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Chile: greve geral enquanto Piñera procura uma armadilha “constituinte”
Pablo Torres

Enquanto desde o palácio Piñera procura retomar a agenda com o chamado a uma “nova constituição” com acolhimento por parte dos partidos da ex Concertación, aconteceram diversas paralisações e manifestações em várias cidades do país, preparando a nova convocatória de “greve geral” pela Mesa de Unidade Social

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A armadilha constitucional de Piñera: auto-reformas para que nada mude

Hoje uma pesquisa de opinião de Cadem, fiel a Piñera, publicou que 52% dos entrevistados prefere mudar a Constituição de maneira totalizante, e 54% através de uma Assembleia Constituinte. Somente 11% através do Congresso. Isso, no marco de uma nova armadilha de Piñera de “nova constituição” através de um “congresso constituinte” negociado entre os principais partidos de Chile Vamos para salvar seu governo e manter este regime.

O giro foi realizado após ter colocado como principal aposta a agenda de “segurança pública”, aumentando a brutal repressão e criminalização das manifestações, inclusive com a insólita medida de convocar o Conselho de Segurança Nacional, para responder e deixar felizes as críticas dos mais pinochetistas como José Antonio Kast, que vem ganhando peso frente ao que considera uma capitulação crescente de Piñera à esquerda, e que queima a União Democrática Independente (UDI). Na sexta-feira, com mais de 300.000 pessoas na Praça Itália e dezenas de milhares em algumas regiões, as ruas desafiaram este giro repressor. O caso de Gustavo Gatica, com o risco de perda de seus olhos (no marco de mais de 200 casos de perdas oculares, um caso inédito mundialmente, como foi denunciado inclusive pelo jornal imperialista New York Times) gerou rechaço em amplos setores sociais, porque continuam as torturas, as batidas, as balas de pequeno calibre, os tiros com muita proximidade, as escopetas anti-distúrbios.

O giro se impunha. A partir de outro setor da direita (em particular seus prefeitos e Renovação Nacional) buscaram tomar o debate constituinte, e insistiam que Piñera não ficasse “resistindo” uma demanda popular com o governo já arruinado, e inclusive grandes empresários como Alfonso Swett da CPC (Corporação da Produção e do Comércio) disse que essa possibilidade precisava ser aberta. Mas o giro é uma verdadeira armadilha. Toda a mudança passará pelo congresso, com “participação cidadã”. Além disso seria uma “convenção” constituinte no estilo Bachelet, uma mistura entre “cidadania e parlamento” como vinha defendendo o RN Mario Desbordes.

A UDI se mostrou “disposta” a aceitá-lo, mas colocou seu veto: apoiaria se for “institucional” e questional que La Moneda “está cedendo muito”. Van Rysselbergue advertiu que se manterão os pilares do “modelo”. “O que a nós nos interessa saber, mais que o mecanismo que é o que está pedindo a oposição, é o que se quer mudar. O que não se pode fazer é gerar falsas ilusões, as pessoas que foram às ruas acredita que porque se altera a Constituição vão melhorar as aposentadorias, a saúde ou a educação, e isso não é real.”(La Tercera 11-11-19). E tem razão: com Piñera e a direita, com o velho parlamento e as instituições que deixou Pinochet, serão “ilusões” porque não poderão ser conquistadas as demandas do povo trabalhador. Por isso é necessário derrubar Piñera e todo este regime com a greve geral.

Assembleia Constituinte? Isso nem por acidente, como deixou bem claro Karla Rubilar. Talvez o único com mais “sintonia” foi Ossandón, quem alertou que o congresso “não tem credibilidade”, buscando prevenir uma nova crise no caminho.

O novo resgate da “oposição”

No entanto, esta armadilha aberta pra salvar Piñera e as velhas instituições odiadas pela população, encontraram o eco e apoio da oposição dos velhos partidos da Concertación, onde o anúncio caiu relativamente “bem”.

