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ANÁLISE
Coronavírus, Bolsonaro e estados: elementos de divisão na burguesia e crise estatal
Leandro Lanfredi
Rio de Janeiro | @leandrolanfrdi

A crise do Coronavírus cria uma crise por si, mas também atua como disparadora e combustível para aumentar as chamas de crises pré-existentes. Isso é verdade na economia mundial que já tendia a recessão e agora trafega rumo a território depressivo segundo vários analistas. Isso também é verdade nos desarranjos geopolíticos, nas tendências a nacionalismos nos imperialismos, mas é também verdade em importantes contradições que se expressam, aos berros, entre setores da burguesia nacional. Em nenhum terreno como na crise entre os governadores e o governo federal se vê um elemento tão forte de crise estatal. Não há unidade de comando. Há um tipo de divisão como não se via no país há décadas.

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Bolsonaro criticou os governadores por imporem quarentenas, fala que querem destruir empregos, os mesmos empregos que ele quer “manter” só que sem salário. Uma medida que seu arqui-adversário Doria aplaudiu, diga-se de passagem. Mostrando, mais uma vez, como a saúde, renda e empregos da população é o que menos importa aos mais destacados membros da classe dominante. Essa crise tem mostrado, com singular desfaçatez como a vida humana pouco importa aos burgueses, só ver o discurso de Luciano Hang ou do dono da rede Madero falando de algumas milhares de mortes com desprezo.

Em todo esse debate burguês, nunca é supérfluo repetir, há zero preocupação com empregos e renda, e muito escassa preocupação com a saúde da população, visto que não tomam medidas de “guerra” para garantir leitos, respiradores, e mesmo testes para todos, para aumentar eficácia das medidas de isolamento social implementadas nos estados. Por Bolsonaro, com seu negacionismo, adotava-se nenhuma medida a não ser isolar os idosos que não sejam atletas como ele (sic). Sua aposta, arriscada, ao buscar contrapor as medidas de combate ao vírus com manter a economia de pé, o que não aconteceria de nenhuma maneira já que as exportações estão em acentuada queda e o consumo interno já vinha caindo mesmo antes da crise do COVID-19, tem endereço certo: o grande empresariado, o pequeno comerciante que teve seu comércio fechado e o trabalhador precário, informal, o UBER sem clientela e sem renda forçado a viver com R$200 (que hoje Maia e Bolsonaro prometeram aumentar para R$300). É tamanha demagogia que basta comparar esses magérrimos números com os mais de R$1 trilhão que o Banco Central entregou como “injeção de liquidez” aos bancos.

Se o descasso com a saúde do ponto de vista de garantir leitos, respiradores e imediatos testes para todos unifica todos os burgueses, se o descaso com empregos e renda também os unifica, a quarentena e como equacionar politica e socialmente a equação COVID X Economia os divide.

Bolsonaro ordenou “quero que abram escolas”, mas não se viu isso em lugar algum. Ele disse querer o fim das quarentenas, mas 24 governadores abertamente o desafiaram e disseram que continuam as quarentenas. As consequências políticas dessa crise também se fazem sentir, com Caiado (DEM), governador de Goiás deixando as fileiras de aliado de primeira ordem de Bolsonaro para ir à TV e dizer “não tenho mais nenhuma relação com esse homem”. Porém, apesar desse imenso isolamento institucional, Bolsonaro não está completamente isolado. Pesos pesados do comércio, das finanças, setores da indústria e do agronegócio apoiam algum nível de afrouxamento das quarentenas nessa mimetização lambe-botas de Donald Trump.

Hoje pode-se notar em algumas capitais um aumento do fluxo de pessoas indo ao trabalho, submetendo-se a riscos sanitários para atender à infinita e sanguinária sede de lucros das patronais que usaram a declaração de Bolsonaro para rasgar acordos que tinham feito com funcionários visando sua proteção do vírus. A crise do Coronavírus mostra tanto o elemento de crise estatal, de mando, como elementos de divisão da burguesia pois outros pesos pesados da burguesia seguem defendendo as quarentenas como medida para “achatar a curva” epidemiológica, só ver a Rede Globo e a opinião de renomados economistas, especialmente Meirelles que disse que em primeiro lugar estão as vidas e não a economia, invertendo a fórmula trompista-bolsonarista.

Conflito Bolsonaro X Estados: elementos de crise estatal

Quem manda nas rodovias federais atravessando um estado, o governo federal ou estadual? Bolsonaro quis determinar por decreto que seria o governo federal, através da ANVISA, nas mãos de um militar da Marinha que ficaria de árbitro entre o negacionismo do Palácio do Planalto e governadores que adotam quarentenas iguais a da Itália e da Espanha, sem testes para todos, sem ciência, quarentenas com técnicas, e eficácia da Idade Média e não do Século XXI. Outro poder sem voto, sem farda mas com toga interveio fortalecendo os governadores. O ministro do STF Marco Aurélio revogou esse aspecto do decreto presidencial e deixou o poder em mãos dos governadores. Eles poderão seguir com as medidas de bloqueio até julgamento do plenário virtual do Supremo.

Outro capítulo forte da crise se viu não só nos gritos de Bolsonaro e Doria mas na declaração desse de resistir ao confisco de respiradores pelo governo federal. A questão de quem manda se coloca, e isso é uma das maiores preocupações dos pesos pesados da indústria reunidos na paulista FIESP. Com um pé em cada canoa da disputa política entre forças golpistas, a criadora da logomarca dos patos, mantém um fórum permanente de discussão com Bolsonaro e outro com Toffoli do STF. No primeiro vai com pires na mão pedindo socorros financeiros, medidas de ataques as leis trabalhistas, como a MP da morte, e algum afrouxamento ou melhor controle das quarentenas. No segundo fórum os donos dos patos atuam aberta e publicamente para que seja encontrada uma solução que pare a disputa entre Executivo e Legislativo por um lado, entre Executivo federal e executivos estaduais por outro, uma pressão para que o STF ajude a fornecer uma unidade de comando.

