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Sobre o absurdo apoio de Marcelo Freixo e Juliano Medeiros do PSOL à tentativa de desvio no Chile
Simone Ishibashi
Rio de Janeiro
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As imensas manifestações que tomaram o Chile há cerca de um mês encontram-se em uma encruzilhada. Trata-se de uma tentativa de desvio costurada pelos partidos do regime como Chile Vamos (UDI-RN-Evopoli), os partidos da ex-Concertación de Bachelet (Partido Socialista, Democracia Cristã), e os principais partidos da Frente Ampla (Revolução Democrática de Giorgio Jackson, o deputado Boric da Convergência Social, Partido Liberal e o Comunes) que fecharam um acordo para tirar o movimento de massas das ruas, evitando que o neoliberal e repressivo Piñera caia pela força da greve geral. Para isso as forças políticas envolvidas na proposta de acordo propõem um plebiscito para abril do ano que vem para decidir sobre uma “convenção mista constitucional”, para avaliar a execução no final de 2020 a realização de uma “convenção constitucional”. Mas com um detalhe: mantendo Piñera no poder e canalizando tudo para o marco institucional do regime. Nem sequer se discute uma Assembleia Constituinte, e sim na melhor das hipóteses uma "Convenção Constituinte" composta 50% pelos mesmos parlamentares que buscaram até agora evitar qualquer modificação do regime; ademais, o quórum exigido é de 2/3, o que significa que os partidos da direita terão poder de veto à qualquer decisão. Como se não bastasse, as eleições se dariam sobre a base das regulamentações eleitorais que favorecem as chapas com maior aparato e financiamento. A aposta é que neste período de quase dois anos de tramitação tudo volte à normalidade, e o regime possa se recompor.

Nenhum aspecto que foi questionado nas ruas será tratado nesse acordo feito à imagem e semelhança da direita. Piñera seguirá na presidência: alguém considera possível garantir aposentadorias dignas com Piñera e os parlamentares que encabeçam a administração das AFP (aposentadorias privadas)? A precariedade da saúde, da educação, do transporte permanecerá intacta com esse acordo, um acordo com um governo assassino que acaba de matar um manifestante na Praça Itália. Trata-se de uma manobra tão abertamente traidora para desviar as jornadas revolucionárias em curso, que mesmo a CUT dirigida pelo PC, que vinha atuando para substituir a queda de Piñera pela ação das massas por um processo institucional de impeachment, foi obrigada a sair com uma nota pública denunciando o acordo.

Dizer que até o PC questiona o acordo não é algo menor. A Frente Ampla supostamente surgiu como alternativa à esquerda do PC, devido a que este foi um obstáculo direto nas mobilizações de 2011 que foi atropelado pelo movimento estudantil. O PC segue a velha tradição stalinista de conciliação de classes aberta, fez parte do governo de desvio da Bachelet, é o tradicional bombeiro das mobilizações chilenas. Agora, a Frente Ampla mostra rapidamente sua verdadeira face, aceitando um acordo com Piñera e a direita bolsonarista chilena liderada pelos Kast, à direita do próprio PC.

Mas essa percepção não é compartilhada pela direção do PSOL. Muito pelo contrário, hoje proeminentes setores de sua direção não economizaram saudações a essa que se anuncia como uma grande traição aos trabalhadores e jovens, que vem sofrendo uma enorme repressão estatal de Piñera. Marcelo Freixo tuitou hoje de manhã que se tratava de uma “vitória do povo chileno”, enquanto Juliano Medeiros, presidente nacional do PSOL, viajou ao Chile de onde saúda o acordo como “histórico” e uma “vitória” que estaria levando o “Chile de Pinochet ao final”. Uma posição tão vergonhosa quanto falsa: está na contramão das dezenas de milhares de trabalhadores e jovens chilenos se manifestam contra o acordo.

A começar porque como já foi dito não é possível considerar uma vitória a manutenção de Piñera no poder. Em segundo lugar, porque como o PTR, organização chilena irmã do MRT, denuncia nenhuma herança da ditadura será superada dessa forma. Simplesmente não se pode crer que a negociação com os mesmos partidos políticos que salvaguardaram e aprofundaram essa mesma herança da ditadura através das privatizações, dos salários de fome, e do apoio à violência estatal contra os mais pobres durante décadas atenderão as demandas dos trabalhadores e da juventude. E como consequência disso a pseudo “Assembleia Constituinte” que eles propõem, e que Juliano Medeiros e Freixo tão efusivamente comemoram, não serve para reverter o saque das riquezas do país operada pelas privatizações, ou para reverter o infame sistema de aposentadorias privadas (na qual Guedes se inspira para a reforma da previdência), e muito menos acabará com a brutal repressão estatal, tortura, impunidade dos crimes contra o povo trabalhador, e os povos originários como os mapuches.

A Frente Ampla, partido em que se referencia o PSOL, foi parte ativa desse acordo com a direita que significa salvar Piñera e o regime herdeiro de Pinochet. A crise com o acordo foi tão grande que o próprio Jorge Sharp, prefeito de Valparaíso pela Frente Ampla, rompeu com sua corrente Convergência Social (mesma corrente de Gabriel Boric, que pactuou com a direita), sendo seguido por 73 militantes.

Muito pelo contrário, ao ser uma clara tentativa de desviar as mobilizações o acordo é justamente a forma de salvar os mandantes e executores dos mais de 22 mortos, 2 mil feridos, centenas que perderem seus olhos com tiros de bala de borracha desde que os protestos começaram, além de toda a repressão corrente pela herança pinochetista. Por isso essa farsa de “Assembleia Constituinte” que está sendo proposta por esses políticos milionários a serviço dos capitalistas, tão comemorada por Freixo e Medeiros, nada tem a ver com uma verdadeira Assembleia Constituinte Livre e Soberana, que deveria emanar da ampliação da mobilização, e expressar os interesses dos que hoje são suas vidas lutando por um futuro.

Em Antofagasta se criou um Comitê de Emergência e Resguardo que reúne centenas de pessoas de distintas categorias de trabalhadores, sindicatos, e estudantes para coordenar suas ações e suas lutas, expressando importantes tendências à auto-organização. Esse exemplo, se generaliza-se com a formação de comitês de greve em todos os locais de trabalho e estudo, coordenadoras e assembleias por todo o país, é o que efetivamente pode conquistar uma vitória, derrubando Piñera e acabando com a herança pinochetista. Qualquer força de esquerda minimamente consequente deveria partir da denúncia dessa tentativa de derrotar os trabalhadores e a juventude chilena. Apoiar e trabalhar por esse acordo como fazem Juliano Medeiros e Marcelo Freixo é ajudar no desvio das tendências mais progressistas que seguem ativas na luta chilena, e que denotam claramente que coordenando e massificando é possível ir por muito mais. A real vitória deve ser conquistada pela ampliação das mobilizações históricas, paralisações gerais, cortes e barricadas que não se intimidaram sequer com a brutal repressão. Ou seja, a posição destes setores da direção do PSOL vai no sentido oposto ao tipo de apoio internacional que o processo chileno merece receber da classe trabalhadora e da juventude da região e de todo o mundo.

 
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