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TRIBUNA ABERTA
A ilusão de uma universidade pública para o jovem favelado
Rhuann Fernandes
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Esse artigo foi escrito com o intuito de expor a realidade de muitos cotistas que estão presentes nas universidades públicas do município do Rio de Janeiro, trazendo como relato minha experiência e de outros amigos na UERJ. Espero assim, que cada um de vocês se identifique, pois não se trata de uma realidade subjetiva.

Antes de entrar no mundo acadêmico foram-me passadas diversas visões a respeito do mesmo. Perante isso, criei diversos estereótipos, mesmo com certas dificuldades que vinha obtendo para tentar o vestibular, pois normalmente na favela os sonhos te mantêm vivo, pouco sabia que desse sonho muitos desistiriam ou fugiriam.

Atualmente vejo alguns fatores que me fazem sentir na pele alguns sentimentos completamente distorcidos. A alegria da família e dos amigos em não ter me tornando mais um a sucumbir ao tráfico, já que é o que mais se aproxima da nossa realidade, era imensa, assim como a minha.

A universidade fora fantástica nos primeiros dias, aquela festa toda, aquela ansiedade. No entanto, os meses foram passando, as dificuldades surgindo e as ilusões que criamos acerca desse meio se desfazendo: não tinha dinheiro da passagem, já que as universidades do Rio não oferecem o rio card universitário para quem mora nas chamadas “periferia da periferia” (refiro-me a quem mora, como eu, nas favelas do município de São Gonçalo). Além disso, o auxilio mínimo nos materiais básicos, como por exemplo, os livros que temos que comprar. Isso gerava mais um gasto, o chamado “gasto absurdo da xerox”. Passagem, livros, xerox e alimentação são alguns dos os “empecilhos” para o desenvolvimento acadêmico de quem se levanta com uma mera bolsa mensal de quatrocentos reais.

Certo dia comecei a perguntar, o que fazer? Busquei então uma alternativa que foi um bico (trabalho informal) de ajudante de pedreiro pela manhã, o qual me possibilitaria uma grana para passagem e para me manter, essa é uma realidade de muitos amigos: o trabalho fora da graduação. Mas também me perguntei: para nós que temos demandas e costumes de, por exemplo, trabalhar para auxiliar dentro de casa, por comida para nossas mães e irmãos, como faz para estudar? E ai quando olho para trás vejo, nitidamente, minha pergunta sendo respondida: Os manos que me incentivaram a entrar na universidade e que também estavam nela, hoje já não se encontram mais dentro da mesma. Ou então, tiveram que reduzir o número de matérias, o que os leva a concluir a faculdade em mais tempo. Admito que fiquei, por vezes, aflito quando percebi que aquele amigo que seria um advogado, hoje volta a sua antiga função onde se encontra infeliz, inseguro e em uma condição subalterna de emprego.

Por vezes refleti querendo saber com quantos isso ocorre. Achei que entrando, seria mais fácil de obter determinados fatores, mas não, entrar e se manter, logo seria a grande questão. Nossas demandas são enormes, não temos somente que dar conta da universidade, mas como da luta diária.

Quando eu perguntava dos estágios, respondiam-me: No início não há condições.
Mas não se iluda, pois posteriormente as vagas de estágios vão parar nas mãos daqueles que podem viver na universidade, aproveitá-la em sua totalidade, chegar pontualmente nas aulas, conversar com os professores nos conselhos e reuniões. Enquanto nós mal recebemos as informações de tais estágios, já que, chegamos atrasados nas aulas por conta do trabalho, não temos tempo de frequentar reuniões e muito menos ficar o dia todo na universidade pra saber o que se passa. Com isso, o crédito que já entramos sem, se torna ainda mais negativo com os professores. Mas vou te confessar, pouco me importa a relação com alguns professores, já que por vezes não aceitam a maneira que falamos, nossa forma de se comunicar um com outro, criticam nossas gírias e cobram uma fala acadêmica, novamente exterminando nossa cultura com essa ideia de progresso. Fazendo dessa forma, sentirmos vergonha de nós mesmos, de nossas histórias, fazendo que nós nos vigiemos quando falamos. Fora como Frantz Fanon, negro, psiquiatra e ensaísta francês, em sua obra ‘Pele negra e máscaras brancas’ ressaltara:
“Quando me amam, dizem: mesmo apesar da sua cor de pele. Quando me detestam justificam-se dizendo: não é pela sua cor de pele. Em uma ou outra situação, sou prisioneiro de um circulo infernal”. E é assim que eu me sinto, num ciclo infernal.

Todavia, imaginei que não seria diferente, pois quando entrei na minha sala pela primeira vez só tinham nove negros de cinquenta alunos no turno da noite. Ao conhecer mais fundo o perfil da turma, poucos eram favelados. Isso não me assusta tanto quanto ver muitos que não compreendem nossa dor diária, dizendo ser como nós e furtando nossos espaços. Nós ainda somos minoria nesses, pois como coloco aqui toda a realidade objetiva e subjetiva ergue muros muito visíveis para nós, mas invisíveis para outros. Nós queremos sim que a realidade negra, favelada, das mulheres e trabalhadores seja discutida por todos, sobretudo queremos que o movimento estudantil tome esse lado! Precisamos ser milhares dentro e fora das universidades para mudar radicalmente essa realidade que nos esmaga, mas não só com “discurso de palanque”chegaremos lá. Queremos falar por nós mesmos!
Quando faço essa análise, recordo-me de um trecho da música Negro Drama dos Racionais Mc’s: “Problemas com escola eu tenho mil, mil fita... inacreditável, mas seu filho nos imita.”.
Vejo no rosto de muitos o quanto é incômodo um preto, um pobre, um favelado se manifestar dentro da sala de aula, colocando ponto de vista, falando com propriedade. A verdade, é que muitos não se acostumaram, e por vezes, criam mecanismos para nos desqualificar, como o do próprio professor.

Acredito que o desenvolvimento da democracia depende do acesso a cultura e que, por isso, os temas relacionados à política, sobretudo os temas clássicos não devem ficar restritos aos muros da academia.
Por fim, será que estamos, de fato, construindo e buscando uma universidade popular? Diversos assuntos vivem restritos aos muros da universidade e isso me incomoda. Não há se quer um diálogo com as periferias e nem com os alunos periféricos que nela estudam. Segundo os levantamentos de 2014 do MEC (Ministério da Educação) apenas 8,8% dos universitários no Brasil são negros. Precisamos unificar nossa luta dentro das universidades para passar discernimento para os próximos que adentrarem nesse mesmo espaço, para que não sejam agredidos, e que, possam tomar o lugar que é nosso por direito, sem culpa ou vergonha de ser cotista, entendendo que está tudo embutido em uma superação da dívida histórica. Indubitavelmente, isso fará com que valorizem sua identificação enquanto favela, enquanto periferia, enquanto negras e negros. Precisamos também, fortalecer as lutas fora da universidade para que possamos passar desse fantasma que é 8,8% de universitários diante daquilo que somos: mais da metade da população brasileira.
A resistência deve ser mantida!

Rhuann Fernandes
Coordenador Geral do Projeto Social Nós por Nós – Por Mais Direitos e Menos Desigualdade Social na Comunidade Jardim Catarina.

 
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