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USP
A situação dos terceirizados na USP
Babi Dellatorre
Trabalhadora do Hospital Universitário da USP, representante dos trabalhadores no Conselho Universitário

Entrar na Universidade é a uma grande conquista para os jovens que estão começando a batalhar pelos seus sonhos. Ainda que, hoje este sonho de se realizar através de uma profissão e conquistar uma condição melhor de vida se confronte com a dura realidade do trabalho precário por aplicativos, telemarketing e o enorme desemprego que na juventude chega à quase 30%. Ainda assim, entrar na USP é vista como uma das melhores experiências na vida para quem passa no vestibular.

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Contudo, para a maioria das mulheres negras e dos negros que entram na USP, não pelo vestibular, mas pelos precários trabalhos terceirizados, a experiência na universidade é bem diferente.

Escondidos sob seus uniformes, os terceirizados devem realizar seu trabalho da maneira mais invisível possível segundo a vontade da reitoria e da maioria dos diretores das unidades. Nessa universidade de excelência, reduto da razão, já se viu as maiores desumanidades e irracionalidades que nos faria desconfiar em que séculos estamos.

Não foram raros os dias em que essas trabalhadoras comeram suas marmitas nos mesmos banheiros que limpavam. Não foram raras as vezes em que foram proibidas de falar com estudantes, com funcionários ou professores sob a ameaça de advertências ou demissão. Todas as unidades já viram abaixo-assinados percorrerem setores e departamentos contra a proibição de que as terceirizadas possam usar a mesma copa dos trabalhadores efetivos, que vez ou outra um diretor tenta impor com os mais injustificáveis argumentos.

A irracionalidade atinge um patamar tão aberrante que não há nada que possa explicar que trabalhadores terceirizados dentro de um bandejão, que ajudam a produzir a comida servida ali, não possam comer desta comida como fazem os trabalhadores efetivos, mesmo que todos os dias toneladas desse alimento seja descartado.

Às trabalhadoras e trabalhadores terceirizados também é proibido comer nos bandejões, mesmo que paguem. Nem nos bandejões terceirizados, nem no refeitório dentro do Hospital Universitário. Ou seja, é proibido estarem no mesmo ambiente que a reitoria oferece para alunos, funcionários e professores comerem.

A única razão que pode haver para a reitoria proibir que se alimentem, frequentem a mesma copa e refeitórios, proibir que falem com os demais integrantes da comunidade acadêmica é a intenção de demonstrar violentamente como são trabalhadoras de segundo nível, seres humanos de importância inferior.

A reitoria reproduz dentro da universidade as mesmas práticas dos governos neoliberais em relação à terceirização. Apoia-se numa estrutura patriarcal que identifica o trabalho de limpeza na universidade com o trabalho doméstico, realizado principalmente pelas mulheres e de forma gratuita em suas casas, e desqualifica sua importância social, impondo baixos salários e condições precárias. Também se apoia na herança de mais de 500 anos de escravidão, um dos pilares do capitalismo, naturalizando que os negros estejam nos piores postos de trabalho, mais pesados e precários.

As duas últimas gestões da reitoria (Zago e Vahan) anunciaram o objetivo de reduzir o número de trabalhadores e para isso demitiram mais de 3 mil. Um trabalhador médio da USP tem um piso salarial de R$4 mil, mais vale refeição e alimentação, enquadrando-se um pouco acima do mínimo previsto pelo Dieese (R$4.214,62) para manutenção de uma família de 4 pessoas. Os trabalhadores efetivos foram substituídos por um número menor de trabalhadores terceirizados ganhando um salário mínimo, que hoje representa R$998,00, mais vale transporte e uma cesta básica que serve de “recompensa” caso nunca se ausentem do trabalho (mesmo se precisarem levar seus filhos no médico). No bandejão central, a sala de louça foi terceirizada e hoje 7 trabalhadores fazem o serviço que antes era realizado por 14. É preciso lembrar que Zago, em 2014, anunciava seu ódio contra a organização sindical dos trabalhadores da USP que por anos impediu o avanço da terceirização e esteve ao lado da luta dos terceirizados toda vez que os salários atrasavam ou uma empresa decretava falência e sumia sem pagar nada, responsabilizando a USP pela vida desses trabalhadores uma vez que ela decidiu contratar essas empresas que têm como método o descompromisso com o direito democrático elementar ao salário numa sociedade onde para existir é preciso trabalhar.

Fica evidente que, além de anti-sindical, a orientação da reitoria reproduz e fortalece o machismo e o racismo em suas estruturas mais profundas da sociedade. E, portanto, medidas do seu escritório, USP Mulheres, como a de colar cartazes com dizeres sobre todas as coisas que podem as mulheres fazer não são um combate nem mesmo simbólico ao machismo. O que sim é bastante simbólico do distanciamento da reitoria da real condição de vida das mulheres, é a produção da professora Eva Blay, responsável pelo USP Mulheres, na qual inexistem as trabalhadoras terceirizadas que são a maioria dos 5 mil trabalhadores terceirizados dentro da universidade.

Um direito bastante simples que a reitoria nega a essas trabalhadoras é o uso gratuito dos Circulares com o Bilhete USP (BUSP). Em várias unidades elas iniciam os trabalhos as 5h30 ou terminam próximo das 23h. Grande parte delas mora na região e vão caminhando até suas unidades, nos períodos em que a USP está mais vazia. Em dezembro de 2017, esta situação piorou porque a reitoria decidiu que os portões de pedestres ficariam fechados até às 5h, fazendo com que tivessem que percorrer caminhos mais longos e sair mais cedo de casa.

Também não são vistas como funcionárias da universidade na hora de concorrer uma vaga na creche ou na escola de aplicação. O direito das trabalhadoras terceirizadas à amamentação de seus filhos, para a reitoria, vale menos que o direito das outras mulheres da universidade. Ainda que para a reitoria o direito das estudantes e trabalhadoras à creche, assim como das crianças à educação infantil, é um “penduricalho”, já que nos últimos anos fechou a creche Oeste, a creche do HU e reduziu as vagas.

Toda essa série de violências mais ou menos explícitas cria espaço para aberrações como a que fizeram estudantes da Poli ao deixar uma caixinha em uma sala para uma trabalhadora encontrar e achar que era um presente, mas em seu interior, tinha cocô. Não é possível compreender uma ação dessa distante a cada um de nós. Somos menos humanos quando um de nós faz isso. E é por isso que temos que nos rebelar com todo ódio à essa situação de miséria, humilhação e discriminação que se perpetua dentro da universidade.

É preciso uma ampla unidade e solidariedade entre estudantes, trabalhadores e professores para garantir iguais direitos e salários entre efetivos e terceirizados, entre negros e brancos, entre homens e mulheres! Efetivação dos terceirizados sem concurso público, pois já realizam o trabalho demonstrando total capacidade. Não vamos aceitar que nos dividam!

Veja documentário produzido por estudantes de Jornalismo sobre a luta das terceirizadas na USP

Entenda a luta pela efetivação dos terceirizados

Veja entrevista com Silvana Ramos, trabalhadora terceirizada, o juiz do trabalho Jorge Luiz Souto Maior e Diana Assunção

 
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