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ANÁLISE NACIONAL PÓS 26M
Como sai Bolsonaro das manifestações do 26M?
Mateus Torres

As análises sobre o significado das manifestações do domingo, 26, ficam turvas, se o critério de comparação ao 15M se resume à quantidade (o 15M foi muito maior). Em uma primeira análise, o que é importante remarcar é que, no mês de maio, a polarização crescente do país, com seus fluxos e refluxos, tomou as ruas.

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O fundamental - que se perde quando se analisa desde esse ângulo, meramente quantitativo - é que seus conteúdos, objetivos e significados são completamente diferentes. O que do ponto de vista da quantidade poderia se ler como uma derrota de Bolsonaro e que necessariamente o enfraquece, não é assim quando se analisa que ele convocou as ruas no marco de um isolamento na superestrutura do espectro da direita política golpista, ou seja, que se tratam de tropas próprias, e que ele teve êxito no seu objetivo de deixar os atos como “por demandas positivas” (inclusive com isso conquistando certo apoio da mídia tradicional – supostamente oposicionista - que aproveitou para enfatizar a importância da reforma da previdência em particular), isolando os setores que levantavam bandeiras como o fechamento do STF e do Congresso (ver isso não significa nos enganarmos de que os direitistas duros estavam se contendo por ordem do seu “mito”), e nesse sentido permitindo que possa ganhar setores da opinião pública que não foi ao ato inclusive, com o apoio fundamental do famigerado Sérgio Moro, figura que segue sendo a mais popular do governo.

Entretanto, é preciso enxergar o ângulo paralelo e complementar dessa questão. Duas questões foram respondidas pelo 26M. Sobre a existência ou não de capacidade de mobilização bolsonarista, viu-se que sim há, e que apesar de ferido politicamente, Bolsonaro não está liquidado; sobre se lhe prejudicou a ruptura da "frente única" com as demais forças golpistas que constituíram todas as etapas anteriores do golpe: categoricamente sim, e Bolsonaro tomou nota.

O discurso da entrevista de Bolsonaro vem de sua própria leitura da relação de forças e do valor do dia 26: esteve longe de ser um fiasco - e por isso ganhou capital político para negociar - mas ficou aquém do que o governo esperava, não gerou energia suficiente para impor os métodos do "bonapartismo imperial" sobre o "bonapartismo institucional". Em base a essa leitura é que Bolsonaro faz política. Toda a entrevista à Record se dedica a, em base ao que lhe permitiu o 26M, voltar à mesa de negociação, com o detalhe que ele mesmo considerou necessário recuar em dois pontos chave: 1) recuou da agressão feita aos manifestantes do 15M, chamando-os de "idiotas úteis", embora mantenha ataque aos professores; e 2) incluiu a si mesmo entre os responsáveis pela falta de coordenação entre os três poderes para o avanço da agenda econômica, para complementar o efeito do 26M.

São sinais fortes do presidente, que indicam que não exagera os efeitos dos atos pró-governo e se esforça em aumentar-lhes o preço, combinando essa operação com concessões discursivas mais que simbólicas às instituições do regime político.

Ou seja, em sua avaliação, sem esses gestos importantes e não característicos do Bolsonaro às forças do "bonapartismo institucional", o presidente considerou que a negociação ainda seria desfavorável, no que podemos concluir que os atos lhe deram capital político, mas não o suficiente, não foram um "triunfo taxativo" do governo. E por que não foram? Porque ficou claro que o bolsonarismo perde ao rachar a coalizão golpista com a dita "direita dura liberal" (MBL, Vem pra Rua, Kim Kataguiri, Janaína Pascoal, etc.), mesmo tendo sido um êxito para o bolsonarismo mostrar que tem capacidade de mobilização própria, e tenha colocado seus "defensores duros" nas ruas.

Uma análise dialética dos fatos precisa captar esses vetores aparentemente opostos, mas que convivem num mesmo fenômeno. Do contrário, não é compreensível a entrevista de Bolsonaro no pós 26M e os recuos, e os insistentes (três!) tweets dizendo que "não se pode menosprezar ou diminuir o que aconteceu no 26". Se não fosse assim, se o 26M fosse suficiente para negociar, como se explicaria o recuo de Bolsonaro diante dos anteriores ataques a Rodrigo Maia e ao Congresso? Por que recuou dos ataques aos manifestantes do 15M? Poderíamos dizer também que, sem o 26M, esse recuo discursivo seria quase fatal para os planos do "bonapartismo imperial", porque viriam sem qualquer contrapartida material que mostrasse que Bolsonaro ainda tem "bala na agulha" e força de mobilização própria: daí a importância da jornada pra ele.

