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DIA DOS PROFESSORES
O meu dia dos professores
Professora da rede estadual de SP

Crônica enviada por uma professora da rede estadual de São Paulo

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Crônica do dia dos professores

Hoje acordei sem o despertador. “Ufa, é dia dos professores, não tem aula”. Vou aproveitar o sol pra lavar roupa. Talvez congelar um pouco de comida pra adiantar a semana. Também tem aquele filme que todo mundo tá comentando, como é nome mesmo? Ah, Bacurau, se der tempo eu assisto.

A sensação de alivio dura poucos segundos. “Como pode ser? Me roubaram até o alivio do dia de folga?” É tiram até isso da gente. Os ombros voltam a pesar. Tenho que aproveitar o dia para corrigir provas, fazer diários, lançar as notas, preparar as aulas. Preciso preparar aulas melhores, o ensino médio anda apático.

Apáticos! Por que eles estão apáticos? Será que eu também estou? Sim, o problema deve ser comigo, com certeza. Preciso melhorar minhas aulas. Mas como? Como se é difícil levantar de manhã? Como se chego depois em casa exausta. Como se preciso pensar em como fazer tudo isso num país onde o presidente me escolheu como seu inimigo número 1 e o governador aceitou colocar um PM pra vigiar minhas aulas. Alias, vou anotar aqui que no ATPC precisamos debater essa proposta de militarização das escolas. Militarização das escolas!!!

Que raiva! Mas hoje é meu dia de descanso e amanhã o despertador volta a tocar, volto a correr atrás do ônibus sem sucesso, lá vem outra bolinha. Se levar mais uma é falta e a direção não vai abonar.

Achei no meio das provas pra corrigir o desenho que a Beatriz fez pra mim. Puta desenho da hora, o Trump querendo parar um tufão com dólares. Criativa demais! Sim, por eles vale a pena. Mas é tão difícil parar de dizer isso e viver livre dessa sensação de fardo. São 7 anos em sala de aula, parece muito mais. Não tem material, não tem merenda, não tem parede e isso TODO MUNDO SABE. Não é novidade, não vou mais reclamar disso. Todo dia um soco no estomago novo. Todo dia mais uma história de um professor que se sentiu derrotado.

Não vou reclamar, hoje pelo menos não vou ficar doida com o barulho. Vou ouvir música pra relaxar. Talvez eu consiga usar algumas músicas nas aulas. Deixa pra lá, acho que eles não vão curtir as músicas. Poucas coisas fazem sentidos pra eles dentro daquele “átomo”. Será que cada escola é um átomo? Tão sozinhos e isolados seguindo seus cotidianos cheios de problemas com os quais ninguém se importa? Muita gente usa átomo como algo insignificante. Sei lá, não sou professora de química, não sei direito o que é um átomo. Vou ver o dicionário.

ÁTOMO (POR EXTENSÃO•FISIOQUÍMICA): sistema energético estável, eletricamente neutro, que consiste em um núcleo denso, positivamente carregado, envolvido por elétrons.

Essa explicação me parece bem melhor, então vou me apegar ao “núcleo denso, positivamente carregado”, seja lá o que isso significa. Boa, essa pode ser a saída. Me sentir positivamente carregada e não é frase desses vídeos motivacionais que passam pra gente nos planejamentos escolares; querem os professores intimidados, querem a gente com as cabeças enfiadas nos diários. Sem animo pra levantar. Sem vontade de lecionar. Me querem desarmada! Talvez a reposta é decidir se armar até os dentes, com armas positivamente carregadas de confiança na minha classe e na minha juventude, de que não vão aceitar pagar pelo mundo que esses cretinos privilegiados criaram roubando nossas horas nos trabalhos, as custas de muita fome, de mortes, de merenda roubadas e professores doentes.

Um amigo me disse “não é a primeira vez que os professores estão numa situação difícil na história”. Não poderia ser mais verdade. Passei o dia pensando nisso. Vou olhar as fotos da última greve, era tudo tão diferente de agora. Foi em 2015, 92 dias. Três meses difíceis porque o governo cortou meu salário. Quantos sentimentos daqueles dias ainda estão aqui bem vivos. Lembro que no final desses dias pensei em como tanta coisa tinha mudado em tão pouco tempo. Não me arrependo nem de um dia sequer desses quase cem. A força e a alegria dos meus amigos de escola, que a rotina teima em querer esconder, se jogou na frente de todos, da avenida Paulista a avenida 23 de Maio. Caramba, que dias!

Preciso lembrar disso, de como me senti ali. Talvez fosse pensando em momentos da história muito mais determinantes que esse amigo me falou aquilo. Ah, mas aqueles dias também foram determinantes pra muita gente que conheço. Era a sensação de que a gente podia tudo, foi nosso momento de virar a mesa, chutar a cadeira e bater a porta. Acho que a gente precisa pra ontem lembrar como é potente essa sensação de poder mudar tudo.

Uma vez li um livro sobre dialética e entendi que achar que o mundo não pode ser mudado é o que os privilegiados nos fazem pensar. Vão a merda com as barreiras intransponíveis de vocês!

Ixi, não fechei as notas e nem os diários! Bom, mas meu dia dos professores até que rendeu. Amanhã vou falar com a Rosângela e o Carlos na sala dos professores, quem sabe a gente consegue virar umas mesas, chutar umas cadeiras e bater umas portas!

 
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