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EDITORIAL MRT
Enem e a luta por acesso direto à universidade com o fim do ensino pago e do vestibular
Carolina Cacau
Professora da Rede Estadual no RJ e do Nossa Classe

“O melhor Enem de todos os tempos”, como disse o arrogante e incompetente Ministro da Educação, Abraham Weintraub, se transformou na maior e mais absurda crise na história do exame. Inúmeros erros durante todo o processo que colocam a credibilidade da prova em cheque e uma atuação irresponsável e negligente do governo que pode atrapalhar o futuro de milhares de estudantes brasileiros.

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A crise do ENEM é resultado da política de destruição da educação levada adiante pelo governo Bolsonaro, uma continuidade dos ataques às pesquisas, às universidades públicas e ao pensamento crítico, parte de um projeto de restringir e excluir ainda mais o acesso dos jovens, sobretudo os negros e pobres, às universidades públicas, e colocá-las cada vez mais a serviço dos interesses das empresas capitalistas.

No dia 17 de janeiro as notas foram divulgadas pelo INEP. Em poucas horas, milhares de estudantes denunciavam nas redes sociais que suas notas estavam erradas. O governo demorou um dia para admitir o erro e tentou diminuir a proporção do caso. Os candidatos fizeram a prova de uma cor e o gabarito foi corrigido como se fosse de outra cor, fazendo com que as notas de um dos dias caísse muito. O governo admitiu o erro, mas manteve a data de inscrição no Sisu e orientou que os pedidos de revisão de notas fossem feitos por e-mail ou ligação.

Apesar de ter informado que encontrou erro em 5,9 mil provas, o MEC recebeu mais de 173 mil pedidos de nova correção da nota. Não retornaram respondendo os pedidos, não emitiram nenhum registro ou protocolo de recebimento, nem ao menos uma resposta automática. Nem o mínimo de dar acesso ao espelho da prova para confirmar os gabaritos o governo fez. Com exceção de uma estudante cujo pai é apoiador do governo e questionou o ministro na página do Twitter e teve uma resposta de prontidão.

Na abertura das inscrições do SISU, um novo erro: o processo de seleção das opções de curso e o cálculo da nota de corte tiveram a metodologia mudada sem explicação por parte do governo. Antes, ao entrar em uma das duas opções, a outra ficava invalidada. Neste ano, era possível “passar” nas duas opções. Quem passava tinha, obviamente, as notas mais altas, fazendo com que as notas de corte subissem muito, tornando o processo ainda mais excludente e confuso, aumentando agonia e ansiedade de quem espera por uma vaga. Em vídeo, o ministro disse que os problemas com o SISU são falsos e que tudo não passa de "terrorismo" de pessoas mal intencionadas ou de esquerda. Uma postura totalmente absurda e irresponsável.

O MPF entrou com uma ação na Justiça Federal de MG, pedindo a suspensão do Sisu, Fies e Prouni. O STF liberou a divulgação dos resultados, mas não sem antes o MEC vazar os resultados antes da decisão judicial. Com as inscrições abertas, estudantes novamente reclamam de erros na inscrição na lista de espera. No dia 28/01, depois de dias em silêncio, Bolsonaro admitiu as falhas no ENEM, mas inventou uma "sabotagem", para lavar a cara do governo e encobrir os graves erros de sua gestão e do desastroso ministro.

Fora Weintraub e que nenhum estudante seja prejudicado por esse erro

Essa crise coloca todo o processo em questionamento e pode gerar danos irreversíveis para milhares de estudantes. O MEC e o INEP alegam ter revisado todas quase 4 milhões de provas, o que não foi comprovado e além disso, uma vez alterada as notas que tiveram erros, todas as notas podem ter sido alteradas por causa do modelo matemático do Enem, já que a proficiência geral da prova depende do desempenho de todos os candidatos.

A crise do Enem chegou num patamar sem precedentes deixando em desespero milhares de estudantes que realizaram o exame. É inadmissível a continuidade de Weintraub no cargo. Desde que assumiu tem sido um inimigo da educação pública e da ciência e teve como resposta massivas mobilizações estudantis em 2019. O Fora Weintraub é o mínimo diante dessa situação, não porque consideremos que a saída dele resolva os problemas de conjunto, já que se trata de um projeto de ataque à educação do governo Bolsonaro.

É preciso que a UNE e a UBES construam efetivamente manifestações pelo Fora Weintraub e para defender todos os estudantes que prestaram o ENEM

Até agora é totalmente insuficiente o que tem sido feito pelas entidades estudantis, a UNE e a UBES, dirigidas majoritariamente pelo PCdoB, Levante Popular da Juventude e PT. Limitaram-se a fazer postagens de denúncias nas redes sociais, entrando com liminares na justiça, perdendo tempo em organizar efetivamente uma luta para enfrentar esse escândalo e defender todos os estudantes prejudicados. Chamaram apenas essa semana atos pela internet de um dia para outro que não foram construídos. Esses atos não aconteceram praticamente em nenhum lugar. Essas medidas não vão garantir a defesa de todos os estudantes prejudicados.

