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ARTES VISUAIS
Hélio Oiticica - Parangolé e outras invenções
Hélio

Meu objetivo aqui não é apresentar um panorama geral da vida e da obra do artista carioca Hélio Oiticica (1937-1980), mas, a partir de elaborações dos teóricos e críticos de arte Mário Pedrosa, Celso Favaretto e de textos do próprio artista, pretendo problematizar cinco experiências construídas por Oiticica entre os anos 1960 e 1970.

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Basta me conhecer através do que eu faço. Porque na realidade eu não sei o que eu sou. Porque se é invenção eu não posso saber. Se eu já soubesse o que seriam estas coisas elas já não seriam mais invenção.

Só o experimental me interessa.

Hélio Oiticica, artista louco e austero, neto do filólogo e anarquista José Oiticica (1882-1957), inicia os estudos de pintura e desenho com Ivan Serpa no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ) em 1954. Participa do Grupo Frente em 1955 e 1956 e, em 1959, fez seu percurso dentro das concepções estéticas neo-concretas, encabeçadas pela artista plástica Lygia Clark e pelo poeta Ferreira Gullar.

Em 1964, ou um pouco antes, o jovem artista, filho de um importante fotógrafo brasileiro, condicionado a uma vida burguesa, abandona sua torre de marfim, seu estúdio, e vai conviver com a comunidade do morro da Mangueira no Rio de Janeiro, tornando-se mais tarde passista da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira.

Passista psicodélico verde-rosa fluorescente. Com a cabeça feita pelas quebradas, nas ruas há muito tempo em estado permanente de invenção, o delírio ambulatório é um delírio concreto.

Parangolé

Com toda a experiência com o samba, com a descoberta dos morros, da arquitetura orgânica das favelas cariocas, Oiticica formula em 1964 as primeiras capas de Parangolé, passando da experiência visual propriamente dita da tradição plástica ocidental para a experiência do movimento, da fruição sensual dos materiais. Parangolé são capas, estandartes, bandeiras para serem vestidas ou carregadas pelo participante. Já não se trata mais do reinado do olho aristocrata que vê e julga os quadros pendurados na parede de um museu ou de uma galeria, o lance agora é o corpo inteiro que dança. Basta de suportes e de suportar tanta caretice. A descoberta de manifestações populares como as escolas de samba, frevos e feiras intensificou em Hélio Oiticica a ideia de uma arte coletiva total.

A primeira apresentação pública do Parangolé foi em 1965 na abertura da exposição Opinião 65, realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ). O que causou uma enorme polêmica. Hélio Oiticica, junto com outros passistas da da Mangueira foram proibidos de entrar e apresentar a asa-delta para o êxtase, conforme definição do poeta concreto Haroldo de Campos. Oiticica e a escola de samba realizaram sua performance nos jardins do MAM. A congada psicodélica sem boas maneiras tira um sarro do espaço sagrado da arte burguesa. Gênio ou louco, Oiticica propõe a ocupação do museu pelo povo, instituição frequentada basicamente pelas classes médias e burguesas. Ele quer expandir. A rua no museu. O samba no museu. O morro no museu. O museu é o mundo. Fora! Fora! Vocifera a voz branca e patética dos intelectuais e endinheirados de plantão.

Segundo Mário Pedrosa em Os projetos de Hélio Oiticica (1961), o artista carioca rompeu com a ideia de quadro à procura do espaço real. Tentou suprimir até os últimos vestígios do cavalete ou de qualquer outro suporte para a obra de arte. Oiticica vai pensar e construir seus penetráveis, ambientes por onde se anda, sente e vive cores e materiais diversos, abrigos, um espaço coletivo, orgânico, nada individualista e egocêntrico que rejeita a assepsia plástico-formal das academias-galerias-museu. O participante se integra numa recusa ativa do tic-tac insuportável do dia a dia.

Contato não contemplativo, espectador transformado em participador, proposições invés de peças, propor-propor, práticas não ritualísticas, o artista não mais como criador de objetos, propositor de práticas em aberto, descobertas apenas sugeridas, proposições simples e gerais não ainda completadas, situações a serem vividas.

Em A invenção de Hélio Oiticica (1992), Favaretto diz que o artista rompe com o quadro, rompe com a escultura e propõe o que ele vai chamar de Ambiental ou Arte Ambiental. Oiticica introduz a vivência popular em suas experiências após sua ida e trânsito real no morro da Mangueira com o Parangolé e sintetiza todo este percurso na macro-imagem chamada Tropicália, proposição que, conforme o autor, naquela ocasião, poderia ser encontrada no filme Terra em Transe de Glauber Rocha, no livro PanAmérica de José Agrippino de Paula e na música Tropicália, de Caetano Veloso.

Tropicália

O conceito Tropicália nasce como nome desta obra de Oiticica exposta na mostra Nova Objetividade Brasileira, também realizada no MAM-RJ em 1967. Um ambiente-labirinto constituído por dois Penetráveis, PN2 (1966) – Pureza é um mito e PN3 (1966-1967) – Imagético, associados a plantas, araras, areia, água, pedra, poemas-objetos, capas de Parangolé e um aparelho de televisão ligado.

O ambiente criado era obviamente tropical, como num fundo de chácara e, o mais importante, havia a sensação de que se estaria de novo pisando na terra. Esta sensação, eu sentia anteriormente ao caminhar pelos morros, pela favela, o percurso de entrar, sair, dobrar pelas quebradas da Tropicália, lembra muito as caminhadas pelo morro.

