www.esquerdadiario.com.br / Veja online / Newsletter
Esquerda Diário
Esquerda Diário
http://issuu.com/vanessa.vlmre/docs/edimpresso_4a500e2d212a56
Twitter Faceboock
ESTADOS UNIDOS
O socialismo de Bernie Sanders não vai além de um capitalismo adocicado
Juan Cruz Ferre
Left Voice, EUA

Bernie Sanders se comparou a Franklin Delano Roosevelt e prometeu retomar "as questões pendentes" do New Deal. Seu discurso foi um chamado à unidade nacional contra o fascismo. No entanto, sua descrição do "socialismo democrático" se assemelha a de qualquer estado de bem-estar europeu.

Ver online

De todos os candidatos à presidência dos EUA, Bernie Sanders é o mais progressista. Sua plataforma se destaca por ser um conjunto de medidas favoráveis aos trabalhadores, como a exigência do "Medicare for all" (sistema de saúde público universal), o salário mínimo de US $ 15 por hora e um sistema universitário gratuito e público. Ele também é o único candidato que se apresenta como um socialista (democrático), e ele é frequentemente creditado por ter reintroduzido o termo "socialista" na cena política americana. É por essa razão que houve muita expectativa nos dias que antecederam seu discurso na última quarta-feira, quando apresentou sua visão do socialismo democrático.

Sem dúvida, referindo-se a si mesmo como "socialista" e sendo um dos competidores para a candidatura presidencial pelo Partido Democrata, contribuiu para remover o estigma do termo, após décadas de perseguição, macarthismo e propaganda anti-comunista. Seu discurso pode ser interpretado como outro esforço nesse sentido. No entanto, quem teve a esperança de ouvir um discurso contra a exploração capitalista, ou uma denúncia do sistema capitalista de conjunto, definitivamente se decepcionou. De fato, não havia uma única crítica do capitalismo como um sistema econômico. Nas poucas vezes em que Sanders pronunciou a palavra "capitalista", fez sempre com muito cuidado de acompanhá-lo com o adjetivo "irrestrito". Não havia nenhuma referência ao velho socialista Eugene V. Debs, que na verdade parece ter sido substituído pelas 14 menções que fez de Franklin Delano Roosevelt (FDR), intencionalmente e cuidadosamente vinculando sua visão do socialismo democrático ao New Deal.

Globalmente, seu discurso foi um chamado à unidade nacional. O principal mal do nosso tempo, segundo Sanders, é a "oligarquia e autoritarismo", um ponto que ele enfatizou várias vezes: Vladimir Putin, Xi Jinping, Mohammed Bin Salman, Rodrigo Duterte, Jair Bolsonaro e Victor Orban. Para Sanders, todas essas figuras, junto com Trump, pertencem a essa categoria de oligarcas, que não seriam muito diferentes do fascismo do século XX. Portanto, a tarefa de primeira ordem é enfrentá-los unidos como nação "independente de raça, religião, orientação sexual ou país de origem". Essa unidade é, disse ele, "uma ideia fundamentalmente americana".

As críticas incisivas a Wall Street, companhias de seguros, indústria de combustíveis fósseis e complexos industriais militares e carcerários foram acompanhadas por uma promessa de proteger os direitos políticos, civis e econômicos. Depois, ele definiu sua tarefa programática de "retomar as questões pendentes do New Deal e completá-las". Isso incluiria saúde pública de qualidade e gratuita, o direito ao "bom trabalho com um salário mínimo de vida", moradia acessível, aposentadoria segura e um meio ambiente limpo.

Ele descreveu o New Deal como "uma economia que serviu a todos, e não apenas a alguns", sem qualquer menção ao fato de que as duas principais leis que concedem direitos à classe trabalhadora (a Lei Wagner e a Lei da Previdência Social) excluem aos trabalhadores rurais e domésticos, as duas ocupações onde os afro americanos do sul se encontravam amplamente sobre-representados.

E o que ele disse sobre o socialismo democrático? Em duas ocasiões, Sanders descreveu sua visão do conceito. Primeiro, depois de denunciar as políticas nefastas de Trump contra migrantes, direitos reprodutivos e sexuais, a comunidade LGBTQ +, etc. Antes disso, ele chamou a rejeitar o "caminho do ódio e do divisionismo" e eleger "um caminho de compaixão, justiça e amor. Esse é o caminho para o qual eu chamo de socialismo democrático ". Seria difícil encontrar uma definição mais vaga.

Então, ele igualou o socialismo democrático aos direitos econômicos básicos: "o direito à saúde de qualidade, [...] educação, o direito a um bom emprego com um salário mínimo vital, o direito à moradia acessível, a aposentadoria segura e um ambiente limpo". Tudo isso é essencial e compõe um programa progressivo e moderado. Mas não importa de onde você olhe, essa soma de demandas não é equivalente ao socialismo. Neste ponto, o termo "socialismo democrático", que sabia ser muito perturbador na política americana, foi reduzido a descrever qualquer estado de bem-estar europeu.