A Democracia Cristã gosta desta combinação entre “parlamento e cidadania” através de uma convenção constituinte. Um de seus constitucionalistas, Patricio Zapata, resumiu bem: “uma eleição daqui a um ano para adicionarmos à equipe que vai fazer esse projeto (o Parlamento) mais 50, 30 cidadãs e cidadãos que não querem ser deputados ou senadores. (...) Temos que inserir esta cidadania ao processo para que não sejam somente parlamentares”. Ou seja, que decida o velho parlamento, mas umas “somas” de cidadãos. Novamente a cozinha. (1)

Heraldo Muñoz do PPD resumiu bem o rechaço a estes partidos antes das declarações de Navarro e Guillier sobre eleições antecipadas: “Acredito que este Presidente e este congresso tem que terminar seu mandato e que então a cidadania se pronuncie e castigue ou dê prêmio, qualquer um dos dois casos, mas não mude as regras no meio do jogo”. Ou seja, mudanças cosméticas e de auto-reformas para que nada realmente mude.

Figuras dirigentes do Partido Socialista participaram de uma reunião “particular” com membros do RN na sexta-feira, 8 de novembro, no congresso, para “dialogar” sobre estas reformas. No entanto, em reuniões com Blumel do governo, também participaram parlamentares da Frente Ampla, como Boric (CS) e Miguel Crispi (RD). Poderiam ser chamados de deputados de “esquerda” aqueles que dialogam com as armadilhas deste governo, enquanto nas ruas a polícia deste mesmo governo mata, tortura, estupra, bate e tira os olhos de centenas de pessoas e as criminaliza?

A Frente Ampla não quer derrubar Piñera, nem este regime, tampouco o quer o PC. Dizem que os mesmos de sempre e a “cozinha” não devem decidir, mas ao mesmo tempo que abandonam o “Fuera Piñera”, convocam um plebiscito que ocorrerá mediante uma reforma constitucional pelo atual Congresso, ou seja que deve ser votado por 36 senadores, ou seja, também é a direita. Onde decide o povo nisso? Onde existirá uma Constituinte verdadeiramente democrática, livre e soberana com um plebiscito controlado pelo Senado? Que tipo de Constituinte sairá se mantém Piñera e este congresso de multimilionário à serviço das grandes empresas? Este caminho de “plebiscito” depositando confiança na direita e na ex Concertación, assim como uma Assembleia Constituinte Com Piñera e o velho congresso, será mais do mesmo, e não serão tocados, como bem sinaliza a UDI, os pilares de seu “modelo”. Para conquistar salários, aposentadorias, educação, saúde, moradia e mais, é necessário tocar os grandes capitalistas, e isso não será feito com Piñera e o congresso no poder, mas sim por cima da sua liquidação.

Uma paralisação nacional é preparada: deve ser o início de um plano de luta para preparar uma verdadeira greve geral que derrube Piñera e todo este regime

Hoje aconteceram paralisações e mobilizações em diversas regiões do país. As e os professores se mobilizaram junto a milhares profissionais da educação, também os trabalhadores públicos da ANEF. As trabalhadoras de Ajunji e Integra se somaram, também rechaçando a privatização das salas de berço. As paralisações e mobilizações destes setores foram vistas em todo o país. Trabalhadores da saúde paralisaram consultórios e centros de saúde.

Em Santiago as jornadas pela manhã aconteceram na Praça Itália e La Alameda. Na tarde a polícia nem sequer permitiu a concentração na Praça Itália onde iam chegando alguns milhares, e com gás lacrimogênio e lança águas dispersou rapidamente. Na noite foram registrados diversos enfrentamentos nas comunas. Em Peñalolén os enfrentamentos chegaram até mesmo na subdelegacia da Polícia da comuna, com enfrentamentos, barricadas e incêndios após a brutal repressão na reintegração de posse de um terreno ocupado na Viña Cousiño Macul. Em Santiago, durante a tarde, estudantes do Instituto Nacional ocuparam a instituição se somaram às ocupações do Liceo 7 e 4 de Santiago, Liceo 7 de Providencia, Liceo Portal La Cisterna, Instituto Nacional, Barros Borgoño, Liceo Parroquial San Miguel, Liceo 112 Ciencia e Tecnología, Nuestra Señora de las Mercedes de Puente Alto, Liceo A5 de Macul, Colegio Santa Cruz, Liceo Andrés Bello de San Miguel, e aumentam.

