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CONUNE 2019
Conune 2019: Diante dos ataques de Bolsonaro, por qual projeto de educação devemos lutar?
Isa Santos
Assistente social e residente no Hospital Universitário Pedro Ernesto/UERJ
Maré
Professora designada na rede estadual de MG

Bolsonaro sabe da força da juventude que está nas universidades brasileiras e do papel fundamental que cumpriu a vanguarda dos estudantes em momentos históricos no Brasil e no mundo. Então, por qual projeto de educação devemos lutar?

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O projeto do governo Bolsonaro para educação evidencia o quanto seus ataques estão à serviço de precarizar a vida da juventude de conjunto e manter os interesses imperialistas e o lucro dos capitalistas. Neste sentido, o governo Bolsonaro avança com um conjunto de ataques contra a classe trabalhadora e a juventude, tendo como carro chefe a reforma da Previdência, que se aprovada, permitirá uma ofensiva ainda mais brutal contra os direitos e as condições de vida. Bolsonaro levantou durante toda sua campanha eleitoral uma política contra as universidades públicas, classificando-as como “antros de comunistas”. Por um lado, Bolsonaro sabe da força da juventude que está nas universidades brasileiras e do papel fundamental que cumpriu a vanguarda dos estudantes em momentos históricos no Brasil e no mundo.

Elegendo como alvo os cursos de humanas, o governo Bolsonaro, via seu ministro da Educação Abraham Weintraub, anunciou os cortes de 30% na educação que afetariam diferentes níveis do ensino público, diferente da demagogia que trabalharam em suas redes sociais os cortes afetariam frontalmente o ensino básico: verbas para a manutenção, reforma e mobiliário das unidades escolares de escolas do ensino básico, foram congelados R$ 273,3 milhões, cerca de 30% do total destinado. Ao anunciar os cortes, dezenas de universidades declararam que teriam que fechar as portas caso o corte fosse implementado.

O foco principal do governo Bolsonaro eram as ciências humanas, o que declarou em sua conta no Twitter, que o investimento deveria ser nas áreas que podem “produzir retorno”, como a Medicina Veterinária, o que é coerente com seu projeto de governo extremamente pró agronegócio. Com Tereza Cristina na pasta da Agricultura e fechando um acordo com a União Europeia, Bolsonaro irá alavancar o agronegócio no Brasil legalizando centenas de agrotóxicos e ampliando a exploração dos latifundiários sobre os trabalhadores. É evidente que, neste sentido, Bolsonaro queira formar um exército de profissionais que possam atuar na Bancada do Boi em que ele se apoia.

Com uma concepção de universidade voltada completamente para o lucro dos grandes empresários e de apoio unilateral aos cursos que historicamente são mais elitizados, Bolsonaro sabe que são nos cursos de humanas que encontram seus grandes “inimigos”: aqueles que podem construir um pensamento crítico desde a universidade até as escolas, denunciando com força seu projeto neoliberal e reacionário. Seu projeto de ataque ao livre pensamento no espaço escolar não é uma novidade, uma vez que usou como marketing o projeto “Escola Sem Partido”, que na prática significa impedir discussões de gênero, sexualidade, racismo e tantas outras opressões, bem como de concepções que pudessem fazer questionar seu governo, o regime e o Estado. O que ele frequentemente chama de “doutrinação marxista” ou “viés ideológico”, se materializa na crescente curiosidade dos jovens sobre o socialismo e questionamentos sobre a situação política que atravessa não só o Brasil, mas o mundo como um todo.

Veja também: A crise e o desemprego que dizimam nossa juventude e quem pagará pela crise: eles ou nós?

O conteúdo político-ideológico dos ataques à educação do governo Bolsonaro, fica mais evidente no caso da CPI das Estaduais, que usando a máscara do “combate à corrupção”, quer avançar contra as três universidades estaduais paulistas (USP, Unesp e Unicamp) para implementar uma “limpeza” ideológica, atacando a autonomia universitária e a liberdade de pensamento. Seu objetivo fica claro através das palavras do próprio autor da proposta da CPI, Wellington Moura (PRB), que afirmou que principal objetivo da investigação é atacar o “aparelhamento de esquerda” nas universidades. Sua base aliada, caminha lado a lado com essa política de ataque às universidades sob o que eles chamam de “doutrinação marxista”, como por exemplo uma das deputadas mais votadas do estado de São Paulo, Janaína Paschoal, que propôs um projeto de lei para proibir sob pena de multas exorbitantes a venda ou distribuição de álcool nas universidades. Aumentar o policiamento, cercear o direito à organização estudantil e impedir o livre pensamento na universidade são ataques político-ideológicos de Bolsonaro e sua base aliada para atacar o setor com força historicamente conhecida e permitir que o conjunto de ataques para aumentar a exploração e garantir o lucro dos patrões sejam aplicados.

