares, o Congresso, os governadores e os bancos, o problema parece ser insolúvel. Eles surgem como uma onda de Nazaré, enquanto nós somos aquele pontinho pequeno esperando para ser levado e morrer na praia. E assim o pessimismo toma conta. O problema, afinal, já dizia o poeta, é que sozinhos não podemos dinamitar a ilha de Manhattan…

Reza a lenda de que depois da tempestade, vem a calmaria. Depois do achatamento, a esperança. Mas a vida não reza a lenda, nem o mundo é uma curva em progressão geométrica. A calmaria não virá pós-COVID, nossos empregos não serão mais os mesmos, nossas janelas nunca mais serão as mesmas, nossos salários já estão reduzidos, nossas amizades vão mudar e os que se foram perderam até mesmo o direito de epitáfio ou mesmo um funeral ao som de qualquer coisa. Se a vida imitasse a arte, o amor nos tempos do cólera triunfaria e Gabo seria um profeta. Mas a arte mais imita a vida do que o contrário, por enquanto pelo menos. Não queremos filmes bonitos da Netflix sobre quarentena, auto-conhecimento e superação, queremos mudar tudo, corações e mentes, o poder e o capital. E só conquistamos o futuro se conquistarmos o presente.

O pessimismo, sozinho, nunca mudou nada. Ele ajuda na análise e na razão, mas sozinho é destruidor. Um velho pensador italiano concebeu por bem a necessidade do “pessimismo na razão e otimismo na vontade”. Tracemos as piores perspectivas, mas não cedamos no desejo de mudá-las. Um dia desses li uma notícia cuja manchete dizia “Trabalhadores do McDonald’s tomam unidade em Marselha para distribuir alimentos em bairros populares”. Para além de coragem, ações dessas requerem estratégia. Por que não imaginar um movimento de trabalhadores, em meio ao caos viral, onde a produção seja auto-controlada? Onde as metalúrgicas reconvertam sua produção para fabricar respiradores e as indústrias têxteis EPI’s e máscaras cirúrgicas? Onde os Ubers e 99’s movam seus automóveis para testarem a população e transportarem pacientes? Onde os leitos privados se tornem públicos e os hospitais controlados pelos enfermeiros, técnicos e médicos? Onde os laboratórios e universidades de todo o mundo girem a pesquisa para remédios e vacinas anti-virais? Onde a quarentena seja racionalmente planejada, com testes para todos, e não medieval? É tão louco imaginar um mundo onde o trabalho sirva à maioria? Os que movem o mundo, os trabalhadores, são os únicos que podem encarar a crise de frente. Os governantes, eles não, eles trabalham em função das classes dominantes e do mercado, e as lideranças tradicionais dos trabalhadores vão atrás. Se forjada a poderosa aliança entre classe operária e ciência, não há capitão que possa freiar esse maremoto.

Imaginar tudo isso pode ser pedir demais. Um camarada poderia dizer, mas isso tudo é impossível, é utópico. E a ele nós respondemos como as paredes francesas de maio de 68 respondiam a juventude sem medo de então: “a imaginação ao poder!” No mundo da quarentena e dessa angustiante ansiedade coletiva, oferecemos uma das coisas mais poderosas que o ser humano pode criar: a imaginação. Não para pairar no ar, mas para ganhar carne entre a consciência da juventude e dos trabalhadores. Hoje as pessoas comuns estão repensando o futuro da humanidade. Dia desses, uma colega professora, que eu nunca esperaria ser adepta de conspirações anticapitalistas, disse, assim como quem pede tranquilamente um café na padaria, que o vírus “obviamente foi criado pelos americanos para freiar a hegemonia chinesa no mundo e se manterem como potência imperial”. Eu, tolo, achando que ela versava apenas de orações subordinadas e poesia barroca do século XVII, fui surpreendido por uma antiimperialista de primeira linha. O mundo não está ao avesso, as coisas estão apenas se acelerando e se escancarando. As pessoas estão abrindo suas cabeças para repensar o destino da humanidade, modelos civilizacionais, as formas de destruição do capitalismo… E não aproveitar isso seria um crime.

Uma das grandes tarefas que temos hoje é disputar essa consciência em turbilhão. Disputá-las num sentido anticapitalista, pois sem anticapitalismo podemos vencer a batalha do corona, mas outros vírus virão. Sem anticapitalismo, veremos, os lucros dos bancos vão crescer no mundo pós-pandemia, os salários vão achatar junto da curva e os Estados estarão mais armados. Toda a tecnologia “de proteção” contra o coronavírus se voltará contra os trabalhadores. 1984 é agora. O modo de produção capitalista é insustentável e as ciências ecológica, social, filosófica e biológica não se cansam de provar. Por que não aproveitar a crise para redesenhar um novo modelo de sociedade, onde os que trabalham governem e a ciência seja motivo de celebração e não sinônimo de custo? Um mundo onde a produção seja feita em função da necessidade e não do lucro. Honrar os que tombaram nessa crise é derrotarmos não apenas o coronavírus, mas também as raízes que o provocaram – e como tudo nessa vida, estão intimamente ligadas ao capital. Sinônimo desse mundo, sem capital, é comunismo.

 
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