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ESPECIAL BRUMADINHO
A propósito de 1 ano do crime da Vale em Brumadinho: o fim da mineração é a solução?
Maré
Professora designada na rede estadual de MG

O infeliz primeiro aniversário do crime da Vale em Brumadinho traz à discussão uma questão frequentemente debatida dentre os ativistas dos direitos dos atingidos por barragens: qual deve ser, para solucionar um problema tão estrutural de Minas Gerais, a perspectiva dos que lutam contra a ganância capitalista e suas decorrentes tragédias?

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Há um ano o inaceitável se repetiu em Minas Gerais. Dessa vez, não “apenas” 19 pessoas mortas, mas 259 e 11 ainda desaparecidos – o maior “acidente” de trabalho da história do país. Centenas de famílias que mal puderam ver os corpos de seus parentes pela última vez e enterrá-los dignamente, ou enterrando apenas partes. O cúmulo da crueldade também com aqueles que ficam, que na falta de um último adeus mantêm viva a agonia de desacreditar que seu parente de fato morreu por tamanha brutalidade. Mais uma cidade marcada por doenças psicológicas e suicídios causados pela constante lembrança dos tremores, dos sons, das imagens, do terror que as pessoas passaram.

Não bastasse: se o crime da Vale em Mariana foi o maior crime ambiental registrado no país – e segue sendo, mesmo após as queimadas na Amazônia e o derramamento de óleo nas praias do Nordeste – sua repetição em Brumadinho, embora com menor impacto ambiental, contaminou o Rio Paraopeba, condenando comunidades indígenas, pescadores e causando um impacto ecossistêmico duradouro e gravíssimo.

A reincidência varreu as dúvidas que pudessem ter ficado de Mariana. Foi crime, motivado pela ganância de alguns poucos parasitas humanos, para os quais as vidas valem menos que seus lucros. Essa compreensão, ao contrário do que se pode achar que aconteceria no primeiro ano do governo mais reacionário do continente, se tornou presente em grande parte da população mineira. Não que, de repente, as massas passaram a se autoproclamar anticapitalistas, mas um passo no sentido de entender a essência desse sistema foi imposto pela realidade.

Neste cenário, marcado pelo início também do governo de um empresário, privatista, ainda mais defensor das mineradoras do que o PT conseguiu ser, em um Estado com a maior crise fiscal do país, em que o déficit nos cofres públicos se deve em grande medida pelas isenções milionárias que a Vale e outras grandes empresas privadas sempre tiveram em troca de explorar nossos recursos e nossa força de trabalho para lucrar... Sobre este tabuleiro está (ou deveria estar) a mais que necessária discussão que a esquerda, os ambientalistas, os ativistas de direitos humanos, precisam fazer para responder a uma grande questão: como fazer com que Mariana e Brumadinho jamais se repitam? Propomos a estatização da Vale, sem indenização e sob gestão dos trabalhadores, que com a ajuda de um controle da população poderiam pôr fim a este modelo nefasto de mineração, instituindo um outro que seja compatível com a vida humana e de outras espécies.

Reestatização da Vale sob gestão do Estado de Zema e Bolsonaro?

Nós, marxistas que damos continuidade ao pensamento estratégico do trotskismo, partimos da certeza de que é impossível pensar em qualquer solução para a questão enquanto uma empresa de impacto tão significativo como a Vale estiver nas mãos de grandes empresários, já que, via de regra, esses podem zelar apenas pelos seus lucros em detrimento de qualquer outra coisa que os ameacem. Logo, partimos de uma delimitação com toda variante burguesa e direitista que faz malabarismos para poupar a Vale de pagar por seus crimes com o seu próprio fim como uma empresa a serviço de enriquecer a burguesia imperialista. Deveria ser inconcebível que qualquer centavo de lucro fosse gerado enquanto todo o estrago de Mariana e Brumadinho não fosse revertido. Isso, pela lógica essencial do capitalismo, imporia a “falência” da empresa, o que seria um pesadelo para políticos capachos como Zema e Bolsonaro, e para o judiciário que sempre defende a burguesia.

Não é difícil encontrar quem chegue a esse raciocínio, a Vale deveria ser tirada das mãos de seus donos e acionistas. Mas também não é difícil encontrar quem facilmente veja limites no programa de reestatização da empresa, visto que existem hoje empresas estatais de exploração natural que também causam acidentes de trabalho e danos ao meio ambiente, ainda que nada comparado aos crimes da Vale, e que o próprio Estado está nas mãos de governos descomprometidos com o bem-estar dos trabalhadores e do povo, menos ainda com a preservação ambiental, e tampouco com a estatização de empresas privadas – muito pelo contrário.

