Completando quase 400 dias de governo, Bolsonaro não somente sobreviveu a crises políticas de envergadura como em algumas pesquisas de opinião aparece com um ligeiro aumento em sua popularidade. Esse resultado mostra não somente como mantém fortes bases no sul e interior do país, nos empresários, nos homens brancos e nos evangélicos, mostra uma percepção de parte da população de para onde vai o país e sua economia. Essa percepção exige tirarmos lições agora, para que o desgaste de amanhã possa ser aproveitado para derrotar não somente Bolsonaro mas o conjunto de ataques que a burguesia persegue.
A elevada popularidade de Bolsonaro, em aproximadamente um terço dos brasileiros, persiste ou até mesmo se reforça ligeiramente, apesar dos inauditos ataques aos direitos trabalhistas, ao meio-ambiente, das frases racistas, xenofóbicas, machistas e um longo etc. Nesses 400 dias não faltaram analistas que vaticinaram sua queda iminente ou uma estabilidade da vitória da extrema-direita, nem uma coisa nem outra resiste aos fatos. Entender os fatos como eles são ajuda a entender qual combate é preciso dar.
A aprovação de Bolsonaro (aqueles que o avaliam como ótimo ou bom) variou em todos os últimos meses em uma faixa de um 25% a aproximadamente 35%, e em todas pesquisas, há vários meses, há uma variação percentual dentro de uma divisão tripartite da opinião pública brasileira: um terço acha o governo terrível, um terço ótimo, e um terço regular. A fatia de ótimo já foi a menor dos terços e agora, aparentemente é a maior, o mesmo já ocorreu com a fatia “terrível”. Nenhum movimento decisivo, para um lado ou outro parece ocorrer.
A expansão e retração das faixas ótima/bom ruim/péssimo, em diversas pesquisas parece obedecer a duas outras variáveis: percepção do combate à corrupção e percepção sobre os rumos da economia. Essas duas variáveis que podem oferecer estabilidade na conjuntura imediata são exatamente as mesmas que podem oferecer o seu avesso no médio e no longo prazo.
Ou seja, Bolsonaro depende dos movimentos do judiciário e da economia nacional que cada vez mais depende da economia internacional. No que toca ao judiciário, quanto que este avança ou trava as investigações contra seu governo, diz respeito menos a montanha de evidências de crimes que parecem aparecer, mas sim a quanto querem desgastar e conduzir as ações do governo, por exemplo, quando esse desvia de ataques econômicos que o conjunto da burguesia anseia há mais ataques da mídia e do judiciário ao bolsonarismo, ataques esses que cuidadosamente miram seus filhos, ministros, mas nunca o próprio Bolsonaro. Essa dependência da ação dos outros para sua própria blindagem, também passa para como se desenvolve a relação Bolsonaro-Moro, uma eventual saída do ministro custaria algo ao presidente. Quanto aos rumos da economia nacional, ela é cada vez mais dependente dos rumos da economia internacional, uma totalidade flanqueada pela guerra comercial-tecnológica EUA-China, que está longe de concluída com a trégua atual; pela luta de classes; e até mesmo pelos impactos na economia de um vírus, possivelmente os cálculos do PIB mundial, e do brasileiro, serão refeitos a partir do impacto do coronavírus.
Diversas pesquisas de opinião mostravam em dezembro uma estabilidade ou ligeiro fortalecimento da aprovação de Bolsonaro (destoou desta tendência a continuidade de queda apontada pelo Ibope), a pesquisa da CNT de meados de janeiro mostrou um fortalecimento de quase 6% na aprovação. É quase a mesma variação que apareceu dentro da mesma pesquisa entre aqueles que achavam que haveria uma melhoria na oferta de empregos (36,6% para 43,2%), daqueles que achavam que sua renda melhoraria (28,3% para 34,3%).
No curto prazo, a liberação do saque do FGTS arejou o pagamento de algumas dívidas e um mínimo consumo pras famílias, possivelmente alentando as ilusões de que os ventos favoráveis a economia serão duradouros. Essa expectativa está na contramão de tendências de médio e longo prazo para a economia internacional e seus múltiplos vasos comunicantes com o Brasil. Há tendência a desaceleração do crescimento mundial, se não de recessão em algum momento próximo, e não faltam caminhos para as instabilidades se instalarem, afetando empregos, exportações, e até mesmo o preço da carne no país (como vimos há pouquíssimo tempo).
O que dá algum nível de calma hoje pode ser exatamente a mesma fonte de falta dela. E não somente pela via da economia, mas das relações geopolíticas e da luta de classes se vê esses vasos, só lembrar a apreensão e raiva sentida por Bolsonaro e Guedes quando a juventude irrompeu as ruas no Chile, espatifando as lorotas de um país próspero e modelo a ser seguido.
