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LUTA DAS MULHERES
Tirem as mãos dos nossos corpos: gritam as jovens mulheres!
Flávia Telles

Manter as tarefas reprodutivas da vida, como as tarefas domésticas, é o que eles querem que nos reste, junto com aguentar os piores postos de trabalho que se aprofundam na crise que querem nos descarregar. Não aceitamos!

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Dia a dia estamos diante de grandes ataques ao trabalho e condições de vida, mais violência às mulheres estampando os jornais, tweets nojentos do presidente e horrores que saem da boca da ministra da família. Um ministério que é um verdadeiro decreto para nosso futuro: viver em função de construir uma família, heteronormativa, onde as mulheres tenham o trabalho do cuidado como um fim, cuidar dos pais, filhos, dos enfermos, cuidar de todos. Manter as tarefas reprodutivas da vida é o que eles querem que nos reste, junto com aguentar os piores postos de trabalho que se aprofundam na crise que querem nos descarregar.

A questão é que apesar da extrema direita estar na ofensiva contra nossos direitos, estamos diante de um poderoso movimento feminista que já mostrou também sua fúria contra Trump, Bolsonaro e cia. Há 1 ano vivemos na Argentina a chamada “Revolução das filhas”, meninas de 12 anos que convenceram quem estava ao seu redor de que a demanda pelo direito ao aborto legal, seguro e gratuito valia a pena.

Eles tentam apagar nossa história, mas somos as filhas de uma nova geração. Somos jovens mulheres que carregamos as marcas das que vieram tentando dar respostas aos ataques de 11 anos de crise capitalista. Uma crise que se choca com as ilusões neoliberais de uma possível democracia radical para as mulheres. E se a ofensiva dos capitalistas é mundial, as mulheres também vem respondendo com um movimento internacional.

O controle sexual e o choque das jovens mulheres na crise: Aborto legal, seguro e gratuito!

Em Sexo y revolución, Néstor Perlongher diz que: “Para aprisionar o ser humano ao trabalho alienado é necessário mutilá-lo reduzindo sua sexualidade aos genitais“. A ideologia patriarcal exalta as relações familiares justamente para aprisionar o prazer feminino às funções genitais, reduzindo a sexualidade feminina ao papel da reprodução, baseado na monogamia e na dualidade homem-mulher. Para as mulheres negras, além de reduzido à função genital, o corpo é negado enquanto padrão e ao mesmo tempo sexualizado e abusado como coisa, com o estupro marcando as relações coloniais no Brasil.

Assim, colocam um véu à realidade das famílias, onde as mulheres mantém todo o trabalho reprodutivo da vida não pelo “afeto”, mas pelo papel social que nos é dado enquanto escravas do lar, incumbidas do cuidado, do trabalho não-pago, mas também de colocar dinheiro na mesa, com toda exploração nos locais de trabalho. São duplas, triplas jornadas que se escondem sob o selo da família feliz e que servem aos lucros da exploração capitalista.

Mas esse aprisionamento foi sacudido pelos processos de luta dos trabalhadores e da juventude. Basta ver o que significou o feminismo subversivo da segunda onda, em meio ao ascenso da juventude em 1968, jovens mulheres que queimavam sutiãs e gritavam por igualdade em relação ao corpo, trabalho e salários. Nesse mesmo período, como aponta Piscitelli, estão situados os debates em torno do conceito de gênero, retirando o “ser mulher” do âmbito da natureza, do “sexo”. Também aqui surge a pílula anticoncepcional e o direito a escolher quando engravidar.

Das jovens mulheres insubordinadas vamos a nova ofensiva imperialista, o neoliberalismo. Aqui, a restauração burguesa trouxe junto com a fragmentação da classe trabalhadora, a institucionalização das pautas das mulheres, negros e lgbts como forma de esvaziar seu conteúdo combativo e subversivo, castrando a ideia da revolução. Uma ideia de que a emancipação das mulheres poderia vir de pouco em pouco galgando posições dentro do Estado capitalista.

Mas a emergência de fortes movimentos de mulheres pós crise de 2008 questionou a ideia da emancipação gradual. O avanço tecnológico e científico, o aumento do acesso das mulheres às universidades e em posições que antes era ocupada apenas por homens, e toda legitimidade que alcançou do ponto de vista cultural, se chocou na crise com a realidade onde as mulheres são as mais pobres do planeta, onde se dispara estatísticas da violência doméstica, prostituição e feminicídios, e onde os capitalistas avançam sobre nossos direitos e para nos atacar ainda mais.

As jovens mulheres foram protagonistas dos principais processos de luta pós-crise, seja à frente do movimento de mulheres ou do movimento estudantil. O que só confirma que carregamos a indignação de quem não aceita que os direitos solucem ao ritmo da crise. Jovens que se enfrenta com o anacronismo conservador e moralista da extrema direita que parece retroceder séculos. É nesse processo que a histórica defesa do direito ao aborto ganha mais relevância, sobretudo nos países onde esse direito ainda não foi conquistado, como é em 90% dos países latino-americanos.

