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ELEIÇÕES PARLAMENTARES
Irã vai às urnas em meio a crise
Salvador Soler

No próximo dia 21 de fevereiro, cerca de 60 milhões de iranianos deverão comparecer às urnas. As eleições legislativas enfrentam problemas estruturais que arrastam a República Islâmica, agravados pelas sanções econômicas norte-americanas que levou milhões a tomar as ruas.

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As eleições legislativas na República Islâmica do Irã definirão qual será o equilíbrio de poder dentro do regime. Os comícios estão atravessados por três grandes temas que expõe os problemas estruturais do país: o afogamento econômico ocasionado pelas sanções do imperialismo estadunidense, desde a saída de Trump do Acordo Nuclear em 2018; as tensões geopolíticas nos EUA e seus aliados do golfo, que se aprofundaram desde o ataque com drones ao comandante da Força Quds da Guarda Revolucionária, Qasim Soleimani; e os milhares de jovens e trabalhadores que saíram às ruas contra o aumento dos combustíveis, o desemprego e a crise devido à derrubada do avião ucraniano, colocando em questão a legitimidade do regime iraniano. As manifestações em centenas de cidades, onde a repressão deixou entre 350 a 1500 assassinados (segundo fontes), 7 mil presos e cortes no acesso à internet, tem transformado os movimentos de protesto no pior pesadelo para os aiatolás.

Deste modo, para a teocracia, as eleições legislativas são um termômetro para medir a legitimidade do regime através da participação, permitindo ter uma perspectiva de como pode se expressar a votação para as eleições presidenciais em 2021. Um exemplo é o de 2016, em que houve concorrência recorde devido o Acordo Nuclear assinado em 2015, que gerou grandes expectativas por uma recuperação econômica acelerada. Mas em quatro anos muita coisa aconteceu.

Como são as eleições iranianas?

O líder supremo, Ali Khamenei, e o Conselho de Guardiões são os supervisores de todo o processo eleitoral, isso significa que são eles que centralmente decidem quem pode se candidatar para a renovação das 290 cadeiras do Majlis ou Assembleia Consultiva (parlamento) a cada quatro anos. Nesta, 285 cadeiras estão reservadas para 285 islâmicos, enquanto as minorias étnicas e religiosas se dividem nos 5 assentos restantes entre: zoroastristas, judeus, cristãos assírios, caldeus e cristãos armênios do norte e do sul. No ano seguinte se realizam as eleições para cargos executivos, em que o procedimento é similar.

Os critérios constitucionais para alguém ser elegível são: ter entre 30 e 75 anos de idade, ser cidadão iraniano “de boa reputação e muçulmano fiel”, isso sem contar ter que passar pelo “filtro” do Conselho. O fato é que está nas mãos de 12 indivíduos que formam o Conselho – sendo 6 eleitos pelo Líder Supremo e os outros 6 pelo Majlis – o poder de vetar a vontade de 60 milhões de eleitores, cujos critérios, por sua vez, são excludentes segundo raça ou religião, e está fortemente questionado por extensos setores sociais. Neste ano, ao menos 9 mil dentre os 14 mil candidatos (90 deles já são parlamentares), foram desclassificados pelo Conselho de Guardiões, o que já ultrapassou o recorde das 10 eleições que já ocorreram desde a Revolução em 1979, quando se instaurou a República. Desta forma, se expressam de maneira distorcida as tensões entre o Parlamento, o Governo e o Conselho de Guardiões, em que nem sempre chegam a coincidir.

Dentro da complexa política iraniana existem quatro grandes correntes políticas que se combinam para formar bancadas no Majlis: os “reformistas” que defendem maiores liberdades democráticas e maior participação do Majlis no governo; os "moderados" ou "centristas" que propõe uma economia mais liberal e maior aproximação com o "ocidente"; os "conservadores", que são os representantes da burguesia mercantil (chamados bazaaris) e próximos do alto clero; os "intransigentes" são os mais ferrenhos defensores das leis islâmicas iranianas (vilayet e-faqih), das determinações do Líder Supremo e de qualquer tipo de acordo com o "ocidente".