Assim, defensor do ensino doméstico, a política para educação de Bolsonaro é frontal: criar uma massa de jovens sem senso crítico, formados sob uma lógica tecnicista para jogá-los no mercado de trabalho em empregos precários. É nessa perspectiva que se coloca da vez mais urgente que a juventude, que se mostrou como a linha de frente nos dias 15M e 30M contra os cortes e em defesa da educação, possa se aliar os trabalhadores, sem separar os ataques de Bolsonaro em nenhuma instância. O que o governo Bolsonaro impõe à juventude é trabalhar até morrer, em condições precárias, avançando com a aplicação da reforma trabalhista, e sem direito à educação pública e de qualidade.

Qual o projeto de universidade que queremos?

Tendo em vista o projeto de educação de Bolsonaro, é necessário, para além de colocar a força da juventude nas ruas, refletir sobre qual o projeto de educação que queremos. As universidades não são ferramentas alheias aos interesses de uma sociedade de classe: sua origem está profundamente ligada ao fato de que a burguesia, para avançar na tecnologia dos meios de produção e forjar uma camada de ideólogos para a classe dominantes, necessitava criar seus próprios cientistas e intelectuais. Assim, as universidades, assim como nada que existe, foge do caráter de classe e, sendo assim, é um espaço de extrema relevância para a disputa política-ideológica.

No Brasil, o crescimento das universidades foi lento e tardio comparado aos países imperialistas. A crise das universidades no Brasil possui duas características principais: do ponto de vista burguês, a necessidade de formação de mão de obra qualificada e produção de ciência e tecnologia, consumindo o mínimo dos recursos do Estado. Do ponto de vista da população, o anseio pela democratização do acesso ao ensino superior.

Em um primeiro momento, as universidades expandirem para atender as necessidades do “milagre econômico” em plena Ditadura Militar, a partir de uma reforma em 1968 e já num marco de crise internacional das universidades. Após o a redemocratização pactuada, FHC em seu governo focou em universidades privadas seguindo à risca as orientações neoliberais do Banco Mundial.

Os governos Lula, muito longe de tentar responder ou solucionar tais contradições gritantes das universidades brasileiras Lula, se apoiou nelas próprias para fomentar os grandes monopólios da educação privada. Com programas que alcançassem um maior setor da população para o ingresso nas universidades públicas, ao mesmo tempo que enriqueceu mais do que nunca as gigantes da educação, como Kroton.

É preciso ressaltar que, mesmo essas políticas de conciliação que permitiu uma sensação de mudança de vida das camadas mais pobres de trabalhadores, se deu em meio à um contexto de boom econômico na América Latina como um todo, relacionado diretamente a crise de 2008 que havia estourado nos países imperialistas. Assim, com o boom das commodities, Lula foi capaz de garantir que os bancos, monopólios da educação e saúde lucrassem como nunca, enquanto dava à juventude concessões precárias resultantes desses acordos, que acabaram se comprovando insustentáveis justamente porque se apoiavam numa bonança econômica momentânea.

Uma das formas de garantir a maior ingresso da juventude nas universidades foi o REUNI, ProUni e o Fies. O REUNI foi o programa que promoveu a expansão das universidades federais, entretanto, a expansão de vagas nas universidades se deu sem verbas para infraestrutura, professores, bibliotecas e permanência estudantil. Muitas universidades federais não suportavam a demanda de alunos. Essa situação estourou em 2012, com um processo de greves estudantis massivo em todo país, o maior observado nas últimas décadas contra as condições precárias nas universidades. O ProUni e o FIES eram programas direcionados para garantir que o crescimento dos monopólios da educação: concedendo vagas a partir do ProUni em troca de isenções milionárias, ou financiamento de estudo, a partir do FIES, projeto iniciado por FHC e aprofundado por Lula, que endividou brutalmente a juventude. Dados de O FIES, mostram que a dívida dos alunos com o FIES chegou à R$10 bilhões, um total de 450 mil jovens que mesmo renegociando as dívidas não conseguem pagá-las.

Por outro lado, anos de políticas neoliberais em prol das universidades privadas e do endosso de grandes monopólios, as estatísticas mostram que a porcentagem de população com diploma ainda é muito baixa: dados do IBGE de 2018 mostraram que apenas 8,31% dos brasileiros possuíam o superior completo. Em contrapartida, a Kroton-Anhanguera, que é a maior empresa no ramo da educação no Brasil, que em 2018 conseguiu fechar a compra da Somos Educação (Anglo, Ática, Saraiva e Scipione), passando à uma receita líquida de R$ 1,837 bilhão. Assim, é pautada nessa lógica mercadológica que funciona, não apenas as universidades privadas, como também as públicas, que possuem convênios com centenas de empresas privadas para o desenvolvimento de pesquisas para os seus lucros. Em uma busca na página de transparência do site da USP [2], é possível identificar que, somente na Escola Politécnica, a Vale investiu absurdos 50 milhões de reais em convênios para a realização de pesquisas, projetos, ações, que logicamente têm a finalidade de aperfeiçoar os métodos de produção, transporte, manutenção e todos os estágios da fabricação da empresa. A mesma Vale responsável pelos crimes de Mariana e Brumadinho.

Assim, a universidade deve em primeiro lugar estar à serviço dos trabalhadores e da população. Toda a gama infinita de conhecimento produzido nas universidades deve ser massificado e utilizado para o conjunto da sociedade, bem como que as pesquisas que sejam realizadas não estejam voltadas aos lucros de grandes empresas e sim às necessidades dos trabalhadores e da população. Uma universidade que tenha os filhos da classe trabalhadora e que produza à serviço desta classe.