Um passeio tropical-experimental nada nacionalista ou pró-imperialista. O artista quer devorar araras e aparelhos de televisão num banquete antropofágico grátis.

Homenagem a Cara de Cavalo - Seja Marginal Seja Herói.

Em 1964, Manoel Moreira, mais conhecido como Cara de Cavalo, morador da antiga Favela do Esqueleto (RJ), foi acusado de matar Milton Le Cocq, famoso detetive de polícia do estado do Rio de Janeiro e chefe de um grupo de extermínio que, em sua homenagem, se transformou no esquadrão da morte Scuderie Le Cocq.

Após uma caçada policial, que contou com o apoio do então governador do Rio de Janeiro Carlos Lacerda, Cara de Cavalo, amigo pessoal de Hélio Oiticica, foi executado com mais de 150 tiros, mas somente 52 atingiram o alvo, conforme observou o Jornal do Brasil.

Em 1966 Cara de Cavalo foi homenageado por Oiticica com a obra B33 Bólide-caixa n 18 "Homenagem a Cara de Cavalo", como protesto contra as execuções sumárias dos grupos de extermínio e toda a repressão da Ditadura Militar.
Dentro de uma caixa de madeira há fotografias de Cara de Cavalo no chão com os braços estendidos, com o corpo crivado de balas. A mesma imagem que estampou as capas dos jornais da época. No funda da caixa, sobre grades de ferro, há um saco de plástico transparente, contendo pigmentos. Nele está escrito: Aqui está, e ficará!Contemplai seu silêncio heroico.

Afora qualquer simpatia subjetiva pela pessoa em si mesma, este trabalho representou para mim um momento ético que se refletiu poderosamente em tudo que fiz depois: revelou para mim mais um problema ético do que qualquer coisa relacionada com estética.

Alcir Figueira da Silva, em 1966, se suicida às margens de um rio para não ser preso após um assalto a banco, frustrado pela chegada da polícia. A história de Alcir não despertou a sanha da mídia abutre e caiu no esquecimento. Apesar disso, para Oiticica, esta história se assemelha ao caso de Cara de Cavalo e também presta uma homenagem a este anti-herói anônimo.

É de Alcir a foto estampada na bandeira-poema Seja marginal Seja herói, produzida por Hélio Oiticica em 1968. A bandeira, exibida no show de Caetano Veloso na boate Sucata no Rio de Janeiro foi apreendida, provocando a interdição do espetáculo pelos órgãos repressivos. Logo após a interdição, Caetano e Gil foram presos.

Cosmococa – programa in progress

Em 1970 Hélio Oiticica se muda para Nova York (EUA). Mais rock, cinema underground americano, manifestações coletivas e menos instituições-museus-galerias, apesar de receber uma bolsa de estudos do Museu Guggenheim. Assim como o samba embalou suas proposições no Rio de Janeiro, em Nova York o rock vai ser o dinamizador dionisíaco. Parangoplay. Rolling Stones na cabeça-tronco-membros do passista psicodélico. Simpatia pelo ruído marginal da cultura underground nova-iorquina.

Entre os anos de 1973 e 1974, Hélio Oiticica e o cineasta Neville de Almeida elaboraram os cinco primeiros blocos do programa in progress Cosmococa, identificado pela abreviatura CC. CC1 Trashiscapes, CC2 Onobject, CC3Maileryn, CC4 Nocagions e CC5 Hendrix War. Na sequência veio CC6 Cokes Head Soap, com Thomas Valentim, parodiando o álbum Goat´s Head Soap da banda Rolling Stones; CC7 (esboço) com o crítico de arte Guy Brett; CC8 Mr D or D of Dado, com o escritor Silviano Santiago e CC9 Cocaoculta Renô Gone (incompleta), com Carlos Vergara.

Se se usam tintas fedorentas e tudo o que é merda nas obras de arte porque não a PRIMA tão branca, brilho e tão afim aos narizes gerais
?

Trashiscapes mostra uma foto da capa do New York Times Magazine, com o olho do cineasta espanhol Luís Buñuel, cortado por uma carreira de cocaína, numa alusão à mítica cena do olho cortado no filme Um Cão Andaluz(1929) de Buñuel. Linhas de coca sobre a capa do álbum Weasel Ripped my Flesh de Frank Zappa. O público se acomoda em colchões e é convidado a lixar as unhas ao som de forró, Stockhausen e Jimi Hendrix.

Onobject. Espuma grossa no chão. Cones e cilidrindos de espuma coloridos. Um convite á dança geométrica. Projeções de slide nas quatro paredes com a foto de Yoko Ono na capa do livro Grapefruit com diversos desenhos com pó. Heidegger. Charles Manson. Fly de Yoko Ono.

Maileryn. Areia no chão. Bexigas para brincar. Nas paredes e no teto são projetadas fotos da artiz Marilyn Monroe maquiadas com cocaína. Sobrancelhas e boca cobertas por cocaine. Navalha. Snow.

Nocagions. Slides dos rastros de pó desenhados em cima da capa do livro Notation do músico John Cage são projetados nas paredes de uma sala com uma piscina no centro, na qual o participador pode nadar.

Hendrix War. Slides da capa do álbum War Heroes de Jimi Hendrix. Borboletas e máscaras de guerra desenhadas com o fino pó na face do músico. Redes penduradas para trepar, fumar maconha, descansar e até mesmo dormir.

 
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