Já o combate a corrupção, em que pese os numerosos escândalos, é uma das poucas áreas em que o governo ainda consegue emplacar uma narrativa majoritária de que seria “menos corrupto”. Em quase todas áreas de pesquisa, economia, saúdem, educação, segurança pública, a divisão tripartite da opinião pública reaparece, ou o governo é visto como continuidade dos últimos governos, menos no combate à corrupção. Para 46% dos brasileiros, segundo a pesquisa CNT, haveria menos corrupção.
O ódio que a juventude, que os negros, as mulheres, populações LGBT sentem desse governo de extrema-direita pode levar a frustração vendo esses números de popularidade e outras expectativas. Com essa frustração se reforça uma orientação que é propagada por muitos analistas e dirigentes políticos da centro-esquerda brasileira: cada vez menos horizonte de luta de classes (e eles conseguem falar menos da França e da mais longa greve desde 1968 do que uma Folha de São Paulo) e mais confiança que algum demiurgo iria nos conduzir não à superação e derrota da extrema-direita e de seus ataques, mas ao “possível” (que é pelo menos aceitar os ataques já aprovados). Esse “possível” se torna o horizonte “máximo” e isso se daria através de habilidosa costura eleitoral, de uma “frente ampla”.
PT, PCdoB, PDT, PSB, e até mesmo setores do PSOL querem uma “frente ampla”. Fica bem claro a divergência tática no marco do acordo a se ligar ao que houver de mais reacionário no país como pode-se ver no debate PT x PCdoB que tomou páginas de jornais e redes sociais no país. Nesse debate não havia questionamento em buscar a bancada da bíblia, o agronegócio, parte da bancada da bala, mas se a frente ampla envolveria tucanos ou gente próxima a eles, como Luciano Huck e se a Frente Ampla deveria ser conduzida por Lula (ou seu lugar-tenente) ou se o governador Dino poderia exercer o papel de escolhido.
Diante de horizonte tão estreitos que colocam qualquer coisa que não Bolsonaro como o objetivo, diante de aceitar uma reforma da previdência como fizeram os governadores do PT e PCdoB, diante do olhar de lado e aceitar que cada dia mais e mais jovens morrerem atropelados ou de enfarto ao pedalarem bikes para entregar comida, diante de uma universidade atacada por cortes, por terraplanistas, criacionistas e por um caos no ENEM, parte da estabilidade dos ataques da burguesia (muito além de Bolsonaro), parte da manutenção da popularidade e algum nível precário e provisório de estabilidade do governo Bolsonaro se deve também a ação consciente das maiores direções do movimento de massas no pais que garantem que ataques importantes passem sem resistência e que toda a raiva seja contida e conduzida para as eleições a se realizarem daqui a longínquos anos (no plano federal). Essas direções de massa, de sindicatos e diretórios centrais, sejam elas do PT ou PCdoB foram peça crucial a garantir o não desenvolvimento de questionamentos a Bolsonaro quando esse se oferecia com maior intensidade, como por exemplo quando poderia confluir a luta contra os cortes na educação e a luta contra a Reforma da Previdência, ou poderia ter acontecido em meio a catástrofe das queimadas na Amazônia e Cerrado, ou mesmo em potencial se mostra agora com a raiva pelo ENEM. Esta inação é a parte que cabe a essas direções para contribuir a essa estratégia meramente eleitoral e passiva de esperar anos para “vingar” nas urnas, e já aceitando todos os ataques como dados.
A juventude e a classe trabalhadora não somente merecem, como podem, muito mais que isso. Para isso é preciso tirar lições dos últimos capítulos políticos e da luta de classes no país e inspirando-se na classe trabalhadora francesa, na juventude chilena, preparar-se para ir além da miséria do “possível” mesmo quando o horizonte imediato não parece oferecer muito. As contradições se acumulam, alguns dos fatores favoráveis a ganho de popularidade podem se tornar o contrário amanhã. Não podemos nos dar o luxo de esperar esse momento, pois nada se realiza sozinho e automaticamente, como já vimos com a Reforma da Previdência. Não basta que uma maioria da população se mostrasse contrária a mesma nas pesquisas de opinião, como não basta nos contentarmos que a maioria da população não quer a privatização da Petrobras ou da Caixa e do BB, essas estatais estão sendo atacadas, desmanteladas e privatizadas peça a peça dia-a-dia. O potencial precisa ser feito realidade, e isso exige a ação consciente da juventude e da classe trabalhadora.
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