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SAARA OCIDENTAL
Estado Espanhol: Unidas Podemos assume a política de Estado que nega o direito de autodeterminação ao povo saaraui
Santiago Lupe
@SantiagoLupeBCN

Questionar esta política de Estado é questionar o papel da Coroa na origem da ocupação e nos negócios das multinacionais espanholas. Nenhum governo o fez. Unidas Podemos também não levanta a questão.

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Mais uma semana de governo de coalizão e mais um sapo engolido pelos ministros do Podemos e Izquierda Unida. Desta vez em relação ao povo saaraui, que tem visto como aqueles que, antes até a entrada no governo, levantavam em seu programa a defesa de suas reivindicações democráticas, agora assumem a política de Estado de todos os governos da democracia que os nega.

Uma política de Estado que endossa na prática a ocupação do Saara Ocidental

Quais são as principais linhas desta política de Estado? Formalmente o Estado espanhol seria partidário da celebração de um referendo de autodeterminação que permitiria ao povo saaraui recuperar suas terras e o retorno dos mais de 175.000 refugiados que sobrevivem nos campos de Tindouf (Argélia). Porém, a situação no mundo real é de que o Estado espanhol vem a décadas aceitando a ocupação por parte do Marrocos, as constantes violações de direitos humanos e a negação do prometido referendo desde o final da guerra entre a Frente Polisário e o Marrocos em 1991.

Esse consenso foi mantido intacto por todos os governos democráticos, fossem da UCD, do PSOE ou do PP. E o atual governo de coalizão promete fazer o mesmo. Assim declarou a ministra do Exterior, Arancha González, esta semana. Diante da notícia de uma reunião entre o secretário de Estado de Direitos Sociais, Nacho Álvarez, com a ministra saaraui de Assuntos Sociais e Promoção da Mulher, Suilma Gay Enhamed Salem, González reiterou que seu governo não reconhece a República Árabe Saaraui Democrática e que é subordinado ao roteiro definido pela ONU que endossa passivamente a ocupação marroquina nas últimas três décadas.

Unidas Podemos dá as costas ao povo saaraui

Era de se esperar que o PSOE mantivesse essa política de Estado. A novidade que tem indignado grande parte do movimento de apoio ao povo saaraui tem sido a reação de seus novos sócios de governo. Unidas Podemos levava em seu programa o estabelecimento de relações diplomáticas com a República Árabe Saaraui Democrática (RASD) e a defesa de do direito de autodeterminação para seu povo. No entanto, a primeira reação de Pablo Iglesias diante da polêmica foi assumir que “como não pode ser de outra maneira, a posição da Espanha a respeito do Saara Ocidental é determinada pelo ministério do Exterior”.

Horas antes, Nacho Álvarez havia apagado de suas redes todo rastro de seu encontro com a ministra saaraui, apesar de simplesmente ter sido uma reunião a pedido da ONCE para discutir um programa de cooperação para pessoas cegas. Outro antecedente do acolhimento dessa “política de Estado” foi o silêncio cúmplice do grupo parlamentar do Unidas Podemos e de seus ministros quando o deputado de EH-Bildu, Jon Iñarritu, questionou em 2 de fevereiro a concessão por parte do governo espanhol da máxima distinção da Guarda Civil para Abdellatif Hammouchi, um oficial da polícia marroquina acusado de torturas e assassinatos no Saara Ocidental e no Rif.

“ Na pilhagem dos recursos do Saara Ocidental participam empresas e multinacionais estadunidenses, francesas e também espanholas. Dos 126 navios que trabalhavam nas águas saarAuis até 2018, 100 eram de bandeira espanhola. Ou empresas como a canária Granita, que tem sido denunciada por importar toneladas de areia proveniente dos territórios ocupados.”

O imperialismo espanhol é parte da pilhagem do Saara Ocidental

A separação entre discurso e ações tem vindo se reduzindo nos últimos anos. O governo de Pedro Sánchez e seus ministros já não falam em nenhum momento, nem mesmo retoricamente, como outros predecessores no cargo, de direito de autodeterminação. Recentemente retiravam da Casa Espanha - a entidade que gestiona os ativos do Estado espanhol na sua ex-colônia - as atribuições para poder realizar atos administrativos. Isso forçará a população saaraui com nacionalidade espanhola a se mudar para Rabat. Um possível prolegômeno para acabar abrindo um consulado nos territórios ocupados, como quer a ditadura marroquina.

Essas posições mais abertamente pró-ocupação tem a ver com acordos, especialmente na pesca, mas não apenas, que o Estado Espanhol e a UE alcançaram com a ditadura marroquina sobre os cardumes e recursos do Saara Ocidental. O primeiro protocolo pesqueiro que incluiu as águas saarauis foi aprovado em 2013. Apesar de terem se emitido duas sentenças do Tribunal de Justiça da UE contra esses acordos, por incluir recursos de um território ocupado militarmente, em 2019 o Parlamento Europeu aprovou um novo que voltava a incluí-los.

Nessa negócio de pilhagem participam empresas e multinacionais estadunidenses, francesas e também espanholas. Dos 126 navios que trabalhavam nas águas saarauis até 2018, 100 eram de bandeira espanhola. Ou empresas como a canária Granita, que tem sido denunciada por importar toneladas de areia proveniente dos territórios ocupados.