O desalinhamento e o aberto desrespeito a decisões entre governadores e governo federal está numa escala como não se viu em nenhuma crise dos últimos anos. Esse elemento de divisão, no entanto, não surgiu do nada. Alguns dias antes da declaração de Bolsonaro negando os riscos do Coronavírus como um resfriadinho e desafiando os governadores, vimos Major Olímpio quase sair aos tapas com João Doria Jr. Hoje assistimos Bolsonaro gritando com Doria em reunião oficial.

A tensão entre o bolsonarismo e os governadores surgiu com toda força durante o motim de policiais do Ceará, quando o presidente da República e seu séquito incentivaram abertamente a quebra da hierarquia e a “mobilização” com métodos milicianos para se enfrentar com os governadores, buscando assim avançar politicamente no nordeste, bastião opositor e se fortalecer em todo país. Do conflito potencial, que não se sabia mais quem mandava nas tropas, ergueu-se as Forças Armadas como árbitro entre governadores e bolsonarismo. Esse elemento também ganha renovada força na crise atual, assunto tratado em outra análise. A declaração de Mourão, “interpretando” a política do governo como uma política de isolamento social, na contramão de Bolsonaro e mesmo de Mandetta da Saúde, mostra a tentativa de relocalização dos militares como grande árbitro, e mostrando um desalinhamento de pelo menos parte da cúpula fardada com o Bolsonaro-trumpismo.

O elemento de crise estatal, de mando sobre tropas, sobre estradas, sobre a circulação de pessoas, expressa em forma muito aumentada o que a crise do motim cearense colocava como potencial, e agora essa divisão também mostra divisões de interesses e políticas entre alas da burguesia.

Os lucros e duas políticas sanguinárias

A Bovespa reagiu eufórica ao plano de injeção de dinheiro no mercado financeiro americano e brasileiro e às declarações de Bolsonaro de ontem à noite. Enquanto Nova Iorque subiu 2,3%, a bolsa paulista em meio a quarentena se reposicionou em mais de 7%. Tudo bem que gigantes como o banco americano JP Morgan mudaram a perspectiva para a bolsa brasileira para compra, pois acham que esta, a campeã mundial em desvalorização esse ano, está barata demais, mas essa decisão sozinha não explica essa valorização tão discrepante. Aqueles que vivem de investimentos, sanguessugas dos trabalhadores, estão animados com a ideia de enfraquecer as quarentenas e aumentar seus lucros, mesmo que isso custe vários milhares de vidas humanas a mais.

A bolsa pensa como Junior Durski, dono da hamburgueria Madero, que acha que o equivalente em dólares de seus hamburgueres valem mais do que a nossa vida. Esse ser vil disse que “o Brasil não pode parar, as consequências que vamos economicamente no futuro vão ser muito maiores do que as pessoas que vão morrer agora com o coronavírus (…)não podemos por conta de 5 mil pessoas ou 7 mil pessoas que vão morrer, eu sei que é um problema, mas muito mais grave é o que já acontece no Brasil”. Luciano Hang da Havan fez o mesmo discurso antes e depois do discurso de Bolsonaro. Flavio Rocha da Riachulo achou o tom ruim, mas a preocupação correta.

O bilionário Abilio Diniz, importante acionista do Carrefour, criticou as quarentenas sem prazo. Poucas horas depois vimos Paulo Guedes falar a mesma coisa, falando que sua previsão é que no dia 07 de abril já não tenhamos quarentenas. Toda previsão científica, e tudo que o ministério da saúde falava, pelo menos até ontem, é que justamente nesse período estaríamos num pico de casos, estaríamos diante do “monte Everest” de casos. Guedes não está nem aí por quantos podem morrer, quer lucros, quer adotar no Brasil o mesmo prazo ditado por Trump de normalização na Páscoa (10 de abril).

A Confederação Nacional da Agricultura não se pronunciou claramente sobre a quarentena em âmbito estadual, mas enviou oficio a confederação dos municipios criticando os bloqueios de estradas vicinais pelo país à fora.

Do outro lado da polarização política vemos pesos pesados como Zeina Latiff, que era a economista-chefe da XP investimentos, Henrique Meirelles, Armínio Fraga, a Rede Globo todos adotando uma linha diferente pró-quarentenas. Estaria ocorrendo em forma ainda mais intensa no Brasil uma divisão republicanos X democratas, como se vê crescentemente entre os governadores democratas da Califórnia e de Nova Iorque e Trump?

A política e interesses materiais movem essa gente que de um lado ou outro da polarização defende ataques aos direitos trabalhista, não move um dedo para que a produção seja organizada para que tenhamos respiradores na quantidade necessária, para centralizar todos leitos, clínicas e laboratórios disponíveis em um sistema de saúde único e estatal que fosse mais eficiente para salvar vidas.

O Coronavírus pegou contradições existentes e as elevou a novos patamares, tornando ele mesmo um novo componentes das crises. Como elas se desenvolverão está muito em aberto. A cada punhado de horas as cartas se reembaralham. No Brasil à crise sanitária e econômica se somou uma crise política e elementos de crise de Estado. Nas mãos de Doria ou Bolsonaro, Maia ou Mandetta, podemos ter certeza que a conta será paga em vidas e empregos pelos trabalhadores.

 
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