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ANÁLISE
Os vetos de Bolsonaro à Lei de Abuso de Autoridade e as disputas do "partido judiciário"
Ricardo Sanchez

Que artigos Bolsonaro vetou? O que esses vetos mostram de sua política para o judiciário no mesmo momento que nomeia um Procurador Geral da República que desagradou os procuradores e busca intervir na Polícia Federal? O que esses eventos mostram da disputa pelo “partido judiciário” em meio ao enfraquecimento da Lava Jato?

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Vetos de Bolsonaro à Lei de Abuso de Autoridade: disputa pelos espólios do “partido judiciário” com o enfraquecimento da Lava Jato

Na última quinta-feira Bolsonaro nomeou Augusto Aras como Procurador Geral da República (PGR) e também publicou seus 36 vetos a 19 artigos da Lei de Abuso de Autoridade aprovada pelo Congresso Nacional. A lei de autoria do infame Renan Calheiros regulamentava diversos preceitos consagrados na Constituição de 88, e ao regulamentar direitos e limites já enunciados, servia como sinais contrários e limites a ação de juízes, procuradores e policiais. Para defender seus interesses de “casta política”, Renan e outros se apoiaram em defesa de direitos já previstos, inclusive do direito à manifestação.

Os vetos de Bolsonaro, junto à intervenção na Polícia Federal e nomeação de um PGR que blinde esquemas e interesses que convenham ao Planalto, deixam patente sua política perante o conjunto de forças repressivas do Estado, como parte de fortalecer seu projeto de bonapartismo. O Congresso que nunca titubeou em rasgar direitos democráticos, como o do sufrágio ao promover o golpe institucional através do instrumento do impeachment usando “pedaladas fiscais”, busca posar-se de democrático. O que Maia, Alcolumbre e todo o centrão fazem é defender-se de ações inconstitucionais da Lava Jato, reafirmando preceitos constitucionais e os regulamentando, bem como tentando ampliar seu discurso democrático mirando abusos repressivos das policias.

Veja no final desse artigo um comentário artigo a artigo dos vetos de Bolsonaro que motivam essa análise global aqui exposta.

Tanto a nomeação do PGR como os vetos serão apreciados pelo Congresso. O PGR, exclusivamente pelo Senado, que o sabatinará e aprova (ou reprova) por maioria simples. Já os vetos são apreciados pelas duas casas e para derruba-los é necessária maioria de 2/3 das casas, um número que houve na aprovação da lei. No caso da nomeação de Augusto Aras há prognósticos de sucesso para Bolsonaro, já que há confluência de interesses com a “casta política”, mesmo que encontre estridente oposição de setores pró-Lava Jato no Senado, já os vetos da Lei de Abuso de Autoridade podem contar com mais complexo trâmite e anuncia-se como terreno de batalha entre diferentes autoritarismos no país, ou se quisermos colocar de outro modo, entre direita e extrema-direita.

A lei de Abuso de Autoridade no contexto do golpismo

A Lei de Abuso de Autoridade conhece uma história singela de rapidez e lentidão que deixa patente o uso desta regulamentação de preceitos constitucionais por parte do Congresso como mero instrumento para interesses políticos seus contra a Lava Jato. Da noite para o dia, a lei foi colocada em pauta em dezembro de 2016 quando o STF junto com a Lava Jato interveio na sucessão presidencial e na presidência do Senado, atacando prerrogativas daquela casa e de Renan. Depois disso ficou guardada numa gaveta. Ressuscitou em meio a enfraquecimento da Lava Jato junho de 2019, em poucas horas venceu trâmites e foi aprovada no Senado. Poucos dias depois, em trâmite igualmente rápido a Câmara faria o mesmo em 14 de agosto.