As manifestações do dia 26 se tratam nesse marco de uma conquista relativa de Bolsonaro para fortalecê-lo nas negociações por cima sobre que tipo de regime bonapartista (autoritário) se configurará para passar os ataques econômicos que todas as alas dos de cima tem acordo: mas que precisam do auxílio indispensável de seu recuo discursivo em várias frentes de batalha.

Se um “bonapartismo imperial”, centrado na figura de Bolsonaro com poderes extraordinários sobre todas as instituições, ou se um “bonapartismo institucional”, onde a figura do presidente tem pouco peso e o parlamento, o STF e os militares atuam como fatores de tutela do poder presidencial, mantendo uma “faceta democrática” no marco de um regime crescentemente autoritário, e controlando os elementos mais exaltados de Bolsonaro. Tudo sempre no marco de que ambas alas tem suas diferenças de que tipo de regime político estabelecer, mas tem acordo no programa econômico de ataques a passar, a diferença é de qual regime seria mais funcional para isso.

Bolsonaro lançou mão de uma jogada arriscada ao polarizar convocando mobilizações, mas por hora o que indica é que seu objetivo foi no sentido de apoiar-se nessa força para se fortalecer como ator político para negociar com o legislativo e judiciário um “novo pacto”, como ele defendeu na sua entrevista à Record em seguida dos atos (um pacto que lhe seria favorável). Ainda que não conseguiu uma força acachapante das ruas, foi suficiente para golpear e, “baixando os decibéis” da sua própria polarização com as instituições e até mesmo fazendo uma cínica “autocrítica” de que “exagerou” ao chamar os estudantes de “idiotas úteis”, negociar um novo pacto que imponha mais os seus objetivos.

Se bem é impossível pensar que Bolsonaro com o dia 26 consolidou bases para seu “bonapartismo imperial”, e nesse sentido seu discurso, e do clâ familiar, muda para falar em nome “da democracia”, e passa a falar em “nós, políticos” e não de forma tão enfrentada com a casta política”, ele usa os atos pra negociar em melhores condições o seu programa e busca retomar protagonismo depois de um momento onde parecia “acuado”. Golpeia para negociar sem ceder tanto ao “bonapartismo institucional”, chamando abertamente na entrevista para negociar os “chefes” das maiores instituições: Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre e Dias Toffoli.

No marco de uma persistente crise econômica que dia a dia desgasta bases do bolsonarismo, de que o movimento de massas pode voltar a mostrar força (de forma mais ou menos contundente), e de que os atores do “bonapartismo institucional” ainda tem muitos recursos e margem para contra-atacar, não é possível dizer o resultado final dessas disputas em curso. São vários cenários em aberto, incluindo possibilidade de novos giros bruscos como o que significou 1 milhão nas ruas no 15M, ou que poderiam significar uma escalada nas denuncias contra Flavio Bolsonaro que enfraqueçam o clã qualitativamente, ou mesmo distintos setores do regime resolverem seguir golpeando os objetivos “imperiais” de Bolsonaro, para citar algumas das possibilidade que façam com que se mantenha o cenário de instabilidade para Bolsonaro e seu projeto “imperial”.

Este conflito “entre bonapartismos” tende a se estender por um período, e terá como momento fundamental a votação da reforma da previdência, que caso seja votada ou não, se com resistência aguda na luta de classes ou não, e com qual magnitude de ataque ao movimento de massas (e sua contracara de satisfação do capital financeiro), vão redefinir a correlação de forças de conjunto.

Um alerta importante ao movimento de massas e à esquerda, é que não necessariamente a aparente “moderação” do discurso de Bolsonaro e sua sinalização de buscar pactos com outras instituições e atores do regime, é melhor para o movimento de massas. Isso pode significar um marco de que os de cima avancem na sua unidade, diminuam as divisões e tensões entre eles, e ataquem o movimento de massas de forma mais unificada com seu programa econômico comum. Podem querer fazer isso e depois de derrotar o movimento de massas voltar a disputar entre eles os “botins” do poder em um regime bonapartista.