Por outro lado, a UNE, entidade máxima de representação estudantil, é dirigida há décadas pela UJS (PCdoB) e PT não cumpre o papel de mobilizar os estudantes contra os ataques à educação, e ao contrário disso, atua como um verdadeiro freio da vanguarda estudantil. Sua atuação enclausura a força dos estudantes que atuaram historicamente como linha de frente dos principais processos da luta de classes no Brasil. Com uma política divisionista, a UNE não batalhou para unificar as lutas contra a reforma da previdência e os ataques da educação, como se ambos não fizessem parte de um conjunto de ataques para aumentar a exploração e as condições de miséria da juventude. Durante décadas, tampouco se propôs a enfrentar a concepção petista de “soberania” através da ciência, que na prática se materializou em impulsionar os grandes monopólios da educação e no endividamento da juventude através dos programas de financiamento e bolsas parciais.

A oposição de esquerda, por outro lado, ainda que no discurso se proponha a enfrentar a majoritária, na prática acaba atuando de forma conivente com suas traições. Sem denunciar a política divisionista e levar a cabo a unificação das pautas de trabalhadores e estudantes, atua de forma condescendente com a majoritária e ignora tamanha traição contra a vanguarda estudantil. É necessário que a oposição enfrente as políticas e manobras da burocracia estudantil, construindo um polo anti-burocrático na UNE, que não mire apenas cargos, mas que seja capaz de ser o motor que pode atravessar o cerco do PCdoB e do PT.

Agora, diante do governo Bolsonaro, onde avança a espoliação imperialista, o projeto de governo Bolsonaro mira fortalecer cursos de graduação, pesquisa e poucas universidades de excelência para produzir menos mão de obra qualificada, para avançar na precarização do trabalho e direcionar, mais do que nunca, a educação para cumprir os interesses da burguesia, aprofundando ainda mais a dependência da ciência pelo capital estrangeiro. Diante deste cenário, qual o projeto de educação e as batalhas que a vanguarda dos estudantes que será capaz de responder o problema de fundo?

A universidade que queremos é a universidade à serviço dos trabalhadores, da juventude e de todos os setores oprimidos

Sendo a universidade um polo fundamental pra a construção do conhecimento, da tecnologia e do pensamento crítico e por entendermos seu profundo caráter de classe, bem como sua composição elitista e racista, defendemos incondicionalmente as cotas raciais em todas as universidades. Sendo a população negra a ampla maioria dos brasileiros, sendo praticamente [56% de toda população -> https://g1.globo.com/economia/noticia/populacao-que-se-declara-preta-cresce-149-no-brasil-em-4-anos-aponta-ibge.ghtml, é inaceitável que apenas 12,8% dos alunos nas universidades sejam negros. As cotas raciais são uma conquista fundamental da luta do povo negro pelo direito de estudar e hoje, sob o governo Bolsonaro, sofrem uma ofensiva brutal. No Rio de Janeiro, Rodrigo Amorim (PSL) quer acabar com as cotas raciais em um dos Estados mais negros do Brasil. Assim, a defesa das cotas raciais neste cenário de avanço da extrema direita, bem como do caráter racista e excludente das universidades, deve ser a pauta que esteja na linha de frente do Movimento Estudantil que luta verdadeiramente pela educação.

Além disso, o vestibular é um filtro social que deixa de fora das universidades milhares de alunos todos os anos: o ENEM em 2018, abriu 239.601 vagas e um total de 6,7 milhões inscritos. Em 2017, 70% dos estudantes que finalizaram o ensino médio não ingressaram na universidade por falta de dinheiro e 23% não fizeram faculdade por não terem passado em uma instituição pública. Assim, lutamos pelo fim do vestibular, por entender que é uma ferramenta de exclusão, que impede que a juventude possa entrar nas universidades, em especial a juventude negra e pobre. Junto a isso, lutamos também pela estatização das universidades privadas, retirando das mãos dos capitalistas os grandes monopólios e colocando à serviço da juventude que fica de fora das universidades e o perdão imediato das dívidas estudantis do FIES.

Para que possamos garantir universidade para todos, acabando com o vestibular e ampliando as cotas raciais, é imprescindível lutar pela revogação imediata de todos os cortes da educação, bem como pelo não pagamento da dívida pública e o aumento do repasse de verbas à educação. A dívida pública é a principal ferramenta pela qual o capital financeiro extorque e rouba todos os recursos e riquezas do país. Negociada por um grupo seleto de bancos, a dívida pública aumenta exponencialmente todos os anos através do pagamento de seus juros, negociado por este mesmo grupo de bancos. Assim, esta dívida não tem parte alguma que seja pagável: é totalmente ilegítima, ilegal e fraudulenta. Assim, o não pagamento da dívida é fundamental para uma educação pública que do ensino básico ao superior possa integrar o conhecimento técnico e científico, combatendo a lógica capitalista que separa o trabalho manual do intelectual.

 
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