A lei trás as marcas de interesses difusos da casta política em se defender contra inconstitucionalidades da Lava Jato, mas também traz a regulamentação de direitos constitucionais que nada mais são que óbvias marcas de conquistas civilizatórias dos últimos séculos, como direito a acesso livre a advogado, de não produzir provas contra si mesmo, de não sofrer operação de busca e apreensão sem mandado judicial (o que as polícias praticam livremente nos morros, favelas e periferias) e versava até mesmo sobre o crime de autoridades ao proibir manifestações pacíficas.
Praticamente nenhuma das proposta da Lei de Abuso de Autoridades constitui estritamente uma novidade, o que ela prescreve em geral já não era autorizado pela lei, ela meramente tipificou exemplos que constam de maneira mais difusa, e justamente nesse terreno que a Lava Jato com beneplácito do STF pode avançar em diversos autoritarismos. Esse movimento inicial da Lava Jato aconteceu mediante aplauso do mesmo “centrão” e com anuência do STF quando todos eles confluíam nos interesses do golpe institucional.

Ao contrário do que a Lava Jato e seus defensores na mídia quiseram fazer parecer, a lei não dava poder absoluto à casta política e garantia de sua impunidade, mas a facilitava concentrando decisões na cúpula do judiciário, particularmente no STF, e notadamente Gilmar Mendes foi um entusiasta da lei. Nesta lei havia vários artigos interpretativos se um juiz ou procurador teria cometido um crime ao prender alguém. Quem daria a última palavra se havia crime do juiz? O Congresso? Claro que não. Mas o STF.

Ou seja havia preceitos democráticos elementares ali, regulamentação de preceitos institucionais vigentes, por exemplo do direito à manifestação, havia defesa da “casta política” mas sobretudo um secreto fortalecimento do STF por cima das forças policiais, de juízes de primeira e segunda instância, e de procuradores. Tratava-se de substituir os vários micro-poderes de arbítrio por outro, aparentemente mais seguro para a Casta política e concentrado nas 11 togas supremas.

Os vetos de Bolsonaro visam manter o atual estado de coisas, onde os abusos de policiais, procuradores e juízes não são constitucionais mas não são repreendidos e tenta-se burlar, entortar rasgar preceitos constitucionais conforme o interesse político em questão.

Os vetos, resumidamente, deixam de proibir operações policiais onde os policiais não se identificam (ou seja pro-araponga), deixa de proibir o inconstitucional cerceamento de direito de defesa, deixa de proibir a ilegal tortura psicológica para produzir delações e confissões, deixa de proibir que que acusadores dirijam-se às TVs com Powerpoints de acusação antes de julgamento, e com os vetos retira-se os chamados “crimes de hermenêutica” que recaiam sobre juízes e procuradores. Ao oferecer esses vetos (que trataremos artigo a artigo mais abaixo) Bolsonaro dá um forte gesto ao Ministério Público no mesmo momento que o desagrada com a nomeação de Augusto Aras.

Veja aqui uma primeira análise do Esquerda Diário sobre a nomeação do novo PGR: “Augusto Aras é o PGR de Bolsonaro, o Ministério Público como campo de batalha dos autoritarismos

Augusto Aras, um detrator da Lava Jato, foi nomeado para defender o bolsonarismo em temas de denúncias de corrupção, defender o programa político do presidente em temas ambientais e de gênero. No tema de “corrupção” Aras parece unir setores da “casta política” com o Bolsonarismo já que ambos estão interessados em impunidade. Fazer do PGR um “Engavetador Geral da República” é relativamente consensual. Porém, no mesmo movimento, a presidência busca ascensão nesta força pretoriana para usá-la como instrumento de pressão sobre adversários.

Nestes interesses convergentes de “centrão” e Bolsonarismo quem sai perdendo é Lava Jato. De outro lado os vetos presidenciais à Lei de Abuso de Autoridade unem a Lava Jato com o Bolsonarismo contra o mesmo “centrão”.