Em Valparaíso milhares marcharam como preparação à greve geral convocada. Em Concepción mais de 5.000 jovens marcharam e logo aconteceram enfrentamentos com a polícia que novamente fez uso de escopetas antidistúrbios. Em Talca foi queimada a sede da UDI Juan Antonio Coloma, somada à queima da sede central da UDI em Santiago e Concepción na semana passada. Em Linares, centenas de manifestantes destruíram a praça “Augusto Pinochet”, um dos poucos pontos em Chime que homenageava o ditador.

E o chamado à “greve geral” ganhou força. A União Portuária sinalizou que paralizarão 90% dos portos do país e se unificarão à mobilização nacional na maioria das cidade de norte a sul. Os mineiros de diversas minas anunciaram paralisações e mobilizações. No aeroporto de Santiago e a nível nacional, trabalhadores da aduana e públicos anunciaram que paralisação. Em Santiago os trabalhadores de transporte, das linhas vule, metbus, stp, red bus e subus, anunciaram que se somariam. Em Valparaíso, além de portuários, públicos, docentes, paralizarão também os trabalhadores do Metrô. Em Concepción, foram anunciadas paralisações em mais de 40 sindicatos da saúde, de Fenats, em Puerto Lirquén, 1.800 trabalhadores de Asmar, e Enap Refinarias junto Petrox sinalizaram que realizarão ações de mobilizações junto a federações contratistas. Em Lota, inclusive, mais de 400 comerciantes de varejo da tradicional Feira de Lora fecharão suas lojas para apoiar a paralisação, uma medida histórica na comuna mineira.

Estes setores se somam aos professores, trabalhadores da saúde, públicos e municipais que no dia de hoje já foram começando a paralisação.

De ser uma paralisação efetiva nos locais estratégicos como a mineiração e portos, assim como em aeroportos e transporte, junto com a mobilização de centenas de milhares de convocatórias, não só possa reunir massivamente mas que novamente deixe o governo no ar, mas sim abrir a possibilidade de que a paralisação golpeie núcleos estratégicos dos grandes capitalistas, e permita unificar a juventude com o movimento operário. A saída de centenas de milhares às ruas será uma grande bofetada no governo, mas será uma alavanca real e efetiva na medida que seja o primeiro passo para uma verdadeira greve geral que derrube Piñera e estas instituições anti-democráticas herdadas da ditadura. Essa deve ser a perspectiva.

Para isso é necessário superar a política da Mesa de Unidade Social que busca pressionar por um “diálogo sem exclusões” com a paralisação, com o assassino e repressor Piñera e se enfiar na armadilha “constituinte” como já faz a FA e o PC. A paralisação de hoje deve ser o início de um plano de luta e uma greve com continuidade com o objetivo de frear a agenda repressiva de Piñera, de parar sua brutal repressão contra as e os lutadores do povo trabalhador, para impor o julgamento e o castigo dos responsáveis, conquistar a liberdade dos presos desta rebelião, junto aos organismos de direitos humanos e sociais, com os trabalhadores à frente. Com essa força, a greve geral deve ter como objetivo derrubar Piñera e todo este regime à serviço das grandes empresas e multinacionais. Para isso é necessário superar os métodos das cúpulas burocráticas que não chamam a formar comitês de greve nas bases, nem tampouco convoca assembleias massivas e democráticas para definir o plano de luta e o programa. Somente derrubando Piñera, este regime e seus partidos, poderemos impor uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, onde realmente seja o povo quem decida.

(1) Nota Tradutor: da cozinha é o termo utilizado no Chile para descrever as negociatas entre os partidos da ordem.

 
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