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INTERNACIONAL | REFERENDUM EM CUBA
Em Cuba se votou por uma nova Constituição: o que isso significa?
Diego Dalai

Nove milhões de pessoas estavam habilitadas para participar da consulta que deve ratificar a Nova Constituição aprovada pela Assembleia Nacional no dia 23 de dezembro do ano passado e não havia duvidas de que o "sim" se imporia por ampla margem.

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Durante o domingo estiveram abertos mais de 25.000 colégios eleitorais nos quais cubanos e cubanas a partir dos 16 anos de idade exerceram seu voto para referendar ou não o texto constitucional que foi aprovado por unanimidade no parlamento no final de 2018.

Esse era o último passo que estabelece a lei para validar a Constituição. Durante o fechamento deste artigo ainda se realizava a contagem oficial, mas se descartava que o "Sim" imporia uma margem ampla, pela qual a nova Constituição fica automaticamente aprovada e substitui a atual Constituição de 1976

Quais são as principais mudanças e o que elas significam?

As mudanças centrais ou mais relevantes (que já foram descritas em artigos anteriores do La Izquierda Diario) são, a introdução da propriedade privada capitalista (art. 22) dentro das formas de propriedade e o papel do "mercado" (art. 18), e o investimento estrangeiro (art. 28) dentro da "economia socialista" que já são uma realidade em Cuba, mas que até agora não tinham o respaldo constitucional. Essas mudanças são profundas e históricas.

Apesar de se estabelecerem conceitos como "controle" e "regulação" por parte do Estado, as mudanças outorgam "seguridade jurídica" aos empresários e abrem as portas para futuras reformas de estendam e/ou aprofundem os elementos capitalistas que atuam na economia majoritariamente nacionalizada. Inclusive em áreas estratégicas definidas como "inalienáveis" se disputa o poder do Estado de definir o tipo de gestão (art. 23 e 24).

Como declararam reiteradas vezes Raúl Castro e Miguel Diaz-Canel, a burocracia do Partido Comunista tem como "modelo" os "sistemas socialistas de mercado" da China e do Vietnã, onde já faz décadas que se voltou ao capitalismo mantendo o regime de partido único e um forte controle do estado por parte da burocracia governante. A nova Constituição é um reflexo dessa orientação política, ligada intimamente aos interesses de extratos da alta burocracia (especialmente a cúpula das Forças Armadas de Cuba) que se enriquecem através do controle das principais empresas estatais ou mistas, e não um "reflexo da sociedade” como querem instalar na consciência popular.

Por trás de uma meticulosa elaboração que levou anos e foi supervisionada de cabo a rabo pelo próprio Raul Castro, o projeto foi votado no caráter de rascunho pela Assembleia Nacional no meio de 2018 e foi submetida a um processo de "consulta popular" massivo durante três meses por meio de assembleias de bairro e em locais de trabalho abertas à toda a população.

Se trata de um mecanismo que está muito longe da democracia direta que postulou historicamente o marxismo revolucionário e que desde as revoluções russas de 1905 e 1917 tomou corpo na forma de Conselhos Operários, Campesinos e de Soldados. O processo de consulta é convocado excepcionalmente pelo governo e o parlamento quando o julgam necessário, e as reuniões tem caráter apenas consultivo e estão controladas pelo Partido Comunista e outras organizações de massas legalizadas e aceitas pelo regime de partido único. Em todo o processo não existe o direito democrático de se organizar por fora das ditas instituições para difundir ideias e propostas (direito que a reacionária Igreja Católica tem, por exemplo). No final, as milhões de propostas surgidas não filtradas (literalmente) por uma comissão especial que define quais são "compatíveis com nossos princípios" e quais se descartam, para depois o texto chegar novamente ao parlamento onde se introduzem modificações.

Foi muito gráfico nesse sentido, na última sessão da Assembleia Nacional que sancionou o texto definitivo, a reintrodução do termo "comunismo" (que não estava no projeto) que havia tido pouco mais de 500 propostas nas assembleias, e em contraste a não aceitação da proposta de eleições diretas para Presidente (se mantém o mecanismo de eleição indireta através da Assembleia Nacional) que havia tido mais de 11.000 propostas.

A nova Constituição também inclui algumas mudanças no sistema político (mantendo inalterado o regime de partido único) como a reeleição máxima do presidente a dois mandatos de 5 anos, a introdução do cargo de Primeiro Ministro, a eliminação das Assembleias Provinciais do Poder Popular e a criação do cargo de Governador que são propostos pelo Presidente da República e votados pela Assembleia Nacional.

O direito ao matrimônio igualitário, que estava incluso no primeiro rascunho e que retirava a retrograda definição "entre um homem e uma mulher" foi eliminado por pressão das igrejas. Tanto católicos e católicas como evangélicos e evangélicas e de outros cultos agiram contra esse direito democrático elementar durante todo o processo de consulta popular (conseguindo que fosse o tema mais debatido, com 66% das discussões) e através de sua bancada na sessão em dezembro de 2018. Finalmente a Assembleia Nacional eliminou as palavras "homem e mulher" mas estabeleceu que "toda a pessoa tem o direito de fundar uma família" (art. 82) e que "lei determina a forma em que se constitui" o matrimônio (art. 83) e a questão foi derivada para ser especificada no Código da Família e ser ratifica em um referendum em cerca de 2 anos.

Contra toda a propaganda do Partido Comunista sobre um ato de "defesa da revolução" e por um "futuro melhor", neste referendum se consagra um texto sob medida da burocracia e seu objetivo estratégico de avançar na restauração capitalista mantendo seu poder político, suas vantagens, privilégios e negócios com o capital estrangeiro.

 
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