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INTERNACIONAL
Para o governo golpista da Bolívia, a saída para a pandemia é a repressão
Zuca Falcão
Professora da rede pública de MG

Em meio a uma crise sanitária aberta pelo surgimento de casos de coronavírus na Bolívia, a solução apresentada pelo governo interino de Jeanine Añez foi a repressão. Militarização do país e a negação de repatriações são algumas das opções autoritárias da presidente ao invés do investimento em saúde.

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Capa: David Mercado/Reuters

A chegada da pandemia do coronavírus na Bolívia provocou uma crise sanitária e foi declarado estado de emergência. Dados de hoje (1/04) divulgados pelo jornal El Deber informam um total de 7 mortos, 115 casos confirmados e mais 35 suspeitos.

O governo golpista de Jeanine Añez, que desde que assumiu já deu muitas demonstrações de violência autoritária contra os trabalhadores bolivianos, segue essa linha para lidar com a crise que se abriu com a chegada do vírus. O governo instituiu uma quarentena no período de 26 de março a 15 de abril e, para garantir que seja cumprida, militarizou o país colocando o exército nas ruas e prevê sanções nos casos de descumprimento que podem chegar a 2 mil bolivianos (mais de mil reais) e dez anos de cadeia.

O reforço do débil sistema de saúde do país diante da pandemia não foi uma prioridade. Representantes de associações e sindicatos da área da saúde emitiram declarações implorando por recursos de segurança como máscaras e equipamentos. Dados do INE (Instituto Nacional de Estadística) indicam a insuficiência de leitos nos hospitais, que somam 12 mil unidades, correspondendo a 1,1 para cada mil habitantes. Enquanto isso o Vice-ministério de Segurança boliviano segue realizando estudos econômicos para viabilizar um aumento de salário para a polícia.

Os indígenas são a parcela da população que mais sofre com as medidas tomadas pelo governo Añez. Além de representarem a maior parte da população (acima de 70%), esse grupo historicamente possui as condições de vida mais precárias, com mínimo acesso à educação, saúde, saneamento básico, e também é a parte que compõe majoritariamente o grupo de trabalhadores informais, que representa mais de 70% da população economicamente ativa. Estes trabalhadores que sobrevivem do ganho diário, principalmente da atividade de comércio das centenas de feiras e mercados espalhados pelas cidades do país, se encontram em situação de extrema vulnerabilidade social com a restrição do funcionamento das feiras e a ajuda absurda de 400 bolivianos (pouco mais de 200 reais) mensais anunciada pelo governo.

Outra medida autoritária tomada por Añez foi o fechamento das fronteiras, o que afeta diretamente a grande quantidade de pessoas que mantém relações próximas com os países vizinhos por questões financeiras. Devido às precárias condições de vida e das dificuldades relacionadas ao emprego, a população indígena da Bolívia é forçada a migrar, em grandes quantidades (mais de 800 mil vivem fora do país), principalmente para os países de fronteira, como Brasil, Argentina e Chile, em busca de oportunidades em economias mais desenvolvidas. O Chile é o quarto maior destino dos emigrantes bolivianos, abrigando 6% da população que sai deste país.

A política de fechamento de fronteiras tem gerado problemas em várias regiões, quase 800 pessoas em distintas fronteiras tiveram seu direito legal de repatriação negado, mas a situação dos bolivianos retidos na fronteira com o Chile, na região de Pisiga, chamou a atenção e repercutiu de forma negativa mais fortemente nos últimos dias.

Um grupo de mais de 200 pessoas, entre elas mulheres grávidas, senhoras e crianças, decidiram regressar à Bolívia após perder seus empregos devido ao fechamento de empresas no Chile pela quarentena. Sem condições financeiras para retornar ao país de origem, o grupo decidiu no dia 27 de março empreender uma caminhada rumo ao povoado de Pisiga no território boliviano, mas a caravana foi impedida e ameaçada pela polícia chilena, sendo obrigada a retornar para a localidade de Huara, de onde tinham partido. No entanto, nem o governo chileno, nem o boliviano propuseram alguma solução para o grupo, que permanece na localidade sem estrutura adequada, alojados em barracas e expostos a intempéries e temperaturas extremas (a região se encontra em clima desértico, onde é muito quente durante o dia e muito frio durante a noite), e também expostos ao contágio pelo coronavírus.

Após o caso gerar uma grande comoção e repercutir na imprensa dos maiores jornais do país, e de figuras públicas, políticos e representantes de movimentos sociais emitirem declarações exigindo a repatriação do grupo e medidas por parte do governo interino, o diretor de Migração Marcel Rivas, informou a construção de um centro de quarentena improvisado, mas que vai demorar seis dias para ficar pronto, e vai ser militarizado para garantir que o governo mantenha o controle.

Bolivianos retidos em acampamento improvisado no Chile/APG.

Enquanto isso, a única ajuda recebida pelos acampados vem de algumas doações do governo do departamento de Iquique, no Chile e de ajuda da população local. O grupo está preocupado e se sente abandonado pelo governo de seu país conforme expressam no pronunciamento que fizeram ontem (31/03) e quefoi publicado no Esquerda Diário Bolívia. O ministro de Governo Transitório Arturo Murillo declarou desconhecer casos de bolivianos impedidos de entrar no país.

A repressão é uma marca do governo provisório de Jeanine Añez que assumiu após o golpe de estado em novembro de 2019, e que uma das primeiras medidas tomadas foi firmar um decreto dispondo um aumento de mais de 5 milhões de dólares para reforçar as forças armadas, responsáveis por reprimir ferozmente aos manifestantes que se mobilizavam contra o golpe, sobretudo na cidade de El Alto em La Paz e na região do Chapare em Cochabamba.

A enorme quantidade de dinheiro destinada por Añez ao fortalecimento das forças repressivas serviria para estruturar o sistema de saúde boliviano, criando mais leitos e garantindo os insumos necessários para combater a pandemia. A escolha de deixar centenas de bolivianos, incluindo crianças, gestantes e pessoas com idade avançada, à própria sorte no deserto enquanto militariza o país demonstra que a real preocupação do governo provisório e da direita que encabeçou o golpe nunca foi com a vida da população, mas sim de manter a qualquer custo o controle e de conter a revolta dos trabalhadores insatisfeitos, condição que tende a se agravar com essa crise sanitária e para a qual as forças repressivas do Estado boliviano já demonstraram estar preparadas.

 
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