Isso, no entanto, não é um erro. Sanders, que sofreu uma queda nas pesquisas, entende que precisa suavizar os aspectos mais radicais de seu discurso para aumentar sua "elegibilidade". Ele apontou que FDR foi acusado de ser um socialista, que o Medicare foi chamado de "um programa socialista" e que até mesmo o plano de saúde de Bill Clinton foi denegrido como socialista. Ele então citou o ex-presidente Harry Truman, dizendo que "o socialismo é o epíteto que foi lançado antes de cada avanço que fizemos nos últimos vinte anos". A base de tudo isso é clara: não tema meu rótulo socialista, sou como todos eles.

Mais tarde, ele lembrou a sua audiência que FDR enfrentou a oposição do grande capital, Wall Street, o Partido Republicano e a ala conservadora do Partido Democrata - como ele faz hoje. Essa semelhança foi mencionada ou implicada repetidamente no seu discurso.

Mas se esse argumento retórico fosse suficiente para apagar todo o corte anticapitalista que muitos vêem em suas políticas, o seguinte foi o golpe de misericórdia. No final de seu discurso, ele declarou surpreendentemente que Trump e seus "companheiros oligarcas [...] não se opõem realmente a todos os tipos de socialismo", eles amam o socialismo corporativo. "

Se o oximoro "socialismo corporativo" confunde você, não é sua culpa.

Então ele passou a descrever a crise financeira de 2008, "Em Wall Street eles se tornaram socialistas em favor do grande governo e eles rezaram para o maior resgate econômico da história norteamericana". Acrescentou que tanto a "Big Pharma" (indústria farmacêutica), a indústria de combustíveis fósseis, a Amazon e os Waltons (Walmart), se beneficiaram com cortes de impostos e subsídios governamentais. "E essa é a diferença entre Donald Trump e eu. Ele acredita no socialismo para os ricos e poderosos. Eu acredito em um socialismo democrático que sirva para as famílias trabalhadoras deste país ".

Essa manobra retórica é clara: engenhosamente, mas necessariamente iguala a palavra socialista a qualquer política de estado. Alimentando um equívoco entre os americanos (uma idéia que consiste em chamar qualquer serviço público de "socialista"), Bernie Sanders, em seu discurso transmitido nacionalmente, arrancou todo o significado da palavra socialismo.

Na verdade, sua plataforma continua sendo a mais progressista de todos os atuais candidatos à presidência nesse sistema incrivelmente antidemocrático. E suas propostas centrais estão longe de serem pequenos ajustes que podem ser descartados. No entanto, nós somos aqueles que entendem que pôr fim ao capitalismo é a única maneira de eliminar os males da nossa sociedade: a pobreza, desemprego, segregação racial, dominação imperialista, opressão de gênero e muito mais. Nos últimos dez a quinze anos, o número de pessoas que rejeitam o capitalismo em favor do socialismo (mais além do que entendem por isso) aumentou dramaticamente. Vários milhares deles vão acompanhar Bernie Sanders e perceberão que ele não pode fornecer nenhuma solução - apenas reformas parciais - porque não propõe nenhuma alternativa ao capitalismo. Esse processo histórico é inevitável e não pode ser ignorado. A tragédia é, no entanto, que a maior organização socialista dos EUA - A DSA (Democratic Socialists of America) - aquela que deveria estar à frente na imensa tarefa de agitar ideias socialistas, construir uma força anticapitalista e delinear uma estratégia para destruir o capitalismo, é o vagão de Bernie Sanders. Não apenas a DSA não aponta que o que Sanders oferece não é o socialismo, a organização está se preparando para colocar as mãos no fogo pela campanha de Sanders em 2020, dedicando mais recursos a isso do que a qualquer atividade política.

Bernie Sanders deixou claro que está disposto a continuar a tarefa iniciada por FDR e que o fará dentro do Partido Democrata. "É a questão pendente do Partido Democrata e a visão que juntos devemos alcançar." Enquanto a DSA ostenta sua flexibilidade diante das eleições, ela está indo direto para o Partido Democrata nas mãos de Sanders (e Alexandria Ocasio-Cortez). O discurso que Sanders fez é um sinal claro, para aqueles que querem ouvir, que prioriza sua viabilidade eleitoral ao invés de uma política radical, da mesma forma que prioriza a integridade do Partido Democrata antes das tarefas de romper com o grande capital. Eleja o que vê como politicamente viável antes do que as maiorias necessitam: uma luta constante contra o capitalismo.

Precisamos ser claros sobre nossa concepção de uma sociedade socialista, sem exploração e opressão. Isso requer a socialização dos recursos que hoje são monopolizados pela classe capitalista, colocando todas as forças produtivas a serviço do bem comum e não para satisfazer a ganância de um punhado de pessoas. As mudanças climáticas, as crescentes desigualdades econômicas e a ascensão global da extrema-direita exigem ações ousadas e uma definição clara de nossos objetivos. Ser intransigente é um começo.

 
Izquierda Diario
Redes sociais
/ esquerdadiario
@EsquerdaDiario
[email protected]
www.esquerdadiario.com.br / Avisos e notícias em seu e-mail clique aqui