A UNE e a UBES deveriam imediatamente convocar uma jornada nacional de atos pelo Fora Weintraub e a regularização da situação de todos os estudantes prejudicados. As manifestações que estão sendo chamadas não podem ser uma formalidade, tem que ser feita com ampla divulgação em todas as redes sociais, chamando as entidades estudantis para construírem, organizando assembleias populares, nas quais todos possam discutir e organizar essas mobilizações.

Junto a exigência de demissão do Weintraub, exigimos que todos os resultados sejam revisados, que todos os pedidos de revisão, reclamações e denúncias sejam respondidos oficialmente pelo Inep e o MEC, o que já deveria ter acontecido e seria o mínimo diante dessa situação. Até que isso ocorra, os prazos de inscrição no SISU e nas universidades que utilizam a nota do ENEM para seleção deveriam ser revistos para que nenhum estudante seja prejudicado ainda mais.

A crise do Enem e o problema do filtro elitista e racista do vestibular

A crise do Enem traz à tona um problema mais profundo do que os erros no processo. De um lado, é o mínimo que o incompetente Weintraub saia imediatamente do cargo, mas se tratando de um governo de extrema direita, retirar ministros não resolverá o problema de um projeto de governo abertamente elitista, racista, anti-ciência e conhecimento crítico e pró capitalista. É necessário derrotar unindo o conjunto do movimento estudantil e da classe trabalhadora os ataques à educação e as reformas e privatizações que querem nos impor.

Por outro lado, essa crise evidencia um problema histórico e estrutural da educação superior brasileira, que antecede este governo e que marca a vida da juventude: o acesso ao ensino superior. Todos os anos milhares de jovens sofrem com a preparação exaustiva para passar nos vestibulares. Junto a esses, outros milhares sequer terminam os estudos ou nem imaginam a possibilidade de entrar numa universidade, menos ainda pública. Existe um obstáculo elitista, racista e excludente, o vestibular que funciona como um filtro social, que mesmo com a implementação das cotas raciais e sociais, faz com que a grande maioria da juventude negra e pobre fique de fora das universidades.

Defendemos cada estudante que tenha sido prejudicado pelos erros do governo, mas não queremos lutar somente pelos que prestaram o ENEM e passaram, mas também por todos aqueles que ficaram de fora. Não defendemos a educação pública tal como é, como faz a UNE. O presidente da UNE, Iago Montalvão, entre as denúncias limitadas desse erro, sempre afirmava a defesa do vestibular que é o ENEM. Ainda que seja um avanço poder ter um processo unificado que dá acesso a maioria das universidades públicas do país, não podemos naturalizar os milhares que ficam de fora todos os anos, muitos que tentam por anos ultrapassar a barreira do vestibular.

Pagar cursinhos, ou estudar por conta, desespero, stress, ansiedade, depressão, frustação, vestibulares caros, provas exaustivas, se privar de lazer e descanso. Nenhum estudante deveria passar por isso para poder ter o direito de estudar e de ter uma profissão. Naturalizar qualquer prova de vestibular é naturalizar esta situação. Nos governos do PT se ergueu o maior monopólio financeiro de educação privada do mundo, a Kroton-Anhanguera, que expressa a realidade da maioria da juventude que paga e se endivida para estudar.

A alegria e orgulho de milhares de estudantes que ingressaram nas universidades nesse ano, muitos os primeiros da família a conseguir isso, sobretudo os negros e pobres, moradores das favelas e periferias que furaram esse filtro, deveria ser um direito a todos que tem este sonho. Num país marcado pela desigualdade social, racismo e violência policial, não tratar o vestibular como um inimigo da juventude é uma adaptação a ao projeto elitista da burguesia, que se materializa e se amplia na crise econômica, colocando como perspectiva de futuro para milhares de jovens trabalhar por horas, nas piores condições, sem nenhum direito, nos aplicativos de celular de comidas e entregas. Ou mesmo a juventude castigada pelo desemprego, que nem trabalha e nem estuda.

Os governos querem nos impor um destino de miséria, e não dá para pensar uma solução de fundo para a necessidade de democratizar a educação, que não passe por defender o acesso direto do ensino médio às universidades públicas, acabando com o ensino privado e com o filtro racista do vestibular, com vagas para todos os estudantes que queiram estudar. Essa é a única maneira de democratizar radicalmente o acesso ao ensino superior. As cotas raciais e sociais são um importante passo, mas deveriam ser no mínimo proporcional ao número de negros e indígenas em cada estado e no país. Por isso, sempre defendemos nas entidades estudantis que dirigimos e no movimento estudantil a estatização das universidades privadas sem indenização, mais verbas para a educação pública para garantir a permanência e vagas para todos, sem vestibular, para que todos tenham direito de estudar sem pagar, sobretudo a juventude pobre, trabalhadora e negra.

Longe de parecer uma solução utópica, argumentação defendida não só pela direita, mas pela maioria dos setores da esquerda, essa é uma realidade de muitos países, inclusive na América Latina, em países como Uruguai, Argentina, México, e é também uma das demandas que ganhou as ruas nas rebeliões chilenas, onde a educação é totalmente privada e paga, mobilizações que buscamos apoiar ativamente e tirar as lições desse amplo processo de reabertura internacional da luta de classes. Nas entidades estudantis que atuamos, nós da Faísca e MRT e independentes, soltamos uma declaração com um chamado as demais entidades do país a se somar a essa batalha dentro do movimento estudantil.

 
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