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TENSÕES INTERNACIONAIS
Bolsonaro usa Petrobras para boicotar comércio com Irã a mando de Trump
Redação

A Petrobras se recusa a abastecer dois navios iranianos no Brasil. Eles estão parados há semanas em Paranaguá no Paraná. A empresa estatal está sendo usada por Bolsonaro e por parte do judiciário como peça de sua subordinação à política de Trump contra o país asiático. O caso ilustra vivamente as contradições internacionais e seus reflexos nacionais.

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Há quase dois meses dois navios iranianos estão parados em Paranaguá, principal porto da região sul do país. A Petrobras se recusa-se a abastecê-los, alegando que poderia sofrer consequências das sanções americanas, essa alegação é absurda, pois se trata de comércio de grãos e o embargo americano não toca em produtos alimentares.

Empresários e o judiciário paranaense entraram com ação para garantir o abastecimento. A PGR atuou junto com Bolsonaro para impedir. Um incidente, pequeno e não belicoso, mas que revela muito sobre os jogos geopolíticos internacionais e nacionais e o acelerar dos tempos em que vivemos onde cada vez mais disputas estão virando incidentes e escaramuças marítimas. O Brasil submisso aos EUA com Bolsonaro, mas peça crucial na alimentação de diversos países asiáticos entra como soldado no xadrez de Trump.

O caso MV Termeh e MV Bavand

Os dois navios ancorados em Paranaguá de nomes Termeh e Bavand realizam a rota comercial de trazer uréia (fertilizante) do Irã e importar milho. O Bavand já tem 48mil toneladas de milho à bordo e aguarda o óleo combustível para zarpar. Sua previsão de saída era no dia 8 de junho. O Termeh iria abastecer-se ali e depois rumar para Imbituba (SC) onde receberia o carregamento de milho, juntos transportariam carga de 100mil toneladas.

O Irã é o maior importador de milho do Brasil. Neste primeiro semestre importou 1,2milhão de toneladas, e estava previsto um total anual de cerca de 2,5 milhão de toneladas, ou 3,6% da produção total de 68,2 milhões de toneladas. O Brasil é parte relevante da alimentação do povoado país persa, que já sofre o embargo americano e tem restrições com a Argentina desde os anos 90. Com acesso restrito a esses outros gigantes da produção de grãos das Américas o país asiático pode sofrer importantes problemas para importar soja e milho. É esse sinal que os EUA desejaram passar a Teerã, e o Brasil foi o mensageiro, lhe custando centenas de milhões de reais em divisas.

Os tripulantes do navio, segundo matéria da Veja, estão embarcados há mais de 40 dias sem poder se movimentar pelo país e recebendo mantimentos de embarcações; outros navios iranianos estão desviando da rota envolvendo Paranaguá para não sofrer semelhante destino, como é o caso do Ganj e o Delruba que rumaram diretamente a Santa Catarina.

A diferença é que os navios Termeh e Bavand dependem de um tipo de óleo combustível (MF380) que é comercializado em Paranaguá e não esta disponível em Santa Catarina. A Petrobras recusa-se a oferecer, mesmo quando houve medida judicial obrigando-a fazê-lo.

Com toda cara de pau, de quem está sendo um peão subserviente das táticas de Trump, a empresa alega que haveria outras empresas a oferecer (o que não é verdade, só existe mais uma em todo território nacional e lá no Rio Grande Sul, a Refinaria de Petróleo Riograndense alega não ter nenhuma gota de MF380 em estoque), na dúvida a Petrobras fala que o Irã que traga seu óleo...lá do Irã.

Recentemente o Tribunal de Justiça do Paraná determinou o abastecimento dos navios pela Petrobras, atendendo clamores públicos de associações paranaenses de produtores de milho, como veiculou-se na mídia local, inclusive em jornal tão pró-americano e pró-lava jato como o curitibano Gazeta do Povo. A Petrobras recorreu ao Supremo para não cumprir a ordem do TJ-PR, o presidente Dias Toffoli determinou que não iria tomar nenhuma decisão antes de parecer da Procuradoria Geral da República. A PGR Raquel Dodge se manifestou no final da semana passado informando que era contrária ao abastecimento. Toffoli não decidiu nada desde esse parecer da PGR e os navios seguem parados.

Bolsonaro e judiciário como serviçais dos EUA e as contradições internas de sua geopolítica

O boicote da Petrobras ao abastecimento dos navios iranianos ilustra como a maior empresa do país está sendo usada para acelerar o alinhamento e subserviência aos Estados Unidos de Trump. A tentativa de nomear Eduardo Bolsonaro como embaixador em Washington também é inequívoco sinal desse alinhamento.
A ação da Petrobras sob comando de Bolsonaro e com aval do Judiciário, inclusive em alas não alinhadas com a Lava Jato, como Toffoli e Dodge, ilustram uma convergência em usar os instrumentos brasileiros para fortalecer a pressão americana contra o Irã.