A própria Vale já foi estatal, e teve, desde o seu início a marca do que é o Estado no capitalismo: um balcão para a classe dominante administrar seus negócios (segundo o próprio Manifesto Comunista). Nas palavras de Lívia Tonelli “A criação da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) na década de 1940 expressa a relação de submissão da mineradora aos interesses imperialistas desde o início de sua história. Foi por meio dos Acordos de Washington, programa de cooperação militar e econômica entre Brasil, Estados Unidos e Inglaterra, que se viabilizou a organização das bases produtivas da indústria de extração e beneficiamento de minerais metálicos no Brasil (Companhia Vale do Rio Doce e a Companhia Siderúrgica Nacional). O Acordo de Washington garantiu na época não somente parte importante dos anseios beligerantes dos países imperialistas como também os interesses das oligarquias financeiras internacionais, tais como, o Eximbank que assegurou participações na administração da Companhia e o estabelecimento de uma política privilegiada de contratos comerciais e de concessão perversa de empréstimos financeiros.”

Diferente de uma romantização que muitas vezes se faz do Estado no capitalismo (constantemente na justa intenção de evitar privatizações e privações de serviços públicos à população mais pobre), este não está alheio, e na verdade está em função das necessidades do sistema para reproduzir e manter suas condições de existência – a exploração e dominação de uma classe sobre a outra; a concentração, nas mãos da classe dominante, dos meios desenvolvidos ao longo da história da humanidade para a transformação da natureza em vista da reprodução da vida humana; a corrupção como intermédio da administração do Estado em favor da burguesia; etc, não são “viroses” infectando um Estado neutro, são sintomas de como o Estado burguês é por sua natureza.

Aí reside, fundamentalmente, a insuficiência do programa de reestatização da Vale, como um fim em si mesmo. Além de que, politicamente, este programa é usado principalmente pelo PT e por seus aliados mais próximos como o PCdoB, para lavar a cara dos governos petistas de Lula e Dilma na presidência e de Pimentel no governo mineiro. Foram anos sem nenhum esforço para reestatizar a Vale, ao contrário, com bilhões em isenções fiscais, flexibilizações de licenças, e inclusive financiamentos por mineradoras de suas candidaturas também para deputados e vereadores. O PT defende a reestatização como parte da fraseologia de uma suposta “soberania nacional”, quando passou 13 anos pagando religiosamente a dívida pública, que é um mecanismo de submissão do Brasil ao imperialismo. Nem falar de uma das pernas mais mancas dos governos do PT: sua completa irresponsabilidade com uma exploração minimamente responsável dos recursos naturais e sua política negligente para as questões de preservação ambiental.

Neste marco, não há como não concordar com a denúncia daqueles que já eram ativistas ambientalistas e pelos direitos dos atingidos por barragens durante os governos do PT. Estatizar apenas não soluciona o problema, governos bem menos absurdos do que os de Zema e Bolsonaro já mostraram que governam para os empresários, mesmo que isso signifique priorizar seus lucros sobre as vidas das pessoas e outros seres vivos. O modelo de mineração, sob gestão do Estado burguês ou sob gestão diretamente dos empresários, é predatório por definição. Engole montanhas, contamina o solo, a água, causa problemas de saúde para os trabalhadores e para a população próxima às minas e barragens, não respeita nem uma mínima tentativa de preservação de espécies e habitats que podem ser importante inclusive para a manutenção da vida humana.

É necessário e possível acabar com a mineração? E funcionaria?

A crítica à mineração geralmente traz uma crítica ao modo de produção capitalista e a consequente impossibilidade de que ele conviva com uma vida ecologicamente sustentável. De um ano até aqui, além do crime também ambiental de Brumadinho, assistimos a, no mínimo, a queima da Amazônia, o derramamento de óleo nas praias do Nordeste, uma queimada de grandes proporções na Austrália (um dos lugares mais diversos do mundo), isso tudo sob a “trilha musical” das declarações absurdas vindas do governo Bolsonaro, variando de os indígenas queimaram a Amazônia junto às ONGs com o Leonardo Di Caprio até não existe aquecimento global, isso é uma falácia coberta de ideologia de esquerda. Lembrar as vítimas desta crise ambiental global, que são imigrantes, mulheres, indígenas e negros, sobretudo, mal permite rir de tamanha bestialidade vindas de Brasília e inspiradas no que há de mais medieval, obscurantista e terraplanista da extrema direita mundial.

