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TRADUÇÃO
A saúde pública como conquista das massas no sistema de saúde soviético
La Izquierda Diario

A Revolução Russa, em 1917, foi um acontecimento que transformou o mundo, demonstrando que uma nova sociedade poderia ser alcançada pela transformação de todas as relações sociais, garantindo pleno acesso à saúde.

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A saúde como um direito sempre foi uma bandeira da luta do movimento de trabalhadores. No final do século XIX, os trabalhadores alemães arrancaram do Chanceler Von Bismarck conquistas democráticas que lhes garantiam um seguro doença, um seguro por invalidez e aposentadoria. Os trabalhadores e os empresários faziam contribuições econômicas para a manutenção deste seguro, e desta maneira o Chanceler de ferro apresentava uma mensagem imperial ao Parlamento dizendo que "inutilmente os socialistas tocaram a flauta para atrair os trabalhadores a seus excessos".

Mundialmente, os trabalhadores foram conquistando o seguro saúde, dando forma à assistência social para lidar com as doenças em um mundo onde o atendimento médico era de exercício privado. Em diferentes países, os trabalhadores conquistaram o acesso à saúde por meio desta configuração de assistência social. No entanto, a Revolução Russa marcou um antes e um depois na história da organização de sanitária.

Até 1913, a mortalidade infantil na Rússia era de 240 a 270 crianças mortas por mil nascidos vivos. Cerca de 95% dos nascimentos ocorriam em lares e em condições insalubres,ocasionando o aumento na morbidade e mortalidade materno-infantil. O abandono de crianças resultante de gravidez indesejada era uma realidade alarmante. Nesse ano, havia apenas nove clínicas pediátricas e 19 creches registradas em Moscou. A expectativa de vida mal chegava aos 35 anos [1].

Com a revolução, o governo soviético criou, em julho de 1918, o Comissariado do Povo de Saúde Pública "Narkomzdrav", nomeando para sua direção o médico bolchevique Nikolai Semashko. O comissariado nascente teve que enfrentar uma grande crise social e sanitária que castigava o povo russo desde a época dos czares. As epidemias assolaram a população civil, assim como os soldados do front: tifo, cólera, escorbuto, varíola, doenças venéreas, malária e a fome eram descontroladas e a situação continuou a se deteriorar durante a guerra civil [2].

Semashko baseou o sistema de atenção médica em várias ideias: princípios comuns de organização e centralização da atenção médica, igualdade de acesso à assistência médica para todos os cidadãos, métodos e tratamentos de prevenção unificados, eliminação da base social das doenças, a realização de amplas medidas sanitárias, epidemiológicas e terapêuticas, envolvendo o público na atenção à saúde, priorizando crianças e mães.

Foram elaboradas as diretrizes para a aplicação de uma política de sanitária ativa de educação em saúde e higiene denominada "Ilustração Sanitária". Esta medida foi rapidamente desenvolvida durante os primeiros anos do poder soviético para lutar contra as doenças [3]. A educação, para a saúde, era considerada vital não apenas para combater e prevenir doenças, mas também para garantir a saúde contínua da população que construía a nova sociedade.

No campo da saúde sexual, o programa soviético de educação também foi considerado como urgente devido às restrições ao sexo e à alarmante incidência de doenças venéreas. Desta forma, a educação sexual foi desenvolvida na União Soviética, precedendo medidas importantes para a redução da morbidade e a mortalidade das mulheres, assim como a legalização do aborto. Medidas que foram ampliadas para as regiões rurais [4].

Serviços operacionais

O modelo sanitário soviético, posto em prática, baseava-se na organização dos sovietes, na participação do povo na tomada de decisões sobre os problemas de saúde; na prevenção e promoção da saúde, e foi garantido pela planificação socialista da economia.

Os centros de tratamento primário foram estabelecidos nas diferentes comunidades como postos de saúde com feldshers (agentes de saúde) sob a responsabilidade médica dos Hospitais de Rayón. Lá havia a participação da comunidade, eram solucionadas as patologias mais rotineiras e de maior prevalência das principais especialidades: pediatria, clínica geral e ginecologia e obstetrícia. Se a doença não fosse curada no primeiro nível, tentava-se solucionar no segundo nível que era representado pelos centros de atendimento chamados Oblastos, que eram centros com maior complexidade e com mais tecnologia de equipamentos médicos. Todas as indústrias tinham um serviço médico que era responsável pelo cuidado médicos dos trabalhadores e realizavam atividades de promoção da saúde e prevenção de doenças ocupacionais.

