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TRIBUNA ABERTA
Bispo-prefeito VS jovens vingadores: a tentativa de censura na Bienal do RJ
Reverson Nascimento
Florianópolis - SC

O presidente do Brasil, os governadores de São Paulo e Santa Catarina e o prefeito do Rio de Janeiro não permitem esse tipo de assunto. Então, não compartilhem esse texto. (Risos de ironia)

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Como pesquisador de histórias em quadrinhos, mas, principalmente como SER HUMANO, não poderia deixar de me manifestar sobre a censura praticada pela prefeitura do Rio de Janeiro contra o quadrinho Vingadores – A cruzada das crianças (Marvel/Salvat) e, consequentemente, contra a Bienal do Livro que está acontecendo na cidade.

O caso teve início quando uma usuária do twitter postou sua indignação com um quadrinho que continha um beijo entre dois personagens homens e estava sendo vendido sem estar lacrado com identificação de conteúdo impróprio – pasmem com a audácia do/da brasileiro/a em pleno 2019 –, atitude recomendada APENAS para materiais que possuam conteúdo sexualmente explícito, o que NÃO É O CASO de um beijo. Atitude que, nas palavras da usuária, dificultava que os pais identificassem o conteúdo “pornográfico”. O caso ganhou repercussão na internet, vários usuários/as sugeriram boicote ao quadrinho e até mesmo processo contra a editora. O ápice aconteceu quando o prefeito do Rio de Janeiro determinou a censura ao quadrinho, exigindo que a Bienal do Livro retirasse a história de circulação ou passasse a vendê-la lacrada em um saco plástico preto e com aviso de conteúdo inapropriado e/ou pornográfico.

Ora, tudo isso por conta de um beijo entre dois homens? Uma demonstração de amor entre dois personagens realmente é um conteúdo que possa ser considerado pornográfico? A RESPOSTA É NÃO. Se a mesma cena de beijo fosse protagonizada por um homem e uma mulher a repercussão seria a mesma? Os/as usuários/as do twitter ameaçariam processar a editora? O prefeito estaria na noite de quinta-feira exigindo a censura de uma história em quadrinho? A RESPOSTA MAIS UMA VEZ É NÃO. O fato só ganhou tamanha notoriedade pois essa onda conservadora religiosa neopentecostal tem ganhado cada vez mais força em nosso país, atiçando sentimentos autoritários, legitimando violências contra a população LGBT+ e mascarando diversos outros problemas.

A exigência da venda de uma história em quadrinho lacrada em um saco plástico preto e com a etiqueta de conteúdo impróprio/pornográfico, além de violento, é simbólico. Nada mais é do que a expressão prática e visual de como essas pessoas desejam que a população LGBT+, seus amores e afetos sejam tratados: lacrados em um saco fúnebre, escondidos, invisibilizados, silenciados, retirados do convívio social e escondidos da juventude por falsos rótulos de inadequação e pornografia.

Somos um dos países que mais mata LGBT+ no mundo e um dos mais inseguros para essa população viver. Só em 2018 foram contabilizadas 420 mortes, sendo 76% homicídios e 24% suicídios, fora os diversos casos de violência não contabilizados ou não enquadrados em mortes provocadas em decorrência da orientação sexual ou da identidade de gênero.

Vocês podem argumentar que acontecem outras milhares de mortes ao ano no país e que ninguém está preocupado. Não estamos negando esse alto número de mortes, mas devemos notar que, diferentemente dos primeiros números apresentados, esses homicídios não ocorreram em decorrência da pessoa ser e/ou expressar quem ela é, mas sim devido a uma insegurança generalizada. No Brasil, mulheres, negros/as e LGBT+ são assassinados cotidianamente apenas pelo fato de serem mulheres, negros/as e LGBT+.

E o que está sendo feito para modificar essa realidade a acabar com a violência contra a população LGBT+? Absolutamente nada. As diversas falas do presidente da república, a perseguição de debates que envolvam discussões sobre homofobia, o recolhimento de material didático e a retirada do termo identidade de gênero do currículo escolar, realizadas respectivamente pelos governos de São Paulo e Santa Catarina em nada contribuem com a diminuição da violência. Pelo contrário, colaboram para o estímulo a partir da interdição de debates que poderiam ajudar as próximas gerações a não perpetuarem homofobia, transfobia e outros preconceitos relacionados à orientação sexual e identidade de gênero. Vivemos, da nossa própria triste e hipócrita maneira, uma tentativa de implantação de uma versão do Comics Code Authority ocorrido na década de 1950 nos Estados Unidos.

Além disso, todas essas demonstrações arbitrárias de censura, silenciamento e interdição de debates considerados mais progressistas não deixam de se apresentarem como um “gracioso aceno” as alas mais conservadoras do eleitorado bolsonarista. Estes prefeitos e governadores, dessa forma, passam a se apresentarem como possibilidades eleitorais para setores que a cada dia parecem estar mais decepcionados com a inépcia do atual presidente e sua equipe.

A censura feita pela prefeitura do Rio de Janeiro se soma a vários desses exemplos que poderíamos passar o dia listando. A afirmação que não houve censura em decorrência do quadrinho ter esgotado também não deve servir de desculpa. Esse fato só aconteceu porque parte da população se mobilizou e conseguiu comprar todas as edições antes de serem retiradas de circulação.

Foi uma tentativa de censura em decorrência de homofobia e que, mesmo sendo impedida pela atitude da população, continua acontecendo tendo em vista que fiscais da prefeitura continuam vasculhando, ensacando e/ou recolhendo materiais LGBT+ na Bienal do Rio de Janeiro.

Reverson Nascimento Paula -
Doutorando em História pela Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

 
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