Agora, há um ano deste crime que deixou um rastro de lama tóxica exposto, a população mineira amarga mais uma dita “tragédia ambiental”, com os níveis de chuvas mais altos em décadas e as enchentes que decorrem de um planejamento urbano que só se preocupou com os mais favorecidos, que podem morar em casas seguras e fora das zonas de risco, e não precisam se arriscar no transporte público todos os dias. Já são mais de 2000 desalojados e 14 mortos este ano. Mas, embora exista um senso comum de que a “natureza está devolvendo” o que “o ser humano” faz, a culpa nunca foi tão indubitavelmente de um setor muito específico de ser humano: os empresários, seus políticos e juízes de estimação. Não é desastre ambiental, é capitalismo, e não há capitalismo verde – como bem disseram no ano passado um importante setor dos milhares de jovens pelo mundo lutando contra a degradação ambiental nas greves chamadas de “sextas-feiras pelo futuro”.

De fato, a consigna de reestatização da Vale, e o programa apresentado pela esquerda brasileira em geral, historicamente, é displicente com a questão ambiental. Com isso, é comum que quem defenda o fim da mineração não tenha encontrado nos partidos de esquerda e nos movimentos de trabalhadores uma perspectiva que responda à crise existente hoje, com a qual o problema da exploração mineral está intimamente ligado. Mas vale ressaltar que essa defasagem não reside nas bases do marxismo, e sim na sua negação e deturpação. Tanto Marx, quanto Engels e outros marxistas elaboraram sobre o meio ambiente e já discutiam a perspectiva de que, sob o capitalismo, a humanidade e o planeta rumariam galopando à sua própria destruição. Logo, nunca deixou de ser essencial aos comunistas buscar responder a esta questão como parte indissociável do horizonte de libertação da humanidade, que só será possível superando a degradação ambiental que condena nossa própria espécie à degradação. Portanto um programa para responder à destruição causada pelas grandes mineradores precisa questionar não apenas quem comanda a atividade, mas a própria atividade da forma como é feita.

No entanto, embora compartilhemos da crítica e do diagnóstico de que um programa para impedir que existam novas Marianas e Brumadinhos precisa ser um programa que não tema ferir os lucros dos capitalistas e seja ambientalmente responsável, questionando não apenas que a mineração está sob gestão de gananciosos, mas que seu modelo é insustentável, não compartilhamos com a proposta que comumente decorre daí: o fim da mineração.

Ouviríamos de qualquer trabalhador ou trabalhadora de alguma mineradora, ou mesmo morador ou moradora de cidades como Itabirito, Ipatinga, Barão de Cocais e tantas outras, que se a Vale fechar as portas, será o fim de Minas Gerais. Como apontamos na declaração do Movimento Revolucionário de Trabalhadores “A extração de minério de ferro representa quase 10% do PIB do Estado, responsável por mais da metade da produção de minerais metálicos do país, com 300 municípios mineradores que despejam no mercado quase 200 milhões de toneladas de minério. Em Minas Gerais são vários municípios com alta concentração da mineração nas atividades econômicas (...). Neles estão as principais mineradoras do país, que além da Vale são grandes empresas nacionais como a CSN, a Usiminas, a MMX e a CBMM, que atuam no mercado internacional; e imperialistas como a V&M, ArcellorMittal, AngloGold Ashanti e muitas mais.” Algumas destas cidades têm barragens com alto risco de rompimento, e esta é a brutalidade em que vive grande parte da população de regiões não centrais do estado: preferir o risco de viver o terror que aconteceu em Brumadinho do que viver o desemprego e a miséria, fruto de um estado economicamente dependente da mineração, nos marcos de um país exportador de commodities e condenado a quintal do imperialismo.

Logo, já poderíamos dizer que o fim da mineração não é um programa que se aplicaria e tampouco que seria convincente para mover um movimento de massas para conquistá-lo. Ainda que, é claro, parte de nossa batalha deve ser pela complexificação da economia mineira, a começar por um plano de obras públicas, aliado a uma reforma urbana, financiado pelos lucros da Vale, que colocasse um fim ao problema da falta de moradias ou o da existência moradias precárias, onde moram sobretudo o povo negro, e que estão sendo arrastadas pelas enchentes. Mas sabendo que, como um traço estrutural de como o capitalismo se instalou em MG e no Brasil, a dependência das commodities é um problema que só será resolvido até o fim com o fim deste sistema.