As jornadas de trabalho dos agentes de saúde eram de 6:30hrs, divididas em 3hrs para atendimento clínico, 3hrs para atendimento domiciliar e 30 min para educação em saúde. A proteção da saúde levava às residências desde os médicos mais qualificados até os agentes de saúde (feldsher). Na área rural, o rendimento dos kolkhozes (propriedades rurais coletivas) deveria garantir os equipamentos hospitalares da região de Rayón, e o Estado deveria pagar o salário dos trabalhadores.

A formação dos profissionais de saúde tinha grande particularidade, já que a partir do terceiro ano de medicina os alunos precisavam deviam definir se iriam se dedicar a saúde dos adultos, crianças ou mulheres. Em 1913, havia 13 faculdades de medicina, portanto, uma política sanitária foi a de aumentar a quantidade de faculdades para a formação em diversas áreas médicas. Os estudantes recebiam bolsas de estudo e, desta forma, aumentou-se o número de graduados na área de saúde entre médicos, enfermeiros, parteiras e feldshers.

A pesquisa sobre os problemas mais urgentes da população foram priorizadas e a indústria foi nacionalizada para produzir os farmacológicos necessários para combater as doenças. Foi criada a divisão químico-farmacêutica no Instituto Russo de Química Aplicada e o Instituto de Pesquisa Químico-Farmacêutica estava encarregado de produzir antibióticos, vitaminas, antitoxinas e vacinas.

Outra importante diretriz de saúde foi a incorporação das atividades físicas e de medicina esportiva [5]. Todos os habitantes da União Soviética deveriam ter um tempo diário de duas horas para realizar atividade física com o objetivo de reduzir a prevalência de doenças crônicas.

O sistema de saúde soviético representou a forma mais avançada de organização da saúde nas primeiras décadas do século XX. As políticas socialistas de saúde permitiram o desenvolvimento da formação de novos médicos e médicas, enfermeiras e parteiras para enfrentar o legado sanitário deixado pelo czar. Aumentou-se a expectativa de vida, diminuiu-se a mortalidade infantil e materna, combateu-se as doenças infecciosas e sexualmente transmissíveis, apesar da guerra civil e das adversidades e deficiências do nascente do Estado proletário.

Isso levou muitos especialistas em saúde pública a investigar e admirar a surpreendente organização da saúde soviética, como foi o caso de Henry Sigerist – professor da Universidade John Hopkins – que, mais tarde, se tornou o seu principal defensor na medicina ocidental. [6] O sistema de saúde não estava isento da burocratização stalinista, mas, apesar disso, a população russa havia conquistado o direito à saúde.

Em 1958, a Organização Mundial da Saúde (OMS) enviou 23 especialistas para investigar a organização sanitária soviética, produzindo um relatório que foi publicado cinco anos depois, alertando para um novo paradigma de organização da saúde que garantia uma saúde pública de qualidade ao conjunto da população. Já no final dos anos setenta e com as ditaduras militares instauradas pelo capital nos países latino-americanos, a OMS publicou o documento "Saúde para todos em 2000", estabelecendo a Atenção Primária à Saúde (APS) como uma estratégia para alcançar essa meta, baseado nos 60 anos de experiência do modelo de saúde soviético.

Essa estratégia de saúde implicou em uma mudança subversiva no sistema de saúde que acabou fracassando: as ditaduras militares aniquilaram a estrutura dos sistemas de saúde e, também, qualquer possibilidade de auto-organização das massas em benefício do empoderamento da saúde.

Com a queda da URSS os planos de saúde privados floresceram na Rússia como ervas daninhas. Hospitais perderam capacidade e equipamentos. O sistema de saúde soviético terminou caindo nas receitas privatistas do Banco Mundial e do FMI, para ser mastigado pela voracidade capitalista da indústria farmacêutica e da medicina privada.

[1] Baranov A.A., Albitsky V.Y. "Mladencheskaya smertnost: Infant mortality rate: lessons from history and the prospects for a reduction.", Kazan Medical Journal Nº 5, 2011.
[2] John F. Hutchinson, Politics and Public Health in Revolutionary Russia, 1890-1918. Baltimore 1990.
[3] Peter Kenez, The Birth of the Propaganda State: Soviet Methods of Mass Mobilization, 1917-1929 Cambridge 1985.
[4] Bridger Susan, Women in the soviet countryside women’s roles in rural development in the Soviet Union. Cambrige 1988.
[5] Starks Tricia. The Body Soviet: Propaganda, higgiene and the revolutionary state. The University of Winconsin press. 2008.
[6] Sigerist Henry and Older, Julia. Medicine and Health in the Soviet Union. 1937

 
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