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Amores em Comum: O Caso Socialista do Poliamor
Redação

Neste artigo de opinião, Gracie Brett explica os links entre capitalismo e monogamia e também sua escolha pela poligamia.

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Autora: Gracie Brett
Tradução: Pammella Teixeira

Eu acabei de terminar o relacionamento de três anos com meu parceiro para buscar um estilo de vida poliamoroso.

Depois de muitos anos de relacionamentos monogâmicos (e, vergonhosamente, muita infidelidade) eu comecei a questionar o conceito e a ampla aceitação da monogamia. Eu não queria limitar meu amor a apenas uma pessoa – eu queria viver a experiência de dar e receber amor de várias pessoas. Eu questionei por que nós somos socialmente limitados a um parceiro, quando nós poderíamos provavelmente satisfazer uns aos outros sexual e emocionalmente, além de outros desejos, de forma mais abrangente como um projeto coletivo. Afinal de contas, um em cada cinco americanos admitiu ter traído seu parceiro, e isso engloba apenas aqueles que responderam à pesquisa e estavam dispostos a ser honestos sobre sua infidelidade.

Quando o senso comum ortodoxo parece disfuncional, geralmente é possível rastreá-lo de volta ao capitalismo. Assim, minha intuição socialista me disse que o modelo atual de amor monogâmico e romântico pode ser uma ferramenta da opressão capitalista. Eu comecei a investigar e, para minha surpresa, eu pude encontrar apenas alguns artigos sobre o amor romântico e o socialismo.

Como pode isso? Socialistas são movidos pela compaixão e amor pelos seres humanos (e outras espécies, devo acrescentar, considerando os ecossocialistas veganos). Embora a esquerda esteja constantemente debatendo e vislumbrando um futuro socialismo, ainda há uma chocante pendência na discussão sobre o amor. O capitalismo colonizou não apenas nossa cultura e mentes, como também nossos corações. Devemos abordar o que há de errado com o amor no capitalismo e como um futuro socialista iria revolucionar isso.

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O capitalismo aperfeiçoou um sistema eficiente de reprodução social. O modelo padrão para grande parte do Hemisfério Norte, e especialmente os Estados Unidos, é monogâmico, heterossexual e casado. O casamento então, normalmente gera duas ou três crianças: provendo um suprimento confiável de trabalhadores para o mercado de trabalho.

Muitas das origens desse moderno, familiar e romântico modelo remontam ao Movimento de Cercamento Britânico. Durante o Movimento de Cercamento no século XIV o capitalismo floresceu. Camponeses ingleses haviam trabalhado na terra e pastoreado animais em terrenos não cercados, compartilhados pela comunidade. Com o passar do tempo, a classe dominante começou a privatizar a terra para gerar lucro e um maior controle social.

Anteriormente, a terra era compartilhada pela comunidade para pastagem e cultivo; era incomum que os indivíduos tivessem grandes lotes de terra para sua própria exploração privada. A terra e seus recursos eram utilizados e cultivados coletivamente, ao invés de divididos para uso exclusivo. Isso levanta uma questão: havia anteriormente um “amor em comum”, onde as pessoas podiam se mover livremente entre parceiros para relações sexuais, intimidade e romance – ao invés de depender de um parceiro para satisfazer suas necessidades? Houve um movimento de cercamento não apenas da terra, mas também do amor, marcado pela privatização de pessoas?

A ciência sobre se os humanos são naturalmente monogâmicos ou poligâmicos não é definitiva. Nós sabemos que menos de 5% dos mamíferos são monogâmicos e que os humanos não compartilham muitos dos traços desses animais monogâmicos. Além disso, alguns afirmam que monogamia é simplesmente uma invenção ocidental ao resto do mundo através do colonialismo.