Além disso, existem muitos questionamentos sobre a dependência que a humanidade tem dos produtos da mineração. Transportes, aparelhos eletrônicos e até peças com importância médica são produto da exploração mineral. E, como batalhamos por um comunismo que não seja primitivista, consideramos importante não concluir de antemão que é melhor não usufruir de nenhum desses produtos. O ser humano, ao longo de sua existência, desenvolveu formas de otimizar sua energia usada para a manutenção da própria vida (o que chamamos de forças produtivas), e para nós o comunismo será o auge do desenvolvimento dessas forças e a socialização de todos os avanços nesse sentido, para que o trabalho não seja um fardo, não tenhamos que viver em função de sobreviver, e possamos nos dedicar às potencialidades que nossa espécie tem, à arte, aos estudos, ao lazer, etc.

O problema da mineração é ser um produto do avanço do desenvolvimento das forças produtivas de cujos benefícios quem mais desfruta é uma pequena parcela da humanidade, enquanto à maior parte está reservado os dejetos de uma atividade que já poderia ter sido reduzida, com reaproveitamento de materiais já existentes e exploração de outros recursos naturais. Como disse Gilson Dantas “Aqui estamos pensando na apropriação, por uns poucos privilegiados, dos meios de produção, inicialmente, da posse da terra para sua produção e usufruto particulares. E, em um mesmo movimento, a apropriação dos escravos, dos prisioneiros de guerra por exemplo, colocados a trabalhar para aquela minoria, para aquela classe dominante em estado nascente.
Esse elemento da realidade, da nossa ‘história natural’, é chave para a verdadeira compreensão da origem dos males ambientais, de todos eles.”

Por fim, há uma dimensão estratégica que nos leva a defender o que chamamos de um “programa transicional” para a questão da mineração, e não taxativamente o fim da atividade. Nos inspiramos em um dos documentos de fundação da IV Internacional Comunista, o Programa de Transição, elaborado por Leon Trotski. Embora nele não constem consignas que tratem especificamente da questão ambiental, possuem muitas que lançam luz sobre um problema tão complexo em MG, como por exemplo, para lidar com o desemprego que assolaria a população com desativação de minas e barragens que de fato precisem ser desativadas, poderíamos batalhar pela divisão do trabalho existente para todos os braços disponíveis para trabalhar, diminuindo a carga horária de trabalho sem diminuir os salários. Evidentemente, algo assim feriria os lucros dos capitalistas, motivo pelo qual não há como desvincular essas batalhar de uma perspectiva anticapitalista. Mas o mais importante desta obra do marxismo revolucionário reside na lógica proposta por Trotski. O Programa de Transição busca instituir uma ponte entre a consciência que os trabalhadores e oprimidos têm hoje (uma consciência que não é, em sua maioria, anticapitalista) e a consciência que nós, socialistas, precisamos que eles tenham, pois serão eles os sujeitos das grandes transformações. E o que seria tirar a Vale das mãos de grandes empresários e colocar um fim a toda a destruição causada por essa mineradora senão uma grande transformação?

Nós defendemos a estatização (ou poderíamos dizer expropriação, pois não defendemos pagamento de indenização aos capitalistas, e essa estatização não se daria de forma pacífica, e sim por meio de lutas e greves, ocupações das plantas da empresa, etc) da Vale sob gestão de quem já opera este gigante da mineração todos os dias e só tem o interesse do sustento de sua família e de condições dignas e saudáveis de trabalho e vida – os trabalhadores; e sob controle da população, através de representantes eleitos nas universidades e outros centros de pesquisa e conhecimento, nas comunidades atingidas, nos organismos de direitos humanos e ambientalistas – e, caso não representem os interesses da maioria, que possam ser revogados por quem os elegeu; para enfrentar a ganância capitalista e tornar possível, num horizonte em que o lucro não importe, a instituição de um modelo de mineração que não seja predatório, e sim permita a relação saudável do ser humano com o meio ambiente.

Para nós, este programa funciona como uma ponte entre a realidade miserável de hoje, em que mal é dado à maioria da população o direito escolher que solução dar a situações catastróficas como foram os crimes de Mariana e Brumadinho, e a realidade que queremos conquistar, e que não será por um decreto nem por presente. Este novo mundo, realmente verde, em que a vida suas potencialidades possam ser elevadas, só será conquistado sobre as ruínas deste velho mundo, e para sepultá-lo será necessário fazer algo como o que os franceses começam a ensaiar: 52 dias de greves radicais, com independência dos patrões e das variantes reformistas da esquerda. Queremos desatar esta engrenagem em MG, o estado marcado pela lama e as enchentes, e achamos que os trabalhadores e a população oprimida pela mineração predatória podem passar a confiar nas suas próprias forças se nós, militantes de esquerda, intelectuais, jovens e trabalhadores socialistas, os convencermos de tomarem para si o controle desta atividade, para que nunca mais haja mar de lama.

 
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