A maioria dos desclassificados são "reformistas", em sua maioria representantes dos setores profissionais e críticos ao regime, por fazer críticas ao governo a respeito do aumento dos combustíveis, à derrubada do avião ou à repressão que já deixou mais de mil mortos. Em Teerã chamaram diretamente ao boicote, optando por não montar uma lista, resultado da massiva desclassificação. No entanto, também foram desclassificados vários "moderados" e "conservadores" por terem feito alguma crítica ao governo ou por acusações de corrupção. Tudo indica que o executivo estaria buscando concentrar esforços em um governo de "linha dura" com o "ocidente", fortalecendo as posições do Líder Supremo e a Guarda Revolucionária, expurgando qualquer um que queira abrir algum tipo de negociação.

Sua confiança reside nas criticas ao governo por parte do presidente moderado Hassan Rouhani e seu ministro de Relações Exteriores Javad Zarif, os quais assinaram o Acordo Nuclear, que terminou fracassando, e na manipulação das informações a respeito da derrubada do avião ucraniano onde morreram 176 pessoas, a maioria iranianos.

Mohammad Jahangari, analista de assuntos estratégicos, explica que "o espaço tem se reduzido claramente para os moderados, com um coro antiocidental e antiestadunidense que cresceu depois do assassinato do general Soleimani". E que "muitos vêem os moderados como responsáveis pela confiança nos EUA e seus aliados e não obter nada em troca".

A preocupação do regime está na participação dos 60 milhões de eleitores. Apesar das críticas de Rouhani à desclassificação promovida pelo Conselho, o regime lançou uma campanha pública para garantir a maior participação possível, deixando claro que não votar seria um sinônimo de traição: "A participação nas eleições é um selo de apoio aos caminhos do regime e, portanto, vai assegurar a todos frente a nossos inimigos", anunciou o líder supremo, aiatolá Ali Khamenei.

Esta situação expõe a ruptura que existe entre a "velha guarda" da Revolução Islâmica, erguida sobre o corpo da Guarda Revolucionária Iraniana, que instaurou um regime policial com as novas gerações de jovens, mulheres e trabalhadores que buscam maiores liberdades democráticas sem que se deva nada aos aiatolás.

O pesadelo do Aiatolá

Essa deterioração da legitimidade que atravessa a República Islâmica vem ocorrendo há pelo menos 20 anos, em que distintos setores sociais como as mulheres - que são maioria em mais universidades - e a classe trabalhadora tem levantado diversos questionamentos por aquela não apresentar respostas às demandas populares. As circunstâncias foram se agravando nos últimos três anos, quando aconteceram três ondas de protestos.

Esse mal-estar se aprofunda devido às sanções impostas pelos EUA, que golpearam duramente a economia iraniana causando uma contração de cerca de 9%, fazendo disparar a inflação e a desvalorização da moeda.

Ao aumento dos preços dos itens de consumo básico e a redução de 80% da capacidade de venda de petróleo devido às sanções internacionais (dos anteriores 3,5 milhões de barris por dia para 500 mil), se soma o fato de que a geração de emprego nos últimos 10 anos foi de apenas 1 milhão de postos, enquanto aproximadamente 8 milhões de jovens tentavam entrar no mercado de trabalho.

Também houve um aumento das greves que em distintos setores da classe trabalhadora que se demonstraram devastadoras, como transportes e petroquímicos, apesar de terem sofrido com perseguições e prisões de seus líderes sindicais por vários anos. O regime teocrático é consciente de que os trabalhadores iranianos controlam alguns dos poços de petróleo e as refinarias mais importantes do mundo e de que, além disso, sua intervenção foi decisiva para derrubar o Xá na revolução de 1979.

Recentemente, David Ignatius, do Washington Post, apontou a possibilidade de que a principal oposição ao regime venha do movimento operário organizado iraniano.

Outra das hipóteses de conflito social que o regime também tenta manejar é o que provém das universidades que estiveram tomadas durante dias pelas ondas de protestos. Universidades importantes como a de Teerã encabeçaram as críticas mais fortes contra a Guarda Revolucionária a propósito da derrubada do avião ucraniano e contra o governo por conta da situação econômica. O caráter desses protestos, que é fundamentalmente de setores profissionais e de classe média, tem demandas que vão desde as democráticas até alguns setores que defendem a restauração do Xá contra o regime atual.

Nestas eleições, o regime busca se reorganizar por detrás do Líder Supremo Khamenei, aprofundando uma linha ainda mais repressiva diante de perspectivas econômicas instáveis com a possibilidade de sofrer novas sanções do imperialismo norte-americano, depositando sobre a juventude e a classe trabalhadora seus medos mais profundos.

 
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