Sob o capitalismo, faz sentido que o amor seja possessivo, ciumento e exclusivo. Nossas vidas são atomizadas e individualizadas em praticamente todos os sentidos. Habitação? Todo mundo tem sua prórpia unidade. Transporte? As pessoas, em sua maioria, preferem os carros ao invés do transporte público. Lazer? Quintais privados bem cuidados ao invés de parques públicos. A criação dos filhos? Uma unidade de duas pessoas e algum apoio familiar ocasional e assistência infantil paga. Fomos socializados para viver individualmente, ao invés de comunitariamente. Um subproduto lógico dessa hegemonia; os amantes começam a ver as relações através das mesmas lentes. Por que compartilhar um parceiro romântico quando estamos condicionados a não compartilhar outras facetas da vida?

Eu penso que devemos criar um patrimônio comum de amores em nosso futuro socialista. Atualmente, um relacionamento “normal” implica em cerca o parceiro, insistindo que eles só podem amar uma pessoa de cada vez. Se o tal parceiro sequer começar a indicar que pode estar atraído por outra pessoa, isso geralmente leva a uma reação irracional, profundamente ciumenta. Aqueles que já estiveram envolvidos romanticamente antes já viram esse filme, seja sobre si mesmo ou sobre outros: uma troca de mensagens com um ou uma ex, uma troca de olhar longa demais com alguém em um bar, ou um cumprimento amigável demais pode rapidamente se transformar em insegurança visceral e raiva.

É intrigante que a sociedade continue escolhendo o modelo monogâmico apesar da quantidade de corações partidos que isso provoca. Muitos traem, se divorciam, ou levam vidas amorosas infelizes. Em vez de nos sufocar e restringir a um amante, podemos abraçar a natureza social da humanidade que anseia por conexão dentro de nossas comunidades.

Friedrich Engels observa os problemas deste paradigma romântico dominante em A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, “Monogamia era a primeira forma de família não fundada em bases naturais, mas econômicas, a saber: a vitória da propriedade privada sobre o coletivismos primitivo e natural.”
Não há necessiade de impor um estilo de vida poligâmico às pessoas que estão realmente felizes em relacionamentos monogâmicos. Mas, os amantes devem ser encorajados a analisar por quê eles querem que seus parceiros amem e satisfaçam apenas a eles. É por causa de um genuíno e orgânico desejo pela monogamia – ou é a internalização das normas sociais do capitalismo? Provavelmente, grande parte dos amantes são forçados ao estilo de vida monogâmico, que eles percebam isso ou não.

Uma sociedade socialista deveria ser diferente. Aqueles com múltiplos parceiros deviam ser aceitos e celebrados ao invés de envergonhados por isso. Famílias poderiam ser mais fluidas com uma variedade de pais e mães que criam os filhos de uma comunidade. O casamento poderia forcencer bases estáveis para as parcerias, mas o amor não estaria restrito a apenas essas duas pessoas. Ou, o casamento poderia ser totalmente abandonado. Independentemente das preferências de alguém pela monogamia ou o poliamor, pelos menos haveria uma cultura de disposição e abertura para mais pessoas compartilharem seu amor de uma forma que atualmente é envergonhada e oculta.

O capitalismo causou uma miríade de sofrimento em massa, como a distribuição desigual de riquezas e o caos climático. Talvez possamos adicionar desgostos amorosos a essa lista. Não há necessidade de esperar pela revolução socialista antes de abrir espaço para essas discussões e experiências. Socialistas deviam pensar mais profundamente sobre o amor – um componente fundamental e integral das nossas vidas – quando visualizam e defendem o socialismo. Como podemos esperar obter o amplo apoio necessário para o projeto socialista se falharmos em falar sobre uma das mais importantes facetas da vida humana?
É hora de acabar com o cercamento das paixões; nosso futuro socialista deveria ser de amor comunal.

Esse é um artigo de opinião. Artigos de opinião não necessariamente refletem as visões da equipe editorial da rede de diários da qual o Esquerda Diário faz parte. Se você quer publicar uma contribuição, entre em contato conosco.

 
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