Na argentina vimos que “as filhas” com seus lenços verdes protagonizaram um dos maiores processos de luta em defesa do direito ao aborto para responder ao absurdo que são os índices de mulheres que morrem por abortos clandestinos todos os dias e para dizer que dos nossos corpos cuidamos nós. Lutaram para enfrentar o controle da igreja, do Estado e do patriarcado sobre nosso corpo para que ele seja disciplinado para a família e para o trabalho.

A negação do direito ao aborto é uma das maiores expressões do quão caro o controle sexual das mulheres é ao capitalismo. Nos momentos de crise em que se avançam em ataques ao trabalho e as condições de vida, é vital também que se ataque a liberdade sexual das mulheres. Não à toa, no Brasil de Bolsonaro, a extrema direita quer nos tirar o direito ao aborto até em casos de estupro, chegando a propor a proibição de anticoncepcionais.

É contra esses anacronismo conservador que se chocam as jovens mulheres, justamente porque pulsa em nós a vontade pelo novo, por descobrir o prazer, por experimentar nossos corpos e por decidir o que fazer com ele. Tudo que a extrema direita odeia, porque quer nos castrar, nos aprisionar, nos censurar para impor um padrão de comportamento às mulheres que sirva ao controle do trabalho e a reprodução social da vida. Um trabalho que hoje reserva para os jovens nada mais que precarização, com serviços de plataforma sem nenhum direito: são 12 horas por dia pedalando no Rappi e Ifood para poder sobreviver.

Não há melhor expressão de como as jovens mulheres não se calam frente a devastação capitalista do que o discurso da ativista Greta Thunberg diante dos governos na ONU, dizendo: “Nós jovens estamos começando a ver a magnitude das suas traições”. A juventude, que veio protagonizando importantes mobilizações nas ruas contra a extrema-direita, também carrega consigo o grito pela liberdade do corpo, do prazer, da arte, da cultura, das novas experiências, e diz “Basta”, com mais de 5 mil manifestações pelo mundo na greve geral do clima, à toda exploração da natureza que vimos colocando fogo na Amazônia.

Essa potência também deve estar a serviço de defender o direito a que as mulheres possam decidir se querem ser mães ou não e possam não morrer por abortos clandestinos, que atinge sobretudo as mulheres negras no Brasil. Um movimento estudantil que possa defender educação sexual para decidir, contraceptivos para não abortar e aborto legal, seguro e gratuito para não morrer.

As tarefas das jovens mulheres contra todo projeto da extrema direita

Hoje podemos dizer que são as mulheres jovens a principal oposição a Bolsonaro. Basta ver o movimento #EleNão e as manifestações massivas da juventude em maio deste ano que estiveram com as mulheres à frente. Jovens que questionam cada ataque à ciência e a pesquisa, porque sabem que o projeto de ataque à educação é para submeter nosso país, ainda mais do que já vinha se submetendo nos governos do PT, aos interesses imperialistas. É sob as costas das mulheres negras, indígenas e trabalhadoras que querem levar à frente o projeto de recolonização da América Latina.

É nossa tarefa unificar a força do movimento estudantil com a ousadia do movimento de mulheres e fazer sacudir a potente classe trabalhadora brasileira. Se no mundo as mulheres se levantam contra a podridão da extrema direita, isso deve estar à serviço de também estar a frente de retomarmos nossas entidades para o que elas deveriam servir, que é organizar a luta de cada um que é atacado por Bolsonaro, de cada trabalhador e jovem no país. Cada centro acadêmico, DCE, cada sindicato em que as mulheres estiverem à frente tem que ser uma fortaleza para organizar uma força material que possa superar os que travam nossa luta.

Com um movimento estudantil que se coloque a organizar a luta desde a base, se ligando aos trabalhadores, podemos enfrentar a extrema direita e lutar para transformar a universidade de classes. O conhecimento produzido deve estar à serviço não das grandes empresas que nos exploram, como é hoje, mas de resolver as grandes demandas sociais que afligem sobretudo as mulheres trabalhadoras.

Um conhecimento que seja livre das amarras do lucro, mas também laico, livre de todo moralismo das igrejas, pode construir um programa de saúde pública que esteja à altura de responder a demanda pelo aborto, com todo aparato de saúde física e psicológica necessário. Criar novos métodos contraceptivos que superem as pílulas que levam às mulheres a ter trombose e combater os índices de gravidez na adolescência e avançar para impedir as dores intermináveis de cólica.

Uma universidade que se coloque para pensar novos planos de moradia, de saúde, de educação, onde o conhecimento sirva verdadeiramente aos mais pobres. Um movimento estudantil que seja porta-voz dos mais oprimidos pode estar à serviço de lutar contra a violência policial nas favelas que matou a menina Ágata e que mata sistematicamente jovens negros, fazendo as mulheres negras enterrarem seus filhos.

Com a vontade pelo novo e o ódio do velho que carregamos podemos fazer tremer a extrema direita asquerosa de Bolsonaro se nos aliamos aos trabalhadores E se eles querem controlar nossa sexualidade, nossos prazeres, nosso futuro, gritamos com a potência das que carregam a história de tantas lutadoras como Rosa Luxemburgo, Louise Michel, Aqualtune e Dandara de que “Tirem as mãos dos nossos corpos!”

 
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