De conjunto o movimento é uma pinça sobre os espólios de Moro e Dallagnol. Volta e meio o STF ou o Congresso dá mostras de avançar sobre a Lava Jato. Ao mesmo tempo, praticamente diariamente Bolsonaro oferece símbolos do enfraquecimento de Moro, de indemissível “super-ministro” a um chaveiro para sua popularidade, como na ridícula caminhada no desfile militar de 7 de Setembro em Brasília que Bolsonaro exibia Moro ao tradicional público direitista como se este tivesse que ser introduzido, e aparecia como escortado pelo presidente de extrema-direita.

Esse movimento de Bolsonaro tem sua continuidade nas intervenções sobre o COAF e Polícia Federal. Cada diferente autoritarismo e golpismo do país, vista ele a camisa de Bolsonaro, de Toffoli e Gilmar ou Maia e Alcolumbre, batalha pelo espólio da Lava Jato nessa força que foi crucial no golpe institucional – o “partido judiciário”. Se todos os golpistas uniram-se pelo golpe através do impeachment, uniram-se para avalizar a eleição manipulada que deu o palácio do Planalto a Bolsonaro, se uniram-se pelas privatizações e reforma da previdência, dividem-se sobre que novo regime consolidar no lugar da velha república de 88 em ruínas. E o MPF, as polícias, o Exército são parte importante dessa disputa.

Detrás de um autoritarismo ou outro os trabalhadores e a juventude tem nada a ganhar. É preciso levantar uma política independente que garanta toda a liberdade de defesa dos acusados, a liberdade de manifestação, erga a batalha contra os autoritarismo, começando pela demanda de liberdade imediata a Lula, que determine a eleição de juízes e que estes ganhem como uma professora, que cada caso de corrupção seja julgado não por amigos de Bolsonaro, da Casta Política e dos empresários mas por júri popular e assim com essa política independente escancare as arbitrariedades e autoritarismo de cada diferente ala do poder judiciário e das polícias.

Conheça um resumo dos vetos de Bolsonaro a Lei de Abuso de Autoridade

Para uma análise detalhada, com o texto completo dos artigos vetados e as estapafúrdias justificativas de Bolsonaro e Sérgio Moro (que co-assina o veto) sugerimos leitura de abrangente artigo publicado no portal “Conjur”.

1) Veto ao Artigo 3. Esse artigo gerava punição se o MPF não apresentasse denúncia a alguém acusado ou detido dentro do prazo de 6 meses. Vetando esse artigo deixa-se de proibir o uso de prisões temporárias em massa como se faz no país a jovens negros (cerca de 40% dos detidos do país nunca foram julgados) e permite o MPF conduzir pessoas presas com objetivos políticos e midiáticos sem sequer se dar o trabalho de formular em 6 meses (!) denúncia

2) Veto ao inciso 3 do artigo 5 – com o veto permite-se que policial punido por abuso de autoridade possa seguir exercendo funções no município onde cometeu o crime de abuso de autoridade

3) Veto ao artigo 9 – deixa de punir juízes que mantiveram prisão em desconformidade a preceitos legais. Esse artigo dava poderes ao STF que é quem última instância iria interpretar se o juiz tinha interpretado a lei de forma criminosa.

4) Veto ao artigo 11 que proibia buscas e apreensões sem mandado judicial – ou seja segue fazendo vistas grossas ao absurdo constitucional rotineiro com a invasão de domicílios e outros crimes que cometem as polícias diariamente, sobretudo em morros, favelas e periferias.

5) Veto ao inciso 3 do artigo 13. Esse artigo versava sobre proibir coação para produzir provas contra si mesmo. Um veto que deixa de tipificar a evidentemente ilegal tortura física ou psicológica. Um veto bem ao agrado de forças policiais, mas também de procuradores.

6) Veto ao artigo 14 que proibia filmagem de detidos sem sua autorização – um veto que poderia se chamar veto programa televisivo de direita às 18hs.

7) Veto ao artigo 15 – que exemplificava crimes em interrogatório quando interrogado usa seu direito de permanecer em silêncio (uma variação do artigo 13 também vetado). Trata-se novamente de um veto pró-PM e pró-MPF.

