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DIREITO MATERNO
A escolha sobre o parto não vem da PL que assegura direito à cesárea
Rafaella Lafraia
São Paulo

Utilizando-se de um discurso demagogo, de garantia de direito a autonomia da decisão feminina sobre seu parto, o projeto de lei N°435 de Janaína Pascoal (PSL-SP), que está colocado para tramitação em caráter de urgência na ALESP, tenta mascarar o sucateamento e precarização do SUS, abre, ainda mais portas para mercantilização da saúde e renega o direito de escolha consciente da mulher em seu plano de parto.

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Será colocado para votação na Assembleia legislativa, em regime de urgência, o projeto de lei Nº 435, de 2019, da deputada Janaína Paschoal (PSL – SP), o qual garante à gestante a possibilidade de optar pelo parto cesariano, a partir da trigésima nona semana de gestação, bem como a analgesia, mesmo quando escolhido o parto normal.

A forma de diálogo utilizada tenta induzir que o projeto de lei (PL) assegura a autonomia as mulheres, principalmente das mulheres pobres e negras, contra a violência obstétrica em hospitais públicos com a imposição a realização de partos normais/naturais. A relatora coloca, inúmeras vezes, no decorrer da PL que a obrigatoriedade do parto normal/natural e as condições para o qual seja realizado na rede pública se enquadra como caso de violência obstétrica e se baseia no relatório mundial sobre violência e saúde, de 2002, da Organização Mundial da Saúde (OMS) para colocar a definição de violência, além de colocar os formadores de opinião que defendem a supremacia do parto normal à cesárea retiram o direito de escolha da mulher sobre seu parto, sendo que a submissão a essas formas de parto (normal/natural) trariam muito mais riscos de danos à saúde e risco de mortalidade materno infantil.

Janaína coloca no texto de justificativa do PL que o intuito do mesmo é de “preserva a vida, a saúde e a dignidade humana, importantíssimos direitos fundamentais. ”, mas sabemos que na realidade este PL não tem nada a ver com esses preceitos, pois se realmente assim os tivesse não teria este viés ideológico que, na realidade é mais uma forma de embasar a indução da cesárea de forma transvestida de garantia de direito de escolha materna na hora do parto.

Não há como negar a questão da violência obstétrica, sendo isso sim um caso de saúde pública preocupante, no qual principalmente as mulheres pobres e negras são a sua maioria. Na rede pública a questão não é só ideológica, como a deputada coloca, para que estes casos de violência ocorram. Obviamente não se nega o machismo institucional nos procedimentos médicos, principalmente nas condutas médicas na área de ginecologia e obstetrícia, onde se escuta inúmeros relatos de agressões verbais como: “Na hora que fez tava bom”, dentre outras pérolas, ou de casos físicos como pressão, empurrão, cortes. O que vale colocar é que este machismo institucional é, por assim dizer, garantido, justamente pelas condições precárias decorrente do sucateamento da saúde. Indo mais a fundo: por falta de condições de atendimento muitos dos usuários ficam em espera, como é o caso das parturientes e neste processo e pela sobrecarga de trabalho dos profissionais da saúde (não excluindo o machismo aqui) são feitos procedimentos agressivos para acelerar o processo e aqui está a questão, pois é justamente por não haver condições nos locais públicos que o tempo é um dos condicionantes de base que acabam levando a que a maioria dos partos acabem sendo feitos como cesárea. É por estas condições, dentre outras não levantadas, que o procedimento (cirúrgico) da cesárea é o escolhido colocando o Brasil como o 2º país com maior taxa de cesáreas no mundo. Até mesmo o senado coloca em sua página que o Brasil passa por uma epidemia de cesárias e sim isso é uma questão de saúde pública. Contrapondo as justificativas apresentadas pela deputada Janaina a OMS coloca em sua declaração sobre as taxas de cesáreas que esse procedimento é sim uma intervenção efetiva para salvar a vida de mães e bebês, porém apenas quando indicada por motivos médicos, já que é um procedimento cirúrgico e que, portanto, tem sim riscos associados e que taxas de cesárea maiores que 10% não estão associadas com redução de mortalidade materna e neonatal. Vale ressaltar que o Brasil apresenta uma taxa de 55,5% de realizações de partos cirúrgicos (cesárea). Usando das próprias referências científicas que a relatora do PL coloca que desfechos benéficos materno-infantis em mulheres que tiveram o 1º parto vaginal comparado com aquelas que optaram pela cesárea são similares. Na outra referência foi constatado que a taxa de até 19% de cesárea está associada com baixa mortalidade materna e neonatal, mas que se recomenda que as taxas deste tipo de parto devam ser baixas, como conclusão do trabalho científico.