Essa convergência, no entanto não esgota um problema de fundo para a burguesia nacional. O interesse estratégico da Lava Jato, de Bolsonaro, em submeter o país ao imperialismo americano é explicito. Esse desejo também percorre alas do centrão, e da antiga direita nacional, o Wikileaks, por exemplo ilustra com fartos cabos como Serra e Temer serviam a interesses americanos, e não somente o juiz treinado pelo Departamento de Estado, Sérgio Moro.

Essa convergência na submissão aos EUA, no entanto esbarra em outros interesses materiais, tal como expressos no acordo comercial EU-MERCOSUL e sobretudo nos numerosos interesses do agronegócio brasileiro envolvendo China, países arábes e Irã.

Esses interesses serviram para atenuar o discurso eleitoral de Bolsonaro perante a China, serviram para barrar a intenção de Bolsonaro de transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalem, mas não se expressaram (ainda?) em forma uníssona sobre o comércio com o Irã.

A Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho) declarou através de seu presidente: “Havia um trato de que alimentação básica não sofreria embargo. E o milho é um alimento básico. Estamos exportando 200 mil toneladas por mês e a nossa safrinha de milho este ano deve ser recorde. Vamos ser campeões de exportação, mas não é bom que surja uma exceção como nesse caso do Irã”. A Associação Nacional dos Exportadores de Cereais também criticou o acontecimento falando que o embargo americano não toca o milho: “"Qualquer sanção sobre comida está fora das restrições americanas". Outras patronais do campo, mais mais poderosas e alinhadas com Bolsonaro como a Aprosoja (que também representa interesses do milho de “safrinha”) e CNA não emitiram nenhum comunicado a respeito. Retratando essa divisão o judiciário paranaense tão pro-yankee quis abastecer os navios e alimentar os bolsos de seus exportadores, e foram Dodge e Toffoli que pararam essa ação.

Irã é importante fonte de divisas no agronegócio brasileiro

Apesar do Irã não ser um dos maiores parceiros comerciais do país, o 21º maior destino de nossas exportações, quase 100% da pauta de exportações a aquele país é do agronegócio com 36% representado pelo milho, 46% por soja, 12% por carnes, 5% por açúcar.

O Irã é o maior importador de milho do país, um dos maiores destinos de carnes, e é um dos países com o qual o Brasil tem maiores superávits comerciais em todo mundo. Em 2018, segundo dados do MDIC, exportou US$2,2bi e importou meros U$39,9 milhões, gerando um superávit de U$2,216 bilhões que representou 3,8% de todo superávit com o mundo.

Nesse tipo de ação a mando dos EUA fica evidente que quem paga a conta é o povo do Irã, dependente da compra de cereais brasileiros dado o embargo americano e restrições argentinas desde os anos 90, mas também a economia brasileira. O prejuízo é dos povos envolvidos, o lucro e o ganho geopolítico é yankee.

Crescentes disputas geopolíticas e seus atritos marítimos

O não abastecimento dos navios Termeh e Bavand é meramente o episódio brasileiro de crescentes escaramuças militares e marítimas. Ele ocorre em meio a continuada Guerra Comercial EUA X China, em meio ao sequestro britânico de navio iraniano em Gilbratar (enclave colonial no estreito entre a África e a Europa), coincide temporalmente com a retaliação iraniana tomando o navio petroleiro britânico Stena Impero, e ainda a escalada de tensões militares no estreito de Ormuz.

Nesse estreito, por onde passa boa parte do petróleo do mundo aceleram-se as tensões. O Irã abateu drone americano há poucas semanas e, em retaliação, Trump afirmou que parou um bombardeio ao Irã quando os aviões já estavam a caminho. Os EUA acusam ter derrubado um drone iraniano, que nega que isso tenha ocorrido. Ocorreram incidentes com petroleiros japoneses que os EUA acusaram o Irã, e ainda houve um sequestro de navio iraniano por seu vizinho e arquirrival, a Arábia Saudita. Na guerra civil do Iêmen, a Arábia Saudita e o Irã encontram-se em lados enfrentados, dois regimes sanguinários batalham por seus interesses através de sangue de outras nações e, mesmo nos sultanatos pérsicos, como no Qatar, há imensa tensão entre os interesses iranianos e sauditas.

Essa breve contextualização internacional do pano de fundo ao boicote de Bolsonaro ao comércio com o Irã marca como vivemos um período onde os interesses estratégicos de potências como os EUA, que vivem uma retomada de um nacionalismo econômico (para além de Trump) começam a se tornar um fator mundial de instabilidade. A ascensão de Bolsonaro ao poder, facilitada pelo judiciário com apoio militar, também marca uma continuidade do golpismo no Brasil e suas medidas para avançar ataques aos direitos trabalhistas e previdenciários, mas seu governo também visa aumentar a submissão do Brasil aos imperialismos, e ao americano em particular. A instabilidade crescente da geopolítica extravasa as milhares de milhas náuticas que separam Ormuz e Paranaguá. As lições para a luta anti-imperialista também precisam reverberar aqui como lá.

 
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