8) Veto ao artigo 16 – tornava crime quando um agente de segurança deixar de se identificar como tal. Esse veto é um veto pró-forças especiais e pró-forças de espionagem.

9) Veto ao artigo 17 – que versava sobre abusos no uso de algemas – novamente uma veto com sabor dos programas televisivos de direita e para uso político-mediático de operações, tal como na Lava Jato.

10) Veto ao artigo 20 – esse artigo versava sobre crime em impedir reunião privada de detento e advogado. Ao vetar Bolsonaro tenta naturalizar a regulamentação em lei de preceitos constitucionais a favor do direito de defesa de acusados.

11) Veto ao inciso 2 do paragrafo 1 do artigo 22 – versava sobre uso de força ostensiva em operações de busca e apreensão. Com esse veto deixa-se de proibir o uso político-mediático de forças policiais, bem ao sabor de operações como a Lava Jato.

12) Veto ao artigo 26 – esse artigo instituía que era crime induzir alguém a cometer crime para pega-lo em flagrante. Vetando que isso seja considerado crime, relativiza a derrota do MPF que tentou tornar essa prática autoritária em algo corriqueiro em suas “10 medidas contra a Corrupção” mas não conseguiu.

13) Veto ao paragrafo único do artigo 29 – que versava sobre omissões de informações em juízo falso sobre ação visando cercear direitos da defesa. Um exemplo de mentira para cercear a defesa pode-se encontrar nas confissões em Telegram de Dallagnol denunciadas na “Vaza Jato”. Bolsonaro vetou o paragrafo único que versava sobre omissão, mas manteve o corpo principal do artigo sobre mentira. Um veto que não salva Dallagnol de possível interpretação que cometeu crime, mas também não perde a oportunidade de agradar parte da procuradoria que tem garantido que não é crime seu uso de omissões para pressionar detidos e acusados.

14) Veto ao artigo 30. Esse artigo tornava crime dar início a ação contra quem se sabe inocente. Esse artigo, com alvo no MPF, era um artigo “irmão” do artigo 9 que era mais centrado em tipificar crime similar de juízes. Com o veto, tal como no veto do artigo 9, deixa-se de erguer ainda mais o STF, e mantem-se o poder autoritário dos múltiplos juízes e procuradores.

15) Veto ao artigo 32 – que tipificava como crime dificultar o acesso constitucionalmente garantido para a defesa a autos, e outros instrumentos. Ao vetar esse artigo, Bolsonaro mantem um “status quo” em que não há limites ao arbítrio da procuradoria contra a defesa. Essa situação é descrita por vários juristas como “falta de paridade de armas” na justiça golpista brasileira. Essa falta de paridade que é ainda mais forte contra negros, pobres, trabalhadores, mas que ao generalizar-se com Lava Jato volta com renovada força aos setores populares, como nota-se em casos de perseguição a ativistas de movimentos de moradia em São Paulo.

16) Veto ao artigo 34 – artigo tipifica o delito de deixar de corrigir processo ou denúncia que se sabe que tem erro. Novamente uma medida favorável a juízes e procuradores e que ao ser vetada diminui o fortalecimento do STF que ficava implícito nesse artigo.

17) Veto ao artigo 35 – esse artigo versava sobre abuso de autoridade em impedir o direito elementar de realizar atos e reuniões pacificas. Com esse veto Bolsonaro visa deixar sem explícitos limites legais o arbítrio de governadores, prefeitos, policias para repressão a manifestações políticas que desagradem à direita, aos capitalistas, ao patriarcado.

18) Veto ao artigo 38 – o artigo constituía crime quando um responsável por alguma ação, ou denúncia, tornasse público acusações antes de julgamento. O powerpoint de Dallagnol, a apresentação diária de jovens negros na TV com mera acusação policial, não se torna crime graças ao veto.

19) Veto ao artigo 43 – esse artigo continha alteração em lei que configurava crime certas limitações a atuação de advogados de defesa. Esse veto é muito similar ao veto ao artigo 20.

 
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