Um dos fatores que vai ser decisivo no curso de pra onde vão estes enfrentamentos, é pra onde vai os distintos atores do chamado “centrão”, em que nível vão se dividir e serão fatores para um lado ou outro nas disputas em curso. Bolsonaro pós 26 mudou a linha para alimentar essa divisão (que já se verificou na votação de se a COAF ia ficar com Moro ou Guedes) e mesmo na MP 870 dos ministérios. Ele agora diz que sequer ajuda “chamar de centrão”, tentando evitar as qualificações de que eles somente querem fazer negócios, clamando por um acordo para “evitar essa imagem negativa”. Quer dividir o “centrão” com afagos. Também vai pesar se a base bolsonarista no parlamento vai caminhar no sentido que defende Joice Hasselman, de centrar na busca por acordos nos ataques econômicos e evitar maiores conflitos e pautas de valores que dividem mais entre os parlamentares.

Isso no marco de que a “oposição declarada” ao governo Bolsonaro, segue sendo um fator de pouco peso na realidade política fruto da sua estratégia de meramente deixar Bolsonaro se desgastar e capitalizar nas próximas eleições de 2020 e depois 2022, enquanto a crise vai sendo descarregada nas nossas costas. Nessa postura está não somente a ala mais direitista aberta do PDT de Ciro e Tabata Amaral, ou os governadores do PT, que diretamente se colocam como conciliadores com o bolsonarismo, negociam abertamente a reforma da previdência e até alguns chegam a defender cobrança de mensalidades nas universidades, como o governador da Bahia Rui Costa do PT, mas todos os que de palavra falam contra os ataques mas apoiam o carrasco Rodrigo Maia pra presidência da câmara como o PCdoB, e seguem controlando as entidades do movimento de massas (como o PT em especial, e o PCdoB) sem sequer organizar assembleias pela base em todo o país para organizar o 14 de junho que eles mesmo convocaram.

Nesse sentido, não faltam motivos para nos mobilizarmos e tomarmos nas nossas mãos o dia 30 de maio e 14 de junho. O fator decisivo em ultima instância de pra onde vai essas disputas por cima entre os dois tipos de bonapartismo, é o quanto vai pesar o fator da luta de classes e do movimento de massas. Nesse sentido, cumpre um papel nefasto que as distintas burocracias políticas, sindicais e estudantis, tenham não somente dividido as manifestações entre o dia 30 (estudantes contra ataques à educação) e 14 de junho (trabalhadores contra reforma da previdência), mas principalmente que não estejam preparando para que o dia 30 de fato seja contundente e maior. Ao contrário, até mesmo nas universidades federais, vanguarda da mobilização no 15M, praticamente não fizeram nada para isso, em muitos casos sequer convocando assembleias.

Definitivamente, se o dia 30 vai ser maior, está nas mãos da base dos estudantes e trabalhadores que entendem a importância de sair ao combate apesar do boicote das direções.

É para essa perspectiva que batalhamos como ED e MRT, e esta situação só reforça a necessidade de urgentemente tirar das mãos das burocracias o controle das mobilizações, e é neste sentido que insistimos no chamado ao PSOL a colocar sua projeção superestrututal e as entidades que dirige (em especial na educação) a serviço dessa batalha, no terreno da luta de classes, ao invés de seguir apostando em buscar “frentes políticas”, como agora faz até mesmo com o PSDB, e na coexistência pacífica com as burocracias sindicais e estudantis (especialmente a CUT, a CTB, e a UNE).

A batalha urgente é organizar um Comando Nacional de Delegados eleitos e revogáveis nas assembleias de base, que tenha o poder de decisão sobre os rumos da mobilização, do plano de luta, e seu programa, impedindo que estas direções negociem nosso futuro por interesses particulares deles, e garantindo que se fortaleça a única perspectiva que pode derrotar os ataques de Bolsonaro e seus aliados, bem como esses distintos projetos reacionários para o regime político: levar a frente UMA SÓ LUTA unificada contra os ataques à educação e a reforma da previdência, numa frente única que possa barrar estes ataques e, a partir daí, avançar na luta por nossas demandas, avançando num programa para que sejam os capitalistas que paguem pela crise, com o não pagamento da dívida pública e outras medidas de fundo que estejam à altura de uma resposta operária e popular para que a crise seja paga pelos que a criaram.

 
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