“Questionar a política de Estado sobre o Saara Ocidental é questionar nada menos que uma das políticas pessoais de Juan Carlos I e sua dinastia. Algo que nenhum governo dos partidos do regime tem feito nem se propõe.”

Uma política de Estado que é parte dos consensos de 78

Essa política de Estado tem suas raízes nas origens do regime de 78. Esta quinta-feira se cumprirão 44 anos desde a proclamação da República Árabe Saaraui Democrática (RASD). Um ato realizado então pela Frente Polisário após a confirmação um dia antes de que a antiga potência ocupante do Saara Ocidental, o Estado espanhol, se retirava do território, aceitando na realidade o novo ocupante, a monarquia marroquina com Hassan II na cabeça.

Recentemente vieram À luz diversos documentos desclassificados da CIA em que se encontra o acordo alcançado entre o Departamento de Estado norte-americano e a Arábia Saudita, em agosto de 1975, para se assumir o controle da então colônia espanhola por meio da monarquia marroquina. O território, rico em fosfatos, ferro, petróleo e gás, não podia cair em mãos de um Estado espanhol em plena crise da ditadura e com o antecedente da revolução dos cravos um ano antes.

Quando Juan Carlos I assume oficialmente a cabeça do Estado, ainda com Franco agonizando, firmou um acordo secreto com Henry Kissinger. Entregaria o Saara Ocidental a Hassan II em troca do apoio estadunidense a sua consolidação no trono. Seria assim o começo de uma “longa amizade”, não apenas entre a Zarzuela e a embaixada yanqui, mas também com a casa Alawí e a monarquia saudita, e da carreira meteórica dos Bourbons à lista Forbes.

Questionar a política de Estado sobre o Saara Ocidental é portanto questionar nada menos que uma das políticas pessoais de Juan Carlos I e sua dinastia. Algo que nenhum governo dos partidos do regime fez nem se propõe.

Do aplauso a Sua Majestade à aceitação da política oficial sobre o Saara Ocidental

Quando assistimos os ministros e ministras do Unidas Podemos aplaudirem Felipe VI e todo seu grupo parlamentar de pé em sinal de respeito à Coroa, o escritor Isaac Rosa advertiu que “engolir por um tempo as convicções republicanas será o sapo mais digerível que encontrarão na mesa, assim preparem-se para muito mais decepções, e nem todas simbólicas, que em cada momento nos apresentarão invariavelmente como ‘o preço a pagar por levar adiante políticas de esquerda’”.

“A luta do povo saaraui merece uma saída baseada no livre exercício do direito de autodeterminação. Algo que não poderão conquistar sozinhos, necessitam do apoio da classe trabalhadora e dos setores populares dos países imperialistas, assim como forjar uma aliança com o resto do povos oprimidos do mundo árabe para acabar com regimes de sipaios, expulsar o imperialismo e poder pôr de pé repúblicas dos trabalhadores e do povo”

Esse sapo não é qualquer sapo. A bandeira da solidariedade e defesa do direito de autodeterminação do povo Saaraui tem sido uma das lições históricas da esquerda do Estado espanhol. O PCE organizou a primeira viagem de meninos e meninas saarauis em setembro de 1979 para serem acolhidos temporariamente em famílias trabalhadoras do Estado espanhol. O antecedente do programa “férias em paz” que segue sendo realizado verão após verão, recebendo milhares de crianças e mantendo presente o conflito saaraui. O mesmo Enrique de Santiago, atual secretário geral do PCE, homem chave no grupo parlamentar de Unidas Podemos e mão direita do ministro Garzón, esteve a frente da Comissão Espanhola de Ajuda ao Refugiado de 2000 a 2006. Por isso a indignação nas redes, entre as associações e o movimento de apoio ao povo saaraui, que consideram que uma autêntica “traição” se fez sentir nos últimos dias.

Por um movimento anti-imperialista e de solidariedade com o povo saaraui

Como escrevia em um recente artigo Jorge Calderón, “a luta do povo saaraui seguirá contanto com o apoio e a simpatia de uma parte muito significativa do povo do Estado espanhol e inumeráveis entidades sociais, políticas e culturais. Daqui a melhor ajuda à sua luta é denunciar o papel cúmplice do imperialismo espanhol na ocupação, espólio e repressão de que padecem. Um apoio internacionalista, sem a mínima ilusão nos governos de turnos que não deixam de defender acima de tudo os interesses das grandes empresas espanholas”.

Construir essa solidariedade desde o Estado espanhol, a antiga colônia e uma das potências imperialistas diretamente implicada no atual saque, é algo fundamental. Um apoio internacionalista e de luta contra nosso próprio governo, que se solidarize também com a resistência do Rif, a juventude do movimento 20 de Fevereiro e o resto dos povos do mundo árabe que, da Argélia ao Iraque, lutam contra seus governos autoritários e vendidos ao imperialismo.

A luta do povo saaraui merece uma saída baseada no livre exercício do direito de autodeterminação. Algo que não poderão conquistar sozinhos, necessitam do apoio da classe trabalhadora e dos setores populares dos países imperialistas, assim como forjar uma aliança com o resto do povos oprimidos do mundo árabe para acabar com regimes de sipaios, expulsar as multinacionais e tropas imperialistas de toda a região e poder pôr de pé repúblicas dos trabalhadores e do povo que concluam as tarefas que começaram a demandar as primaveras árabes.

 
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