A autora coloca que “o número de mortes maternas, aquelas dadas no parto, pré-parto e pós-natal é alarmante. ” para servir de base para tal afirmação usa dados oficiais do banco de dados do SUS, mas não deixa claro que estes dados são retirados de uma base específica que é voltada para os estudos epidemiológicos que envolve HIV/AIDS. E mesmo considerando os dados específicos – que não deveriam ser omitidos pois faz diferença – é que a maioria destes casos de morte materno-infantil na realidade está associada ao sucateamento do SUS (falta de condições estruturais e profissional) e de questões socioeconômicas dos usuários. Assim, a resposta não é garantir o direito a cesárea, pois esse tipo de parto é, na realidade, o imposto pelas condições estruturais hospitalares no serviço público e, também, pela pressão ideológica do receio ou enganação de que a mulher não pode ou não aguentaria a dor de um parto fisiológico. Para que realmente haja a garantia do direito materno de decisão sobre seu parto são necessárias condições e para tal o sucateamento do SUS, utilizado principalmente pela população pobre e negra, é o que deve ser combatido, pois são suas condições precárias de infraestrutura. Ou seja, a grande questão aqui é justamente voltar-se as condições do SUS para assegurar o direito de escolha materna de que parto ela quer ter.

Apesar de ainda não ser oficial - por enquanto já que o caráter de urgência em que o PL é colocado faz com que este entre em um rito sumário chamado congresso de comissões, sendo considerado "tramitado" imediatamente e, apesar de ser utilizado para situações de calamidade pública, faz com que o projeto tramite sem discussão pública, ampla, aberta e democrática – e passar como forma de defesa de direitos, o PL acaba tendo o mesmo caráter do documento oficial do Cremerj que estabelece a liberdade para qualquer médico obstetra, de rejeitar qualquer “plano de parto” por parte da gestante. Apesar de parecer contraditório está afirmação, na prática é o que vai acabar ocorrendo, já que a liberdade de escolha deve ser informada, ou seja, que a mulher, na decisão sobre seu parto, esteja consciente e com conhecimento de todas as formas que ela pode escolher, mas, na prática, por questões que podem envolver rapidez, agilidade, e, principalmente lucro, os obstetras vão induzir, ainda mais, por garantia da aprovação deste PL, a realização de cesáreas. A autonomia de decisão parte da decisão consciente da mulher em seu plano de parto, devendo sim ou sim, que esta seja informada sobre todas as questões e que envolve este momento e que ela decida o que quer ou não quer que seja realizado, garantindo seu direito ao corpo.

Ou seja, esse PL vem para assegurar o maior lucro das indústrias farmacêuticas na mercantilização do parto, apesar de transvestismo de garantia do direito de escolha. Na verdade, no país onde o parto cirúrgico virou regra (comercial), decreta-se mais uma regra que é perfeita para o médico louco por cesárea, e disposto atropelar qualquer desejo de liberdade de parte da mulher no seu parto. A inversão fraudulenta do conhecimento científico acerca do parto cirúrgico (cesárea) tem base comercial, abrindo passagem para acumulação do capital na saúde, impondo o que um procedimento de exceção como regra, para aumentar o lucro com as opções cirúrgicas dentro e fora do SUS. Ou seja, alegando opção, esse PL institui o parto cirúrgico.

Portanto, esse PL esconde, ainda mais, os debates principais que são: a precarização e sucateamento do sistema de saúde pública que impossibilita a opção de escolha de decisão sobre seu parto. Ou seja, para não promover a assistência médica estatal, utilizando de um discurso de garantia de opção da mulher, se abre portas para a indústria médica que tem como principal mote o lucro e não o cuidado ou mesmo a garantia de direito de escolha consciente da mulher.

Como colocado aqui. Tecnicamente o parto é um ato fisiológico para o qual toda a sociedade e o sistema de atenção médica deveria estar organizado. Só que, obviamente, em uma sociedade onde o ato médico [e cirúrgico] se converteu em uma mercadoria, as coisas acontecem de forma exatamente contrária. Muitas mulheres foram convencidas pela indústria do parto cirúrgico, pela corporação médica, de que parto bom é parto feito em centro cirúrgico, no bisturi e isso se liga justamente com o um SUS que vem sendo golpeado, administrado e degradado por interesses comerciais, onde grandes monopólios financeiros dominam a rede de serviços e insumos médicos. Assim, precisa ficar evidente que estamos diante de um sistema, bem lubrificado pelo dinheiro, que converteu um ato fisiológico em procedimento cirúrgico e um PL como este não vem para garantir os direitos bem sim o interesse do lucro de poucos.

A real forma em defesa da escolha e, portanto, do corpo da mulher vem da luta, da mobilização, se ligando na luta em deseja de um SUS realmente público, gratuito e de qualidade. Não se pode cair no canto de defesa da autonomia, se está, na realidade vem de uma pressão reacionária que atende o lucro de poucos contra a saúde e o conhecimento. Assim, as lutas precisam ser ligadas, e a demanda das mulheres somente poderá vir com a ligação com a classe trabalhadora, para se vencer esse sistema iníquo, que degrada a nossa vida em todos os sentidos.

 
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